Desde o início das revoltas no mundo árabe, muitos temiam o poder das forças contra-revolucionárias. O Egito parece agora lhes dar razão.
Em poucos lances, toda esperança parece pronta a ser enterrada e o Egito volta a se parecer com o que era sob Mubarak.
Os militares, que nunca perderam o status de força preponderante na política Egípcia, voltam a comandar desde o centro do cenário, sem constrangimento. E volta o estado de emergência que vigorou por trinta anos sob Mubarak.
O próprio Mubarak se apronta para voltar à liberdade, enquanto são presas as lideranças da Irmandade Muçulmana, que volta a ser perseguida e violentamente reprimida.
E permanecem a pobreza e a desigualdade extremas, assim como não muda a estrutura autoritária do poder.
Houve, no entanto, e por um tempo, esperança. O regime de quatro décadas caiu rapidamente, pela mão das multidões que enchiam as ruas.
Essas mesmas multidões se insurgiram contra a tomada do poder por uma junta militar e mantiveram a pressão até que se realizassem eleições e assumisse um governo eleito.
A Irmandade Muçulmana, a força de oposição mais significativa ao regime anterior, a mais organizada, aquela com apoio popular mais amplo, venceu, por conta de tudo isso, eleições parlamentares e a presidencial. Mas governou mal. Não soube gerenciar os graves problemas econômicos e deu sinais demasiados de querer concentrar poder e determinar sozinha o desenho do novo Egito. Enquanto fazia isso, pareceu em alguns momentos vencer o braço de ferro que a opunha aos militares. Isso não durou.
As multidões voltaram as ruas e pediram a queda do presidente eleito, saído das fileiras da Irmandade. Elas talvez não tardem em se arrepender por terem festejado quando, pela boca de um general foi decretada a queda e foi dado o golpe.
Ao ler seu comunicado, o chefe das forças armadas estava cercado de representantes dos partidos e grupos que, em princípio, tinham ajudado a fazer a revolução. Estes, sabendo ou sem saber, legitimaram assim a volta dos militares ao comando das coisas, legitimaram a contra-revolução.
Isso talvez seja apenas um erro de quem não estava acostumado ao exercício da democracia.
Mas para além do erro de quem legitimou o golpe, está o fato de que as forças que estavam no poder com Mubarak não se desfizeram no ar e continuavam intensamente ativas.
E mais ainda: os vários atores, da região e de fora dela, profundamente interessados no papel que segundo eles deve desempenhar o Egito, também trabalharam intensamente para determinar ou influenciar as resultantes do processo de revolta popular e de reviravoltas políticas.
O resultado, por ora, é a volta do Egito ao que ele era antes, com algumas, talvez perigosas diferenças.
Agora a Irmandade já não opera na clandestinidade e, ao assumir o governo e depois, ao sair às ruas para reclamar o retorno à legitimidade conquistada nas urnas, revelou-se por completo. Tendo experimentado algo do poder, tenderá a não aceitar facilmente a derrota e talvez recorra à violência, especialmente na medida em que, exposta, sofre também brutal violência.
E o risco maior: o de que grupos radicais mais violentos, já em ação no Iraque, na Síria e em tantos outros lugares, venham transformar o Egito em mais um campo de batalha e, talvez, de guerra civil.
*Salem H. Nasser é Professor de Direito Internacional da Direito GV.
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