O espírito do rock

Trata-se de um dos melhores livros sobre o rock como produto cultural jamais concebido. Escrito a quatro mãos pelo próprio Bill Graham, o maior produtor de shows desse gênero, e pelo jornalista Robert Greenfield, responsável pela primorosa edição que se restringe a depoimentos, ou seja, sem qualquer comentário, “papo cabeça” ou avaliação, exceto aquelas emitidas pelos personagens, o livro lançado pela Editora Barracuda é a tradução de 2004, com prefácio de Pete Townshend, do The Who – Graham morreu aos 60 anos em 1991 em um acidente de helicóptero, juntamente com a namorada Melissa Gold e o amigo Steve “Killer” Kahn, que pilotava o aparelho.

E a vida que levou até inaugurar seu primeiro auditório, Fillmore West em San Francisco, 1966, já dava um excelente filme. Nascido Volodia Grajonca, judeu alemão de ascendência russa, o futuro Bill chegou aos Estados Unidos com dez anos de idade após perder os pais e separar-se das cinco irmãs em meio ao turbilhão nazista. Antes de ser adotado por uma família nova-iorquina do Bronx já havia passado pela Espanha, Portugal, Senegal, Marrocos e França. Foi um adolescente normal, dançou ao som das orquestras de Xavier Cugat e Count Basie, lutou na Guerra da Coréia, voltando condecorado, rodou os Estados Unidos e a Europa de carro, teve um caso com a amante do ministro da Fazenda do Irã, estudou interpretação com o próprio Lee Strasberg no Actors Studio e como garçom serviu nomes como Lee Marvin, David Niven e John Cassavetes. Que vida! E ainda faltam 400 páginas para se chegar ao acidente (o livro tem 576!).
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Ao organizar uma festa beneficente para a Mime Troup, companhia de teatro underground à qual pertencia o ator Peter Coyote, Graham percebeu que o futuro do entretenimento estava ali. Como alguém diz no livro, “estávamos em 1965 e os anos 1960 ainda não haviam começado”. De repente Bill tinha diante de si de um lado bandas novas como Grateful Dead, Jefferson Airplane e o Big Brother com Janis Joplin; figuras lendárias como Otis Redding, Chuck Berry e Muddy Waters que eram praticamente desconhecidas na Califórnia; os testes de ácido de Ken Kesey e os Merry Pranksters e a cultura envolvendo o LSD; para completar, da Inglaterra, vinham The Who, Rolling Stones, Cream, Jimi Hendrix e até Derek Taylor, assessor de imprensa dos Beatles e futuro diretor da Apple. Isso de um lado. Do outro havia apenas toda uma geração ávida, ÁVIDA, de novidades fora do sistema, fora de tudo. Seu trabalho foi “apenas” organizar a loucura – Bill era basicamente “careta”, as poucas vezes em que tomou LSD foram involuntárias (o livro conta quando os caras do Grateful Dead “envenenaram” as latas de refrigerante dele).

O livro vira uma montanha russa. Bill inauguraria ainda o Fillmore East em Nova York, palpitaria nos festivais de Monterrey, Woodstock, Altmont, seria descobridor e empresário de Santana, faria turnês com Bob Dylan, George Harrison, Rolling Stones, Led Zeppelin, Crosby, Stills, Nash & Young, organizaria o concerto do The Band para Martin Scorcese filmar e tornaria realidade iniciativas como a turnê da Anistia – que veio ao Brasil – o Live Aid, o primeiro concerto de rock em Moscou, e muitas e muitas outras coisas.

O leitor se sente na intimidade de um camarim ouvindo sobre as brigas entre Jagger e Richards, contadas pelo próprio Keith, ou sobre as baixarias envolvendo o Zepp (Led Zeppelin), nas palavras de pessoas, simpatizantes ou não de Bill, que estiveram lá, quando não brigaram junto. A gênese da cultura que domina as artes até os dias de hoje. É de dar taquicardia.


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