“O dia em que Hebe me deu dois selinhos”

No dia em que entrevistei Hebe Camargo pela primeira e única vez, quebrei boa parte das regras que o bom jornalismo ensina. E não me arrependo. Explica-se: desde a minha infância, no interior de Pernambuco, assistia aos programas da primeira-dama da TV brasileira. Tenho CDs, DVDs e o livro A Noite da Madrinha, de Sergio Miceli. Antes fã, passei a me interessar por Hebe como fenômeno de mídia, quando comecei a cobrir cultura. Mais que um repórter, que deveria estar distanciado da pauta naquele momento, eu era um fã. Secretamente, mantive essa informação. Afinal, depois de semanas negociando, havia conseguido uma entrevista com um de meus ídolos.

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Ao chegar à casa dela, com antecedência, me vi ansioso. Além do bloquinho e do gravador, estava munido de livro e CD – queria pedir um autógrafo (mais uma infração jornalística). Hebe estava no andar de cima, arrumando-se. Fiquei na solidão daquela sala gigante, cheia de tapetes e cristais. Pedi à empregada para me levar ao lavabo que, claro, poderia render um bom detalhe da pauta. Foi lá que me deparei, na pia, com vários ovos Fabergé ali dispostos. Não era apenas nas joias que Hebe esbanjava.

Voltei para a sala. No sofá, uma almofada, que depois descobri ter sido presente da arquiteta Bya Barros, com os dizeres: “Existe um mundo melhor, mas é caríssimo!”. Em um outro assento, duas bonecas em forma de bebê. Ri e me contive em questão de segundos, quando, descendo as escadas surgiu, séria, Hebe Camargo. Cumprimentou-me com um aperto de mão. Usava uma blusa que lembrava uma bata indiana, um anel de pérola gigantesco na mão direita. Nas orelhas, brincos com esferas de brilhantes penduradas. Um colar de prata com uma figa, uma pulseira de brilhantes no braço esquerdo. Estava até discreta para o modo como era vista na TV.

Resolveu me mostrar a casa, localizada no bairro do Morumbi, em São Paulo, é dividida em três pavimentos. A casa propriamente dita, outra com biblioteca e espaço para descanso, e um terceiro espaço, onde há uma televisão gigantesca, operada por um controle remoto, que ordena também a climatização e a música ambiente que preenche todos os espaços da mansão. Sentamos à beira da piscina e Hebe logo disse: “Às vezes, me pego brincando como uma adolescente aqui”. Olhou o gravador digital e perguntou como funcionava.

Na ocasião da entrevista, Hebe completava 80 anos. Falou sobre a efeméride, que coincidia com o Dia Internacional da Mulher, e negou o rótulo de feminista. “Eu me considero livre. Achava besteira aquelas mulheres queimarem sutiã. Sempre corri atrás dos meus sonhos e nunca precisei rasgar nada.” Sem fugir das perguntas, comentou sobre tudo o que foi questionada: de Suzane Von Richthofen – “Chamo de assassina quantas vezes for preciso!” – à política. “Engraçado, já tenho direito a não votar, mas adoro colocar meu dedinho no nome do candidato.”

Entre uma pergunta e outra, partilhava segredos da vida. Naquela tarde, estava preocupada com Chamboca, galinha guiné mordida por um dos cachorros da casa. Estava na UTI veterinária. Em casa, havia vários tipos de pássaros, com os quais posou para fotos. As meninas dos olhos, no entanto, eram as galinhas Chimbica e Chamboca, a ponto de a loira preservar os ovos postos por elas e marcar nas cascas deles o dia em que foram postos. “Não tenho coragem de comer.”

Hebe começou a carreira como cantora, influenciada principalmente pelo pai, que era músico. Ao se lembrar dele, não segurou a emoção. “Acordava todos os dias com o som do violino que ele tocava.” Exatamente por isso, chegou a formar uma dupla sertaneja com a irmã – Rosalinda e Florisbela. Encontrou-se mesmo na televisão e garantia que conhecia muitos fãs de cara. “Tenho até ex-fã! Outro dia, um rapaz ficou bravo porque pedi para ele trocar de lugar na plateia. Como todos sempre sentavam no mesmo lugar, pedimos para trocarem para não parecer que era sempre o mesmo público. Ele se ofendeu e nunca mais foi.”

Cheia de vitalidade, Hebe confessou que sentia falta de namorar. “Os homens ficam inseguros perto de mim.” Mas compensava a carência nos selinhos. “Uma vez o Victor Fasano me tascou um beijaço! Até hoje penso em convidá-lo a ir ao programa de novo!”  Silvio Santos só escapou porque foi firme: “Ele nunca me deu bola! E olha que, quando jovem, eu era muito bonita”, brincou.

Entre as histórias divertidas, contou o dia em que procurou o dono da casa ao lado porque a inquilina, incomodada com as festas, mandava a polícia bater em sua porta. Resultado: comprou o imóvel e deu para o filho, Marcelo. As celebrações seguiram. “Vou contar uma coisa: poucos me acompanham na manguaça! Misturo bebidas e continuo ótima. No dia seguinte, acordo sem dor de cabeça e sem ressaca.”

Na hora das fotos, Hebe posou com corações de cristal – outra de suas paixões – e me puxou para posar com a almofada com mensagens engraçadas. Naquele momento, puxou-me e deu-me um selinho. Olhei, surpreso, para o fotógrafo e perguntei: “Pegou?”. Ele havia perdido o clique. Sem se fazer de rogada, Hebe me deu um segundo beijo na boca. Está aí mais uma regra jornalística quebrada: não se beija o entrevistado na boca.

Antes de ir embora, Hebe autografou meu CD e livro e me deu um presente: uma caixa de música com pães de mel dentro. Até hoje, o adereço enfeita a estante da minha casa. E não me arrependo nem um pouco de ter aceitado o mimo. Afinal, não é todo dia que se encontra um ídolo. E muito menos se beija na boca dele. Para mim, Hebe vai estar sempre viva em minha memória.

<i>*Fernando Oliveira é colunista do portal IG</i>


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