Quem participar do Fest-Aruanda tem de, “obrigatoriamente”, visitar a cidade de Cabaceiras, que faz parte da microrregião do Cariri Oriental, conhecida pela sua vegetação típica de xiquexiques, cactos, arbustos e umbuzeiros. Outro aspecto da região é a luminosidade, com o sol a pino a qualquer hora do dia e sua “quentura” árida, sem nenhum trocadilho por causa de a região pertencer ao semiárido. Apesar do calor excessivo de dia, à noite a cidade é banhada por uma temperatura fresquinha, que obriga os moradores a usarem roupas mais pesadas para se proteger do frio.
A nossa visita à cidade aconteceu no domingo (12), quando saímos do Hotel Imperial, que fica na praia de Tambaú, em João Pessoa, onde os convidados do festival estão hospedados. Partimos para conhecer a famosa “Roliúde Nordestina” e sua já famosa festa do “Bode Rei”. Viajamos de ônibus, que atravessou uma bonita e bem cuidada rodovia, passando por Campina Grande, entre outras cidades. Depois de três horas de viagem, chegamos à entrada da cidade, com seu já conhecido letreiro “Roliúde Nordestina”, em clara alusão a Hollywood, em Los Angeles, Estados Unidos. O letreiro mede 80 m de comprimento e cinco de altura. Antes do ônibus seguir viagem, me aventurei em uma subida a um dos muitos cruzeiros próximos de Cabaceiras, onde se avista a pequena e bonita cidade, com seu verde contrastando com a aridez da região do Cariri.
Festa do Bode Rei
Há 12 anos, a cidade de Cabaceiras começou a sua festa do Bode Rei, que já ficou conhecida nacionalmente. No início do mês de junho, quando a cidade faz aniversário, é realizada a festa, que dura três dias. Reúne artistas da terra, forró “pé de serra”, comidas típicas da região, como a tapioca do bode, artesanatos e muitas brincadeiras no Arraial do Bode, local construído especialmente para as festividades. Durante a nossa visita à cidade, uma quadrilha junina de crianças fez uma bonita apresentação.
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O bode é a principal atividade econômica da região. Tira-se de tudo dele, da pele do animal até sua carne saborosa e nutritiva (da cabra também, é claro, tira-se o leite). A figura do animal está espalhada por toda cidade. Em qualquer praça ou local aberto, há várias reproduções de bodes, cabras, cabritos, feitas por artesãos da região.
O prefeito da cidade, Ricardo Jorge de Faria Aires, já em seu segundo mandato, nos disse que a cada ano a festa do Bode Rei atrai mais gente. A cidade, que tem em torno de 5 mil habitantes, recebe cerca de dez vezes a sua população (50 mil). “É uma festa muito alegre, que já entrou para o calendário da região e ficou conhecida no Brasil todo graças às matérias e apresentadores que visitaram nossa cidade”, revelou Aires.
Apesar das apresentações de artistas da região com o verdadeiro forró tradicional, o famoso “pé de serra”, o prefeito nos confidenciou que muitas vezes fica obrigado a trazer bandas famosas, que tocam o “forró de plástico”, porque a população e os turistas que visitam a cidade exigem. “Se essas bandas não estiverem na programação da festa, o povo reclama”, diz. Ele reconhece que as bandas, vindas em sua maioria de Fortaleza e que nada tem a ver com a cultura nordestina, infelizmente caiu no gosto do povo. O prefeito, muitas vezes, tem de abrir mão de contratar mais bandas que tocam forró autêntico para pagar os altos cachês de uma banda como Gaviões de Forró e afins.
Cidade do Cinema
Nossa estada na cidade foi muito agradável. Fomos conhecer os pontos turísticos de Cabaceiras, como o Museu Histórico-Cultural dos Cariris Paraibanos, a antiga Cadeia Pública, onde reza a lenda que foi atacada por um bando de cangaceiros, além de um local dedicado às produções cinematográficas que foram filmadas na cidade, como Auto da Compadecida e Romance, de Guel Arraes, Cinemas, Aspirinas e Urubus, de Marcelo Gomes, os três filmes mais conhecidos nacionalmente.
Foram mais de 20 filmes realizados na cidade de Cabaceiras. Mas por que algumas produções estão escolhendo a cidade para fazer os seus filmes? Segundo o idealizador do Projeto Roliúde Nordestina, o escritor e pesquisador Wills Leal, a procura muito se deve às condições da região. A beleza arquitetônica das casinhas e prédios públicos, o sol quase o ano todo e a luminosidade, o clima ameno à noite, os baixíssimos custos da produção local, não só de locações, mas como também dos preços pagos aos moradores por participações nesses filmes, como figurantes, são algumas das razões para as filmagens na cidade.
“O Projeto Roliúde Nordestina trilha outros caminhos, persegue, sobretudo, as ideias que permitam a concretização permanente de produções nos países do Terceiro Mundo”, esclareceu Leal sobre as especificidades do projeto, que muito se diferencia de um Film Commissions, nos moldes existentes em Paulínia, no interior de São Paulo.
Um povo que participa
Conversamos com alguns moradores da cidade e eles nos disseram ficar extremamente felizes quando chegam turistas ou equipes de filmagem. Os “forasteiros” tornam a vida dessa gente menos pacata, dando uma “rebulida” no cotidiano de Cabaceiras. Uma dessas moradoras é Maria do Socorro Araújo Barros, uma viúva alegre, de 68 anos. Ela nasceu e sempre viveu em Cabaceiras, e saiu uma única vez, para visitar Campina Grande, cidade que não gostou. Maria se diz feliz com a cidade e espera ansiosamente a festa do Bode Rei para dançar. Como figurante, ela já participou de algumas produções filmadas na cidade, mas disse que gosta mesmo é da festa do Bode Rei, por causa das músicas.
“Adoro dançar. Quando fiquei viúva, passei a dançar só, pois meu marido não deixava eu dançar com ninguém que não fosse ele. Como ele não sabia dançar, eu tinha de ficar olhando os outros dançarem. Hoje, mesmo dançando sozinha, eu gosto muito. Esqueço de tudo, inclusive da vida”, disse, sorrindo. Parece que gostar de dançar é coisa de família, pois a mãe “morreu dançando”. Segundo nos revelou Maria, há dois anos sua mãe dançou os três dias na festa do Bode Rei e só parou para descansar e comer alguma coisa. A festa acabou e a mãe caiu adoentada, vindo a falecer 12 dias depois. “Eu fiquei preocupada com o esforço dela dançando, mas como estava muito feliz, deixei pra lá. Mas, acho que ela morreu por causa desse esforço”, disse.
Comemos uma deliciosa carne de bode e tomamos a conhecida bebida “Xixi de Cabrita”, um saboroso licor. Vimos à apresentação da quadrilha junina das crianças e fomos andar pela cidade. Quando o sol estava se derramando, tivemos de seguir viagem para João Pessoa. Não podemos ver o lindo “Luar do Sertão”, com sua noite estrelada e fria, da cidade de Cabaceiras, a “Roliúde Nordestina”.
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