Acordei atrasada. Era um sábado. Nos dias de semana eu também acordo atrasada, não é desculpa. O sol brilhava, o ar estava poluído e eu estava acabada. Acabada de insônia e de cansaço, acabada da metrópole e de morar no Centro de São Paulo. Fiz um chazinho, tomei um iogurtinho e parti para minha missão do dia: uma aula especial para celebrar o Dia do Sexo, que seria em três dias. Me perguntei se a data foi escolhida por ser 6/9 e se seria como o Dia do Trabalho, onde ninguém trabalha. Será que é para fazer sexo no dia do sexo ou é feriado? Achei melhor me preocupar em achar um táxi – e rápido. Subi desembestadamente a Rua Augusta. Quem disse que existe táxi na Augusta em um sábado de manhã? Quase na Paulista, um moço parou. Ufa.
E lá fui eu para a Escola do Feminino, um lugar que investiga as tradições femininas de maneira profunda e libertadora, ajudando a reconstruir autoestimas minadas, liberar sexualidade travada, sair da submissão. Auxilia a mulher a gerenciar sua energia, sentir-se segura e sensual, saudável e bela, e, o mais interessante, a escolher seu parceiro, dizer não e libertar-se do estereótipo e do “véu” que cobre boa parte das mulheres há sei lá quantos mil anos. A escola está há 10 anos no Brasil e se baseia em ensinamentos de sacerdotisas russas, da Sibéria. (Também estranhei, mas aos poucos faz sentido.) Lá, se estuda o arquétipo feminino, como pude notar assim que adentrei o apartamento nos Jardins onde seria ministrada aquela aula. O clima era outro, a aura era completamente feminina. Eu suava da correria e do atraso. Logo na entrada, senti que ali a calma reinava e por ela me deixei levar com o chazinho que me foi oferecido. Em uma salinha, a instrutora de ioga, Juliana Camargo, dava início ao que seria um dos mais interessantes (e doloridos, em um futuro próximo) dias da minha vida. Quatro alunas, já frequentadoras da escola, estiravam-se no chão se preparando para a ioga, que neste dia seria destinada a casais, para a prática com o parceiro. Elas eram quatro, eu queria participar (qual a graça de ficar olhando?) e a instrutora Juliana foi meu par. Graças aos meus oito anos de balé (ninguém diz) sou muito flexível; Juliana não perdoou e me torceu para todos os lados, meu dedão do pé encostou em lugares nunca dantes navegados (tipo meio metro atrás da minha cabeça com a outra perna dobrada na frente, também no ar – não existe maneira de explicar) e fui me deixando levar. Acho até que não fui tão mal para alguém que jamais esteve em uma aula de ioga nesta vida. Talvez ela discorde. Mas foi muito agradável. As práticas do dia seriam: ioga tântrica, princípios de danças sensuais, alimentação, massagem tântrica e massagem de Nefertiti, além do sensacional Kata da Gata. E muita, muita conversa.
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A conversa foi tanta que eu sinceramente sugiro às mulheres interessadas para conferir ao vivo, pois a palavra falada é uma coisa e a escrita pode dar margens a diferentes interpretações. Pode soar radical, dissimulado, absurdo. Mas quando você está lá e escuta, por exemplo, sobre alimentação e sobre como nos intoxicamos, é um tanto chocante. Para mim. E conflitante. Quando sabemos o que acontece dentro do corpo, quando não cuidamos direito dele, vários processos de desequilíbrio, tanto mentais quanto físicos, passam a fazer sentido. Os mentais são os mais impressionantes. “Imagine o corpo como um cubo de gelo intoxicado: evaporam pensamentos negativos e viciosos”, diz Juliana. Explica muita coisa. Muita coisa em mim, muita coisa no mundo inteiro.
Na filosofia apresentada na Escola, diz-se para respeitar a vontade do corpo como a de uma criança; comer quando tem fome e não se obrigar a comer sem fome. Elas sugerem que sejam ingeridos apenas chás e sucos pela manhã. Que frutas sejam ingeridas antes do almoço (nunca misturando as doces com as ácidas), não combinar proteínas com carboidratos nem bebidas com a comida. Frutas secas também são bem-vindas durante o dia. O ideal seria comer até o pôr-do-sol apenas. É radical, mas fast-food também não é?
Calma, nem tudo está perdido: existem maneiras de purificar o corpo. Mas não são nada fáceis. Como disse, pode soar muito radical, mas quando temos noção do que há de pútrido dentro de nós a hesitação se transforma em curiosidade: como se livrar de tudo isso? Prepare-se, viu. Existem maneiras de limpar o reto, existem maneiras de ingerir certas substâncias que não citarei aqui para que ninguém tente em casa e passe mal para excretar o há de nocivo. É um processo longo, ainda mais para nós comedores de almoços rápidos e cheios de toxinas, conservantes e sabe-se mais lá o quê. Melhor consultar um especialista – e lá elas são perfeitas para isso.
Após algum tempo de conversa, chegou a hora de dançar. Adoro dançar. Mas em outra pegada e outro ambiente; nunca dancei em uma sala com outras mulheres a fim de liberar energias presas. Até porque minha energia não é exatamente presa, talvez seja até excessivamente desgarrada. Mas fechei os olhos e, mais uma vez, me deixei levar. Como se estivesse no palco.
Posso usar a palavra mágico sem soar completamente piegas e fora de contexto? Pois foi exatamente isso, uma espécie de transe. Incrível e libertador – olha que eu, como disse, não preciso exatamente ser libertada. Ou acho que não preciso. Todos achamos demais.
A parte mais interessante e agradável, além de ouvir os relatos das outras mulheres, tão diferentes entre si e de mim, cada uma buscando sua maneira de conviver neste mundo, de não endurecer e se tornar masculina demais, mantendo um equilíbrio, foi a massagem de Nerfertiti, uma prática milenar que rainhas faziam invocando as deusas a fim de elevar o espírito e remover bloqueios. A massagem é feita com mel, açúcar e leite e sugere-se que seja feita toda sexta-feira à noite. Do baixo ventre ao rosto, usa-se o mel para afastar as qualidades negativas, o açúcar para remover “pegadas” emocionais e o leite para limpar e rejuvenescer.
Toneladas a menos. Pele boa. Alimentação super funcionando. Uau!
E chegamos ao auge: o Kata da Gata. Kata (pronuncia-se katá, como no caratê) é uma coreografia que representa uma sequência de movimentos, ataque e defesa em uma luta imaginária. A luta imaginária, neste caso, é uma espécie de libertação dos tentáculos e amarras de relacionamentos antigos. Tentáculos? Pois é, imagine que cada relacionamento que você teve deixou tentáculos seus grudados no outro. Imagine quantos tentáculos colecionamos ao longo da vida. O Kata da Gata serve para cortar esses tentáculos emocionais. Fiz. Tenho feito. Continuarei fazendo. Muitos tentáculos para cortar, alguns mais resistentes do que o adamantium do Wolverine.
E acabou nosso dia. Voltei para casa conflitando: minha vida é praticamente o oposto disso. Desequilíbrio e dancinhas de “um passo para frente e dois para trás”. Estou conflitando até este momento. Você, moça, se estivesse lá, provavelmente também conflitaria. Mas eu vou atrás do que é bom. Chega. Kata da Gata na vida.
E o Dia do Sexo? Olha, quase não consegui praticá-lo em si. Ociosa que sou, imagina o que um dia mexendo o corpo e remexendo na cabeça me causou? Ioga? Quase não andei, penava de dores nas pernas. E mal posso esperar para fazer de novo.
*A gaúcha Clarah Averbuck, 31 anos, é escritora, autora de Máquina de Pinball (editora Conrad) e Vida de Gato (editora Planeta), entre outros. Também é vocalista da banda Clarah Averbuck and the Oneyedcats.
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