O carpinteiro-poeta

Carlos Nejar, que nasceu Luis Carlos Verzoni Nejar, advoga a palavra. Ficcionista, professor, tradutor e poeta nascido em Porto Alegre (RS), em 1939, ele foi eleito, em 1988, membro da Academia Brasileira de Letras. Carlos Nejar é um fardão sem farda, suas vestes são cozidas a sonho.

Escreveu Léo Gilson Ribeiro no prefácio de Antologia: “Nejar em árabe quer dizer carpinteiro e Carlos tem sido o carpinteiro de magníficos poemas ao longo de trinta e cinco anos – uma vida adulta inteira de fidelidade à poesia”.

Descobri que amar os poetas não se alinha com suas particularidades e desavenças. Prefiro sua vida na palavra. Nejar fulgura entre os grandes nomes da literatura, da poesia, e ungido pela loucura das palavras derrama seu sonho e sua poética vestida de cores múltiplas, tecendo seu verso até mesmo em sua prosa farta – caso de Rio Pampa: O Moinho das Tribulações (2006).

O poeta é desconcertante ao conjugar uma semântica diversa e criar na teia linguística e nas inversões sintáticas uma multiplicidade de incêndios nas palavras que elege e nos deixa pendurados ao sabor de sua malha poética no mundo do sonho que é preciso no viver.

Ordenações, 1970

“Não contratei com a vida

o que ela me liga

é uma fúria aprendida

mas que gosta de ventar em mim…”

Como nos apontou Manoel de Barros em seus poemas, ele faz a palavra delirar, cheia de contrassentidos tendo mais sentidos.

“Os homens eram de treva,

fizeram-se escravos dela.

Os homens eram remotos

no grande túnel de pedra. (…)

Floração ali não medra.

Tudo o que nasce é de pedra.

O tempo nasceu do homem,

Mas o homem não é pedra (…)

 

Os homens donde vieram

com seu destino de pedra?” (…)

(http://bit.ly/NIfBMQ)

E ainda em seus delírios avança com poema para Teotônio Banqueiro em Os Viventes:

“Amortizei a morte/e as promissórias foram/ trocadas como ameixas/ou pêssego insones./E compensei a infância/penosa tantas vezes./Comi a  própria fome/extrai dela os meses…” (2005)

Penso que no romance Rio Pampa, Nejar ultrapassa todas as barreiras de um ficcionista ao alargar as fronteiras do modelo (do romance). Aqui, temos a história de uma família como mote – suas atribulações no trajeto de vida –, a desculpa para o verso que tange de ponta a ponta, tendo o homem e seu existir diante da terra da água como foco e à mediada que faz propondo a investigação da palavra em suas vísceras, como que querendo ir além dela. Veja:

“(…) – As águas afundam e as imagens flutuam.

Não sei o motivo…

As águas do rio vão para o fundo, e as imagens que nascem de nossa vista, ou a imaginação, ou de nossos sonhos deslizam por cima das águas…

As imagens nos contemplam da mesma maneira. De dentro. Tem cor, aroma.

– Mãe, como se chama o que faz parar um navio?

– Âncora.

– Pois as palavras são nossas âncoras, não?

– Sim, também somos as palavras.

Sua memória é a nossa…” (2006)

*É paraibano, mestre e doutor pela ECA-USP. Professor de Teoria Literária na Anhembi-Morumbi, professor colaborador da ECA-USP, Fundação Escola de Sociologia e Política-FESP, além de contista e poeta com livros publicados (paulo@brasileiros.com.br).


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