O CD Macunaó.Peraí.Matupi ou Macunaíma Ópera Tupi reúne 14 canções compostas por Iara Rennó inspiradas em Macunaíma – O Herói sem Nenhum Caráter, de Mário de Andrade, a obra literária que se tornou símbolo do modernismo no Brasil. Três delas já haviam sido lançadas anteriormente, em outros contextos. “Valei-me” e “Mandu Sarará” foram incluídas na coletânea Cartografia Musical Brasileira: São Paulo, do Rumos Itaú Cultural 2001, e “Macunaíma” no disco de estréia da banda DonaZica (Composição, 2003), que costuma apresentar “Valei-me” ao vivo. Na verdade, a cantora, compositora, instrumentista, arranjadora e produtora musical mergulhou nesse universo a partir de 1999. As letras são versos da história, “músicas que sempre estiveram ali, mas quietinhas”, diz Iara, que também musicou três passagens em prosa do livro. “Fazendo cortes, mas nunca acrescentando”, salienta.
Como toda criança que estuda em uma escola decente, Iara teve Macunaíma como leitura obrigatória. Mais tarde, quando cursou letras na Universidade de São Paulo (USP), a obra modernista surpreendeu-a de novo, desta vez pela musicalidade. Os textos de Haroldo de Campos, Gilda de Mello e Souza e José Miguel Wisnik sobre o livro confirmavam e sublinhavam tal aspecto – assim como o filme de Joaquim Pedro de Andrade, em que o herói vivido alternadamente por Grande Otelo e Paulo José volta e meia desandava a cantar as listas de aliterações que pontuam a obra de Mário. Não é à toa que o autor a encerra escrevendo: “ponteei na violinha e em toque rasgado botei a boca no mundo cantando na fala impura as frases e os casos de Macunaíma, herói da nossa gente”.
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Filha do jornalista e compositor Carlos Rennó e da multitalentosa Alzira Espíndola – agora Alzira E -, Iara, uma das compositoras da DonaZica ao lado de Andreia Dias e Anelis Assumpção, com quem começou fazendo vocais na banda do pai desta, o velho Itamar, fez de seu disco o ponto de encontro de pelo menos três gerações. Uma produção esmerada que reuniu Buguinha Dub (Nação Zumbi), Benjamim Taubkin, Quincas Moreira, Moreno Veloso e Kassin (+ 2), Maurício Takara e Daniel Ganjaman, Alexandre Basa, Beto Villares, Siba Veloso (Mestre Ambrósio) e a própria Iara, que fez arranjos ao lado de Arrigo Barnabé, Dante Ozzetti e Caçapa, atapetou vários estúdios para a passagem de nomes como Barbatuques, Tom Zé, a mãe Alzira e os tios Jerry e Tetê, Fuloresta (atual banda de Siba), Toca Ogã, Gilmar Bola 8 e Da Lua (percussionistas da Nação), os trombonistas Tiquinho e Bocato, além de Andreia, Anelis, Gustavo Ruiz e Simone Julien, do DonaZica, para nomear alguns. O resultado soa pleno.
Desde que se preparou para encarar Macunaíma de frente, há uma década, ajudada por Moreno, Iara já o “ouvia” como uma ópera, mas uma ópera popular, folclórica. A simples idéia de assumir o trabalho sozinha já era assustadora. DonaZica é grande, dez pessoas no palco, mas Macunaó.Peraí.Matupi moveu mais de 60, com agendas diferentes. Iara teve o cuidado de lidar também com linguagens fechadas, caso dos grupos Barbatuques e Fuloresta. Colocou lado a lado a vanguarda de Arrigo (“Mandu Sarará”), o melódico de Dante (“Jardineiro” e “Naipi”) e o eletrônico de Alexandre Basa (“Dói, Dói, Dói”). Superou com brilhantismo o risco de se perder em uma miscelânea e agora brinca dizendo que amarga a idéia de como colocar isso ao vivo. De qualquer forma sua “missão”, que é como sempre considerou o trabalho de musicar tal livro, tem cumprimento assegurado. No projeto que aprovou na Petrobras, patrocinadora do disco, incluiu a distribuição dele em escolas públicas de ensino fundamental e médio em todos os estados do Brasil, como instrumento complementar de estudo de Macunaíma, o livro.
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