O Brasil na agenda americana

Na Casa Branca, Barack Obama é o segundo presidente democrata a conseguir a reeleição desde a Segunda Guerra Mundial (o primeiro foi Bill Clinton)

Em uma manhã de frio cortante, o então senador Barack Obama anunciou sua candidatura à presidência dos Estados Unidos diante do Capitólio de Springfield, Estado de Illinois – o mesmo local onde Abraham Lincoln iniciou sua carreira política. Foi um momento marcante. Obama era um jovem senador de 45 anos, negro, com pouca experiência política, que iria desafiar pesos-pesados do partido democrata, como Hillary Clinton, para tentar a candidatura à presidência. “Uma nova geração sempre ascende e faz o que é preciso ser feito”, disse Obama. “Hoje, mais uma vez nós somos chamados, e é hora de a nossa geração responder a esse chamado.” Isso foi há cinco anos, no dia 10 de fevereiro de 2007.

Foi também há cinco anos que nasceu a revista Brasileiros, com uma proposta de retratar todos os brasileiros e mostrar os aspectos positivos da vida no País, e não apenas as más notícias que tanto seduzem os jornalistas. Obama derrotou seus rivais nas suadas primárias do partido democrata, e venceu um herói da guerra do Vietnã, o senador republicano John McCain, na eleição de 2008. Transformou-se no primeiro presidente negro dos Estados Unidos. No mês passado, a despeito de algumas previsões pessimistas, Obama conseguiu se reeleger.

Ele é apenas o segundo presidente democrata a conseguir a reeleição desde a Segunda Guerra Mundial (o primeiro foi Bill Clinton). Muitos apontam para tudo o que Obama não conseguiu fazer durante seu primeiro mandato. Ele prometeu fechar a prisão de Guantánamo e encerrar seu histórico de violações aos direitos humanos, uma mácula na história dos Estados Unidos. Guantánamo continua aberta. A economia americana ainda patina, com desemprego em 7,9% e crescimento anêmico. Está certo, Obama recebeu uma herança maldita de George W. Bush. Mas, depois de tantos anos, a responsabilidade é sua. Os discursos grandiloquentes de Obama em 2008, prometendo que “os mares iriam parar de subir”, geraram escárnio. E, de fato, seu governo não avançou na questão do combate ao aquecimento global.

Mas os Estados Unidos de hoje, tal qual o Brasil depois de cinco anos, avançaram muito. Em muitas áreas, Obama fez a diferença, ainda que isso tenha sido pouco valorizado perante as expectativas estratosféricas que cercaram sua eleição. Obama prometeu acabar com a guerra do Iraque – e cumpriu, levando as tropas americanas de volta para casa. Ele está lentamente retirando os soldados americanos do Afeganistão também. Sob seu comando, as Forças especiais mataram o terrorista Osama Bin Laden, líder da Al Qaeda e idealizador dos atentados de 11 de setembro.

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O presidente americano conseguiu aprovar uma reforma do sistema de saúde garantindo acesso universal – pela primeira vez desde que o Medicare e o Medicaid foram criados em 1965, um presidente consegue aprovar um programa social dessa envergadura. Em um país em que negros e brancos usaram banheiros separados por muitos anos, o primeiro presidente afro-americano conseguiu se eleger e reeleger. Também se elegeu neste ano a primeira senadora abertamente gay, Tammy Baldwin, e o casamento entre homossexuais foi aprovado em quatro Estados. No governo Obama, foi indicada a primeira hispânica a ser integrante da Suprema Corte, Sonia Sotomayor, e eleita a primeira presidente da Câmara de Deputados, Nancy Pelosi. E na política externa, a relação com o Brasil vai de vento em popa.

A eleição de Obama foi encarada com alívio pelo governo brasileiro. Brasília já sabe o que esperar de um governo Obama, e aprova a receita, apesar de contratempos naturais. Já no cenário global, Obama é visto como muito melhor do que o republicano Mitt Romney. Romney ameaçava um retorno às políticas unilateralistas e maniqueístas dos neoconservadores de George W. Bush, com endurecimento em relação ao Irã, apoio incondicional a Israel e intervenções mais profundas na Síria. Já Obama compartilha com o governo Dilma o apreço pelo multilateralismo. Não houve nenhum breakthrough. O Brasil continua longe de ser prioridade para os Estados Unidos. Mas o País deixou de se enquadrar na agenda tipicamente negativa da América Latina – crime, drogas, imigração ilegal. Ao contrário. Um dos principais sinais de que os Estados Unidos – e o Brasil – avançaram incrivelmente nos últimos cinco anos é a discussão dos vistos.

Há cinco anos, a maior preocupação ainda era imigração ilegal de brasileiros para os EUA, por causa da falta de oportunidades no Brasil (a era de ouro do êxodo de brazucas de Governador Valadares). Cerca de 40% dos brasileiros que tentavam obter vistos de turista para os EUA tinham o pedido recusado. Hoje em dia, a taxa de rejeição de vistos é de apenas 3,8%. O grande objetivo dos americanos é atrair cada vez mais turistas brasileiros. De olho na classe média em expansão, eles querem o poder aquisitivo dos brasileiros em ação nos shoppings de Miami. O número de turistas brasileiros nos Estados Unidos deve chegar a 1,8 milhão neste ano, uma alta de 18% em relação ao ano passado, segundo estimativa do governo americano. Os brasileiros são os turistas que mais gastam nos Estados Unidos – em média, US$ 5 mil por viagem, incluindo passagem e despesas.

Por tudo isso, a negociação para dispensa de visto chegou ao topo da lista de prioridades para os dois países. E os americanos querem também mais acesso a licitações e serviços para o pré-sal brasileiro e a Copa e as Olimpíadas que vão se realizar no País. E tentam vender caças da Boeing para a Força Aérea Brasileira.

Quanta diferença.


*Patrícia Campos Mello é repórter especial da Folha de S. Paulo e colunista da folha.com


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