Dois anos atrás,?durante a posse de Juca Ferreira como ministro da Cultura – assumindo o posto comandado por Gilberto Gil ao longo de quase seis anos -, o presidente Lula comentou que a escolha do então secretário executivo da pasta para ser o novo ministro tinha sido uma coisa natural. “Eu observava que, cada vez que Gil viajava, seja a serviço ou para fazer seus shows Brasil e mundo afora, o Ministério continuava funcionando direitinho, sem problemas. Quando o Gil me pediu para sair, chamei exatamente o Juca, um camarada que já tomava conta da casa, para ser o ministro.” O comentário de Lula, feito durante um de seus já famosos e consagrados improvisos em discursos, refletia a realidade do Ministério da Cultura, onde o glamour de ter como ministro um dos artistas mais importantes do Brasil, era respaldado por um executivo que, mantendo sua baianidade intrínseca, exercia com eficiência o dia a dia e o desenvolvimento dos projetos imaginados pela dupla e por um staff multidisciplinar. “Gil era o outdoor, o aríete, o estandarte de um projeto cultural. Liderou os processos de enfrentamento com a inércia, com a manutenção do status quo, e eu tinha a tarefa de sistematizar esses processos. Gil plantou sementes de uma revolução nas políticas culturais brasileiras e agora estou colhendo os frutos dessa mesma agricultura”, afirma o ministro.

Exercendo alternadamente as funções de secretário executivo e ministro desde o começo do governo Lula, Juca acha que hoje, depois de quase oito anos de trabalho, os frutos da nova política cultural implantada no Brasil são cada vez mais perceptíveis. “Desde o começo, tinha-se a visão de dar prioridade às necessidades da população, de levar a cultura para todos”, lembra. Em um País com tantas desigualdades ainda existentes, parecia maluquice para muita gente. Afinal de contas, Cultura, com “C” maiúsculo, sempre foi vista como algo inerente às classes mais favorecidas, que tinham repertório e dinheiro para apreciar e usufruir o que era oferecido. “Nós desenvolvemos o conceito de política pública, estimulando o desenvolvimento da produção simbólica, o desenvolvimento de uma economia cultural forte”, afirma Juca. Nesse processo, ao longo de oito anos, uma das metas era eliminar o que ele chama de fronteiras entre cultura erudita e cultura popular: “Fruto da visão de parte da elite que não tem relação com o real”. E o real, para o ministro, é a singularidade cultural do Brasil, um País de múltiplas identidades. “Nós somos latino-americanos, temos metade da população afrodescendente, somos europeus, temos mais descendentes de libaneses que o Líbano, a maior colônia japonesa fora do Japão, 30 milhões de descendentes de italianos, temos alemães, eslavos. Todos integrados por um país generoso, que incorpora suas culturas para produzir uma mistura única no mundo. É essa nossa maior riqueza e que temos de cultivar”, afirma.

Planejamento e execução
Para concretizar os sonhos, compartilhados com o presidente Lula e Gilberto Gil, o ministério comandado pelo baiano de ternos bem cortados, compensados pelo brinco na orelha e pelas meias multicoloridas, desenvolveu, além de projetos, como a criação dos Pontos de Cultura – pequenos polos culturais que podem funcionar em qualquer lugar onde haja espaço para uma minibiblioteca, um computador ligado à internet e um simples equipamento multimídia – espalhados por todo o Brasil, programas-fomento que, nos próximos anos, vão mudar o perfil do País. O projeto que Juca considera o principal motor de uma revolução cultural é o Vale Cultura. Em fase final de aprovação no Congresso Nacional, prevê a distribuição, por cartão magnético, de R$ 60 mensais a 14 milhões de famílias de baixa renda para compra ou consumo de produtos culturais, como livros, revistas, entradas para cinema e teatro, etc. “Isso vai significar um volume de nada menos que R$ 7 bilhões por ano, injetados na economia por meio do consumo cultural. Isso é dinheiro em qualquer parte do mundo”, enfatiza Juca Ferreira.
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O projeto de democratização do acesso a produtos culturais tem outros itens planejados ou em execução. “Vamos quadruplicar o número de cinemas no País, por intermédio de um programa de financiamento de novas salas pelo BNDES. Queremos que a maior parte dessas salas seja construída nas periferias das grandes cidades e em cidades pequenas. Afinal de contas, mais da metade dos municípios do País não tem um único cinema”, comenta o ministro.

Outro programa, já implantado, foi a instalação de bibliotecas em todos os municípios do Brasil. “Hoje, não há mais nenhum município sem biblioteca”, comemora. O ministro mostra que todas essas medidas têm um efeito multiplicador e acredita que, com mais gente tendo condições de comprar livros, o preço deverá baixar cada vez mais. O governo já tinha isentado de impostos toda a cadeia de produção de livros e agora, com o aumento do número de consumidores, a velha lei da oferta e da procura deverá se impor.

O governo decidiu também modificar, por meio de um projeto encaminhado ao Congresso, a Lei Rouanet, que representa a captação de mais de 80% dos recursos do ministério – apenas 5% vêm do setor privado. A reformulação pretende não apenas facilitar a entrada de recursos privados como melhorar a distribuição do bolo, hoje restrito a alguns poucos produtores culturais – teatro, cinema, espetáculos, etc. – localizados principalmente no Sudeste.

Arrumada a casa, definidas as linhas de execução e implantação desse projeto que engloba nossa diversidade e patrimônio cultural, Juca, especialmente nos últimos 12 meses, quando ocupou a presidência do Conselho do Patrimônio da UNESCO, saiu pelo mundo, expondo êxitos de sua gestão e se aproximando de novas realidades culturais. “Fui escolhido para o posto por ser o ministro da Cultura de um País que começa a se destacar no mundo. E que é respeitado e reconhecido exatamente pela sua cultura.” Juca considera que, assim como no campo da política externa, o Brasil precisa ocupar espaços no cenário internacional. Nesse aspecto, ele destaca a participação, além da UNESCO, em ações pela diversidade cultural na Unasul, no Mercosul e na OEA. A questão da propriedade intelectual, na qual o Brasil está assumindo papel de destaque, é outro ponto que o ministro tem levado ao debate com seus interlocutores estrangeiros em mais de 20 viagens internacionais nos últimos dois anos.

Intercâmbio e ações globais
A Brasileiros acompanhou o ministro em uma de suas últimas viagens, desta vez a Cabo Verde, onde ele, em nome da UNESCO, entregou ao governo local o título de Patrimônio da Humanidade à Cidade Velha da Ribeira Grande, primeira construção ocidental feita na África (Ilha de Santiago, uma das nove que compõem o arquipélago de Cabo Verde) pelos portugueses em 1462. Juca destacou que o papel do Brasil foi fundamental para que a UNESCO aprovasse o título para Cidade Velha. Embora o estado de preservação do núcleo original da cidade necessite de muito trabalho de recuperação, a sua existência, em termos históricos, tanto para o Brasil, Portugal e para as nações africanas de língua portuguesa, é fundamental. “Não podemos nos esquecer de que Cabo Verde foi um ponto estratégico, tanto na expansão de Portugal pelo mundo quanto na formação do povo brasileiro, pois boa parte dos escravos que veio para o Brasil passou pelas ilhas”, comenta. Cabo Verde também representa uma nova fase nas relações internacionais do Ministério da Cultura. Além da solenidade, Juca e sua equipe – que incluía o presidente do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), Luiz Fernando de Almeida, o presidente da Fundação Palmares, Zulu Araújo, e o diretor de relações internacionais do MinC, Marcelo Dantas -, fecharam um acordo de Cooperação com Cabo Verde, com duração de dois anos, que definirá estudos e trabalhos em conjunto nas áreas de Patrimônio Cultural, Economia da Cultura, Museus, Audiovisual e Livro, Leitura e Literatura.

Para o ministro, que em julho assumiu a presidência rotativa do Mercosul Cultural – entidade que reúne os ministros da Cultura dos integrantes do bloco – o convênio assinado com Cabo Verde vai além da natural afinidade entre o Brasil e os países africanos, especialmente os de língua portuguesa. “Ele trata de questões concretas, indo, como disse a ministra de Cabo Verde, Fernanda Dantas: ‘Muito além da retórica’.”

Juca considera que o Brasil precisa desempenhar um papel mais ativo, dentro do que chama de um projeto de Nação para dentro e para fora. “Isso implica estudo de projetos, de empreendimentos e um papel central para a cultura brasileira”, afirma. Ele destaca que o Brasil pode ampliar a sua presença em todo o mundo, sem repetir os erros do colonialismo cultural que países do Norte cometeram ao longo dos séculos. “Não podemos usar a simpatia que o Brasil tem no mundo para sermos um novo imperialismo, mesmo mais simpático, impondo uma cultura e hábitos aos outros povos”, garante. Nessa diplomacia cultural, Juca garante que o Itamaraty é aliado e parceiro em todos os momentos. “Parece que o Brasil está na moda. Temos mais de 30 pedidos para a realização de Anos Internacionais do Brasil em outros países, já está confirmado o de Portugal em 2012”, comemora.

Sobre sua atuação como presidente do Comitê de Patrimônio da UNESCO, Juca Ferreira destaca o debate sobre as Ilhas Galápagos, que estavam ameaçadas de perder o título de Patrimônio da Humanidade. “Estive lá e vi o esforço que o governo do Equador tem feito para combater as ameaças à preservação das Galápagos e cumprindo os acordos determinados pela UNESCO. Mostrei isso na reunião do Comitê do Patrimônio Mundial da UNESCO, realizada no final de julho em Brasília, com a presença de 800 representantes de 187 países, e conseguimos, por ampla maioria, retirar as Galápagos da lista dos patrimônios ameaçados, reconhecendo o trabalho de recuperação e preservação que está sendo feito”, comemorou o ministro. Entre os problemas que afetavam e ameaçavam o meio ambiente das ilhas, além do turismo excessivo e predatório, da pesca sem controle e da superpopulação, alguns, aparentemente mais prosaicos, mas tão ou mais danosos, estão sendo enfrentados. As cabras, por exemplo, que ameaçavam devorar toda a vegetação das ilhas, estão sendo erradicadas. Outros problemas complicados incluem templos budistas na fronteira do Camboja e do Laos e mosteiros cristãos sérvios em território hoje do Kosovo, sem contar com Jerusalém. “Infelizmente, a Catedral de Bagrati e o Mosteiro de Gelati, na Geórgia, foram incluídos na lista dos patrimônios ameaçados. O comitê recomendou que obras de reconstrução em andamento fossem interrompidas para tentar preservar todo o sítio histórico”, comentou.

Subversão, exílio e ecologia
O envolvimento de Juca Ferreira com a política começou, na verdade, no dia 13 de dezembro de 1968, quando foi eleito presidente da UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas), a UNE dos colegiais.

Nessa data, de triste história que marca a decretação do AI-5 pelo governo militar, Juca, de liderança estudantil, foi logo “promovido” a subversivo. Militou na luta armada e teve de se exilar, primeiro no Chile e, com a queda de Salvador Allende e o início da ditadura de Augusto Pinochet, foi para a Suécia, onde viveu alguns anos, seguindo depois para a França, onde se formou em Sociologia pela Sorbonne.

Com a anistia, voltou ao Brasil, passando a trabalhar e a militar em organizações ambientalistas e de apoio a jovens em situação de risco. Filiou-se ao Partido Verde em 1988, e licenciou-se nesse mesmo ano para permanecer no governo Lula. Foi secretário do Meio Ambiente de Salvador no começo da década de 1990 e eleito duas vezes vereador na cidade.

Um dos poucos ministros que permanecerá no cargo até o final do governo, Juca, o homem “que mantinha a casa em ordem” nos tempos de Gilberto Gil, segue cumprindo a contento sua missão de tornar a cultura mais que um bem, uma necessidade para todos os brasileiros. E agora, aos 61 anos, terá um desafio extra: depois de Dandara, 24 anos, e Vicente, 9 anos, ele será pai pela terceira vez.

O Ministro da Cultura opina sobre o melhor e o pior de 2009

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