Comecei a fazer cinema por acaso. Estava chegando de Paris no aeroporto do Rio de Janeiro com Gustavo, meu ex-marido, e ali mesmo conheci toda a galera do Cinema Novo, que estava lá para buscá-lo. Um segundo depois, Gustavo me disse que Walter Lima Jr. tinha me convidado para fazer o seu filme Menino de Engenho, no papel de uma prima carioca que sai do Rio para a Paraíba e se hospeda no engenho da família de José Lins do Rego.

Fiquei me perguntando o por quê de eu nunca tinha pensado em ser atriz. Então, fui à casa dos meus pais com Gustavo e ficamos discutindo o convite. Cheguei à conclusão de que faria o filme. Seria uma experiência completamente nova: conhecer gente, lugares e, sobretudo, uma possível profissão.

Do Cinema Novo, tinha visto alguns filmes de Glauber, Nelson Pereira do Santos, Paulo Cezar Saraceni, Rogério Sganzerla e Julio Bressane, na Cinemateca, em Paris. Quando cheguei ao Rio, passei a ver tudo o que era filme brasileiro e me apaixonei por ele. Adorava também a Nouvelle Vague, Woody Allen e tudo o que era moderno na década de 1960.

Meus pais ficaram meio chocados pelo fato de terem uma filha atriz, o que não estava nos planos. Papai perguntou se eu “pretendia ser uma Norma Bengell”. Respondi que era tudo o que eu queria na vida, ser linda e boa atriz como ela.

Embarquei para João Pessoa. Segundo Walter, eu ficaria na Paraíba por uma semana – meu papel não era grande. Não conhecia nada do Brasil e fiquei extasiada com aquelas praias do Nordeste, o povo com seu sotaque e histórias do folclore nordestino que os figurantes do filme contavam para a gente.

Conheci a atriz Anecy Rocha, irmã de Glauber, que se tornou minha amiga. Ela me falava de Caetano Veloso e Maria Bethânia, de quem eu nunca tinha ouvido falar. Passávamos as noites tocando violão em frente ao rio debaixo do luar. Era uma coisa de sonho. E o melhor de tudo era conviver com uma equipe de trabalho. Gente de toda espécie e cultura em uma mesa de almoço enorme. Era uma experiência maravilhosa, o máximo, ouvir os “causos”.

Ficar no engenho onde tinha morado José Lins do Rego foi um privilégio. Olhava a cachaça sendo feita no alambique, a horta sendo plantada e as vacas dando de mamar aos bezerros e isso me dava uma alegria diferente da que eu sentia nas grandes cidades. Mas aí, um dia, Walter chegou para a gente com uma cara esquisita e disse que tinha de parar de filmar até conseguir mais dinheiro para acabar o filme. Ou seja, “captar recursos” – expressão enlouquecedora que nos deixa sempre em dúvida se vamos conseguir ou não. Eu tenho um filme que está inscrito desde 2004 e até agora continuamos captando.

Contei tudo isso a Gustavo, por carta, dizendo que ficaria no engenho algum tempo. Ele falou que eu devia agradecer a Deus por causa dos cem cruzeiros que Walter tinha me dado para começar a filmar – coisa que pouca gente recebia. Cem cruzeiros!

E acho que piorou muito. Para o cinema, está cada vez mais difícil conseguir recursos, a não ser que seja “o cara” da televisão. Que me desculpe o Pedro Bial, escritor maravilhoso e grande poeta, mas os cineastas brasileiros foram e são até hoje, realmente, os verdadeiros heróis.


*É atriz, atuou em mais de 50 filmes, 15 telenovelas e minisséries, além de peças de teatro. Também é cronista do Jornal do Brasil e autora do livro O Quebra-Cabeças (Imprensa Oficial, 2005), uma compilação de crônicas publicadas pelo jornal.


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