Pequenos volumes bicolores estão gradualmente se incrustando no inconsciente das livrarias, por assim dizer. E não são best-sellers, tomos de autoajuda, espiritismo ou romances da moda, mas livros de psicanálise, que compõem a coleção Clínica Psicanalítica. O feito surpreende, mas se explica: além de atingir estudantes e profissionais do ramo, a coleção também desperta interesse em leitores leigos. “A gente viu que a coleção começou a circular em todos os extratos. Foi algo surpreendente. O segundo lançamento, Pisicossomática, de Rubens Marcelo Volich, já está na nona edição, o que é excepcional.”
Quem conta é Flávio Carvalho Ferraz, responsável pela empreitada. Com entusiasmo, ele consegue achar tempo, para editar, sozinho, cada um dos 76 livros já lançados. “Virei editor sem querer, no susto. O engraçado é que eu não sabia nada, mas depois de tantos anos aprendi e sou chato, pois sou muito minucioso. Cuido de todas as etapas, inclusive da revisão, bibliografia, texto da orelha, capa, etc.”
Psicanalista dos mais requisitados, Ferraz acredita que parte do sucesso da coleção – além da maior distribuição, depois da associação da Casa do Psicólogo com a Pierson –, vem de um interesse crescente pelo assunto: “A psicanálise saiu da sociedade fechada em que estava, feita para a elite, e, a partir do início dos anos 1980, passou a ser estudada nas universidades, onde não tinha lugar. Além disso, houve um aumento do número de consultórios e, principalmente, da presença do psicanalista nas instituições públicas, nos CAPES e nos postos de saúde. Sofrimento psíquico não é coisa de rico, não. Você pode botar serviço de atendimento público que não vai faltar candidato”.
Perversão, do próprio Ferraz, é o primeiro livro da coleção, lançado em 2000. “Era um trabalho de pós-doutorado, na PUC, um caso raro de um paciente. Ficou muito grande para ser um artigo e muito pequeno para um livro normal. Falando com o pessoal da Casa do Psicólogo, pensamos em uma série que começasse com esse livro. A proposta era apresentar os temas de maneira sucinta, mas não simplificada. De forma que pudesse ser usada na graduação, pós-graduação e formação psicanalítica.
Fizemos uns 12, 15 livros com temas mais clássicos. A coleção seria inicialmente desse tamanho. Mas foi crescendo. À medida que foram se esgotando as categorias psicopatológicas, começaram a aparecer as expansões da clínica: psicoterapia breve, a escuta psicanalítica dentro das emergências psiquiátricas, a psicoterapia do casal, as consultas terapêuticas, que são uma modalidade winnicotiana, e por aí vai.”
Com simpatia natural e uma tranquilidade de quem passou, ele mesmo, por muitas sessões de análise, até como parte de sua formação, Ferraz explica que “o trabalho maior não é editar, mas saber o que acontece de melhor nos estudos de psicopatologia no Brasil, fazer uma curadoria”. E complementa: “Gosto muito quando descubro trabalhos fora do eixo Rio-São Paulo. Em Belo Horizonte, por exemplo, uma professora da psicologia (Cassandra Pereira França) desenvolveu um serviço de atendimento a disfunções sexuais. Então, convidei-a para produzir um livro com esse assunto”.
Muitos dos livros da coleção surgem de trabalhos como esse. “Se eu sei que na UERJ há um grupo estudando a hiperatividade com abordagem psicanalítica, não neurológica, vou atrás. Em Recife, por exemplo, tem um grupo de excelência que trabalha com a psicanálise do autismo, que é o PPL, e as duas diretoras de lá (Ana Elisabeth Cavalcanti e Paulina Schmidt Bauer Rocha) produziram nosso tomo a respeito. E o livro chamado Estresse (de Maria Auxiliadora de Almeida Arantes e Maria José Femenias Vieira) surgiu de um curso no Instituto Sedes Sapientiae. Eu faço essa caça, mas hoje está mais tranquilo, pois as pessoas já conhecem a coleção e vêm muito a mim.”
Lançamentos anteriores, como Tatuagem e Marcas Corporais, Transtornos Alimentares, Tortura e Transexualismo, e os mais recentes mostram que a coleção está bastante antenada com os tempos atuais. Dos últimos, “esse Crítica à Normalização da Psicanálise, de Mara Caffé, é um primor e tem interessado bastante aos psicanalistas que já entraram em contato com o livro. O Acontecimento e Linguagem, de Alcimar de Freitas, que fala do que muda no sujeito com a aceleração dos ritmos na contemporaneidade, é outro”.
Ferraz diz que a coleção, com preços acessíveis, em formato de bolso e e-book, deve chegar ao número 100. Se estivesse vivo, talvez Freud abrisse um raro sorriso.
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