O bispo e a menina, a Igreja no limbo

Aos 75 anos, já aposentado e apenas esperando seu sucessor ser indicado pelo Vaticano, dom José Cardoso Sobrinho, faz quase 25 anos arcebispo metropolitano de Recife e Olinda, sucessor de dom Helder Câmara, conseguiu finalmente sair do anonimato e tornar-se de um dia para outro nacionalmente conhecido. Apareceu até no Jornal Nacional.

O motivo da sua fama repentina, no entanto, causou um enorme estrago à imagem da Igreja Católica, que ainda vinha sendo preservada no fogo cruzado de leitores cada vez mais indignados, que hoje atinge indistintamente membros dos três poderes, da mídia e de outras igrejas, especialmente as evangélicas.

Ao excomungar e abrir processo na Justiça contra a mãe da menina de nove anos estuprada pelo padastro, grávida de gêmeos, e os médicos que a submeterem a aborto para salvar sua vida, dom Sobrinho alcançou a quase unanimidade – contra ele e a sua Igreja.

Basta ver o teor dos mais de 450 comentários enviados ao Balaio desde que entrou no ar, no meio da tarde desta quinta-feira, o texto que escrevi sob o título “Posso excomungar este bispo da minha Igreja?”.

De cada dez leitores, nove condenaram os atos e as declarações do bispo, fazendo pesadas críticas à Igreja Católica. Os comentários mais irados vieram justamente de leitores de Pernambuco, que acompanham de perto faz mais tempo os desmandos e destemperos de dom Sobrinho, mas chegaram mensagens carregadas de revolta e indignação de todas as partes do país e até do exterior.

Seria muito bom para ele e a hierarquia da Igreja Católica que tivessem um pouco de humildade para ler e refletir sobre o que os leitores escreveram. Jorgina Marques, aos 0:47 da madrugada, falou sobe a vergonha que sentia de ser católica neste momento. Yvens Rocha, às 7:28, escreveu uma carta dirigida diretamente ao bispo, que termina assim:

“Se o senhor e a Igreja não podem fazer nada para ajudar a esta mãe a esta criança, deixe-as em paz com o seu sofrimento”.

“Hipócrita” foi o termo mais gentil e mais usado pelos leitores para se referir ao papel de dom Sobrinho nesta trágica história.

O leitor Cláudio, à 1:56, resumiu o sentimento de muitos outros comentaristas do Balaio:

“Por estas e outras é que o número de católicos não praticantes e de ateus não para de subir no Brasil e no mundo”.

O caso da menina do Recife levou muitos leitores a cobrarem da Igreja um posicionamento sobre as recorrentes denúncias de pedofilia contra seus membros. Outros levantaram a questão da hipocrisia do celibato e indagaram por que o bispo ainda não excomungou o padrasto estuprador, que está preso em Pernambuco.

Fui obrigado a excluir grande número de comentários por conterem ofensas e injúrias contra dom Sobrinho e a Igreja, mas mesmo assim pode-se ter uma idéia do sentimento de revolta manifestado por pessoas de todas as religiões contra a sua atitude, com termos que não costumam ser empregados contra hierarcas da Igreja Católica.

Tive problemas de conexão com a internet ontem à noite e alguns comentários deixaram de ser publicados por engano. Por isso, peço aos leitores que os enviem novamente, desde que não contenham termos injuriosos.

Mais assustado fiquei, após terminar de ler os comentários, que me ocuparam muitas horas ontem e hoje para fazer a moderação, ao ler na Folha que dom José Cardoso Sobrinho insiste em defender sua posição no caso com argumentos cada vez mais patéticos.

Em entrevista a Renata Baptista, da Agência Folha, no Recife, ele teve a coragem de fazer as seguintes declarações:

Sobre o risco de vida que a menina corria: “O médico dizia que havia o risco, mas o fim não justifica os meios. A boa finalidade de salvar a vida dela não podia ter suprimido duas vidas. Vou dar um exemplo: eu gosto muito de dar alimentos aos pobres, mas para consegui-los não posso roubar um banco ou assaltar alguém. Dois inocentes morreram sem chance de se defender”.

Sobre o possível afastamento de fiéis da Igreja: “Se afastar os fiéis que não comungam os ensinamentos da Igreja, que seja. Hitler matou 6 milhões de judeus e o Holocausto é lembrado todos os anos. Também penso num holocausto silencioso, nos 50 milhões de abortos no mundo a cada ano”.

Depois de ler isso, não tenho mais o que dizer. Por piedade, algum amigo ou superior do Vaticano, deveria pedir a este bispo, que colocou a Igreja Católica no limbo, para ficar calado. De preferência, que seja indicado rapidamente o seu substituto, antes que cause mais estragos e indignação.


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