O belo gesto de Daniel não merece manchete

Os caros leitores deste Balaio certamente tomaram conhecimento do escândalo dos soldados do Exército e de voluntários que roubaram donativos enviados aos flagelados de Santa Catarina, já que toda a imprensa mancheteou e noticiou exaustivamente esta revoltante história. Muito justo.

Agora, eu pergunto: quantos leitores tomaram conhecimento hoje do belo gesto de um flagelado, também de Santa Catarina, que devolveu os 20 mil reais encontrados num casaco que lhe foi doado?

Eu mesmo, que leio vários jornais por dia e consumo notícias o tempo todo, por dever de ofício, só fiquei sabendo desta história agora à tarde ao ler os comentários dos leitores no post que escrevi ontem sobre o livro “Mordaça no Estadão”.

O leitor Neskeens von Lyrics, um freguês aqui do Balaio, enviou comentário às 11h09 de hoje, reproduzindo nota divulgada pelo portal Globo.com, e só assim fiquei sabendo que Daniel Manoel da Silva, 58, morador de Ilhota, que perdeu sua casa na enchente, foi o autor do nobre gesto, que não mereceu as manchetes da nossa grande imprensa.

Corri para procurar mais informações no jornal “O Globo”, mas só encontrei 11 linhas escondidas no meio de outra história, apenas um breve resumo da nota publicada no online da mesma empresa.

Quem encontrou o dinheiro escondido na manga de um casaco de couro e pele foi uma neta de Daniel, de 5 anos. A primeira providência dele foi procurar o doador, um morador de Concórdia, para lhe devolver o dinheiro. O que Daniel falou deveria estar na primeira página de todos os jornais:

“Se o dinheiro fosse entregue em minha mão, teria aceitado com certeza porque preciso. Mas é uma questão de criação, fui educado assim e estou com a minha consciência limpa”.

Daniel recebeu R$ 1 mil pela sua honestidade, informou o portal.

Mas, em vez de destacar o gesto e a frase lapidar de Daniel Manoel da Silva, um flagelado anônimo, O Globo preferiu abrilhantar sua capa com frases daqueles luminares sempre de plantão para falar sobre qualquer assunto _ no caso, o escândalo do roubo das mercadorias doadas aos flagelados.

Vale a pena reproduzir as palavras dos sábios.

Marco Antônio Villa, historiador (sempre que algum veículo quiser esculhambar com o governo ou com políticos em geral, é só falar com ele): “Quando se vê um político dividindo sacos de dinheiro, começa-se a achar natural um soldado, um voluntuário separar daquele conjunto o que é melhor para ele. É necessário dar um basta”.

(Só uma curiosidade: a qual político o professor Villa se refere?)

Roberto Romano, professor de Ética: “Não é possível perder a referência da perversidade, daí a importância da educação e do estado de direito”.

Muito bom, muito bonito, mas por que, em lugar de ouvir os de sempre, os jornais e emissoras que cobrem a tragédia de Santa Catarina não foram atrás da família de Daniel Manoel da Silva para saber como eles vivem, como foi a educação deles, quem os ensinou a ser honestos?

Ao final do seu comentário, escreveu o leitor Neskeens von Lyrics:

“Dá para não se emocionar frente a uma demonstração de honestidade desta magnitude? Pena que muitos perferem roubar os donativos”.

Vivemos um tempo estranho em que os leitores têm mais sensibilidade jornalística do que aqueles que vivem desta profissão. Ainda bem que hoje temos a internet para que os próprios leitores possam informar o repórter do Balaio e os outros leitores sobre o que está acontecendo.


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