O dilema de um crescimento em ritmo chinês

A crise econômica mundial, agravada a partir do segundo semestre de 2008, foi menos penosa para o Brasil que para muitos outros países. Isso não é novidade e tem sido argumento recorrente dos discursos políticos. Acompanhamos, desde o início, as várias iniciativas do governo para evitar que a crise tivesse efeitos mais nefastos sobre a economia brasileira. Elas passaram pelos cofres públicos, via redução de impostos e aumento de gastos e pelo crédito, com ação decisiva dos bancos federais.

Em abril de 2009, quando as notícias de quedas dramáticas na produção industrial começavam a deixar as perspectivas de crescimento bastante pessimistas, o governo anunciou uma série de medidas de estímulo à atividade econômica. A construção foi um dos setores escolhidos para combater a forte recessão que parecia se anunciar.

As medidas anticíclicas adotadas conseguiram tirar o País da rota de crise. A queda do PIB em 0,20% foi suave, face aos resultados fortemente negativos do resto do mundo. Olhando os números mais de perto, percebemos que as políticas de suporte à economia produziram os efeitos esperados no final de 2009. No quarto trimestre do ano, o PIB cresceu 2% em comparação ao terceiro trimestre, já fazendo o ajuste sazonal. O resultado deveu-se especialmente à recuperação do investimento, que registrou elevação de 6,6% e do consumo das famílias, de 1,9%.

E são esses os dois pilares do crescimento em 2010. Nos primeiros meses do ano, os sinais inequívocos são de que investimento e consumo das famílias continuam em alta, puxando para cima as projeções para o desempenho do ano. Muitas estimativas divulgadas em abril apontam para um PIB mais que 6% superior ao de 2009.

No consumo das famílias, aparecem os efeitos da feliz conjunção de retomada do emprego, aumento da renda e expansão do crédito. As estrelas em cartaz são as novas classes médias em ascensão, inseridas em mercados de consumo nunca antes acessíveis. Notícia das mais favoráveis? Sim, não fosse a dúvida a respeito da capacidade da economia em produzir todos os bens que as pessoas estão querendo comprar. Vários indicadores dão conta de que a produção já está “bombando”: emprego, utilização da capacidade instalada, etc.

E aí começa outro tipo de problema. A inflação tende a subir com a prosperidade. Assim, na medida em que sobem as projeções de crescimento do PIB, cresce também a certeza de mudança na política de juros. O Brasil adotou, desde 1999, o regime de metas de inflação para fazer a política monetária. Nesse sistema, o Banco Central tem o compromisso de manter a inflação dentro da meta estipulada e o faz como tarefa prioritária. Por mais que seja impopular, deve-se ter em mente que essa estabilidade da economia tem sido ingrediente fundamental para o crescimento econômico, por impedir que a inflação corroa a renda dos trabalhadores, permitir que as empresas se programem em um horizonte mais longo de tempo, aumentar a credibilidade da política econômica e atrair investimentos.

Dentro desse sistema, o Comitê de Política Monetária do Banco Central elevou a taxa de juros em 0,75 ponto percentual em sua reunião no final de abril.

Então, podemos acreditar que acabou a fase de bonança? Não, absolutamente. Os ingredientes do crescimento econômico de 2010 continuam em ação. Não se trata de abortar o crescimento, apenas de diminuir o ritmo, temporariamente.

Não vamos entrar aqui na discussão de qual seria uma taxa de crescimento sustentável para o PIB e nem qual é o produto potencial do país – o volume de produção máximo possível, caso toda a capacidade produtiva seja utilizada. Essa é a polêmica do momento entre diferentes grupos de economistas, envolve projeções sofisticadas e não tem uma resposta única. O fato é que a economia está crescendo e os preços também. E o aperto na política monetária surte o efeito que se espera dele em torno de seis meses após ter ocorrido.

Para que o País não fique condenado a por o pé no freio sempre que taxas chinesas apareçam, é preciso enfrentar algumas tarefas. Por isso, o aumento do investimento torna-se mais do que nunca um elemento fundamental para reduzir as pressões resultantes da expansão do consumo. O problema é que os investimentos levam algum tempo para se concretizar e, mesmo crescendo em ritmo acelerado, eles ainda estão abaixo de nossas necessidades. Em 2009, o volume de investimento representou apenas 16,5% do PIB. Para que o País possa crescer de forma sustentada em taxas superiores a 4,5%, esse percentual deveria chegar a, pelo menos, 24% do PIB.

Precisamos de estabilidade para planejar, não podemos deixar a inflação ganhar força, mas é urgente um aumento permanente de investimentos. Se o governo deve elevar as taxas de juros para reduzir o ritmo do consumo, deve, também, ter cautela para que esse aumento não tenha reflexos negativos sobre os investimentos. O setor da construção é, sabidamente, um puxador de crescimento para a economia inteira. Nesse contexto, ganham importância crescente os programas promovidos pelo Estado. Em abril, o governo anunciou o Plano de Aceleração do Crescimento 2 (PAC) para os próximos anos, 2011 a 2014. O anúncio veio em hora certa, pois sinaliza a continuidade do programa de investimentos em infraestrutura.

O que foi divulgado ainda é muito pouco em termos de comprometimento do governo. Porém, representa a afirmação de um modelo de crescimento no qual o setor da construção possui um papel preponderante. Os impactos previstos deverão ser expressivos: estimativas da FGV (Fundação Getúlio Vargas) mostraram que um fluxo de investimento de R$ 137,2 bilhões/ano em construção – volume estimado para o programa – dá origem a um total de 2,83 milhões de empregos na economia, sendo 1,94 milhão no próprio setor. Esses recursos irão gerar, ainda, um montante de renda adicional de R$ 124 bilhões na economia.

O Programa “Minha Casa, Minha Vida 2” é um dos cinco eixos do novo PAC. Tem como meta a construção de mais 2 milhões de habitações populares e representará 29% do total de investimentos para o período 2011-2014, o que significará R$ 69,5 bilhões entre recursos para financiamento e subsídios. Será a continuidade de um ousado compromisso social com o fim do déficit habitacional. Mas, de imediato, esses novos recursos representarão mais demanda por materiais e mão de obra.

Boas e más notícias digeridas, não podemos nos esquecer de que as contradições estão no cerne da condução da política econômica, em qualquer circunstância. Elevar os juros pode ter um custo político elevado, mas ceder à tentação de deixar a economia se aquecer cada vez mais e comprometer as conquistas de anos de disciplina pode ter um custo ainda maior, para o próximo governo – seja qual for – e para toda a sociedade. Os programas de estímulo ao investimento serão sempre uma resposta acertada.

*Economista, coordenadora de projetos da FGV/IBRE
**Economista, professora do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo


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