Ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, levado para o olho do furacão pelo presidente Lula há 15 meses, o jornalista Franklin Martins não é pouca coisa.
Nesse breve período, tornou-se um dos interlocutores mais freqüentes de Lula. Ao lado da ministra Dilma Rousseff, é hoje um homem de muitos poderes no Palácio do Planalto, que vão bem além de cuidar das relações do governo com a imprensa.
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Em seu gabinete no segundo andar do Palácio do Planalto, onde trabalhei nos dois primeiros anos do primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, ele me concedeu uma entrevista de hora e meia, em que falamos do atual momento do governo e dos rumos do País, das relações com a mídia e com a oposição.
Capixaba de Vitória, neto e bisneto de imigrantes portugueses, um dos nove filhos do jornalista e político Mário Martins, que ajudou a fundar a UDN e teve seu mandato de senador cassado pelo AI-5, Franklin Martins arrumou seu primeiro emprego em jornal como estagiário da Última Hora quando tinha apenas 15 anos.
Casado com a psicóloga clínica Ivanisa Titelroit, pai de três filhos, vai completar 60 anos em agosto. Quarenta anos atrás, ele iniciava sua militância política como presidente do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Em setembro de 1969, já na clandestinidade, integrou o grupo formado por militantes da Ação Libertadora Nacional e do Movimento Revolucionário 8 de Outubro, que seqüestrou o embaixador americano Charles Elbrick para obrigar o governo militar a soltar 15 presos políticos.
Exilado primeiro em Cuba, onde fez treinamento de guerrilha rural, de lá foi para o Chile e voltou para o Brasil, vivendo clandestinamente em São Paulo. No início de 1974, quando vários companheiros seus foram presos, partiu para novo exílio, desta vez na França, onde aproveitou para se formar na École de Hautes Études en Sciences Sociales, da Universidade de Paris.
Passou boa parte da sua carreira de jornalista no Jornal do Brasil e em O Globo, onde chegou a diretor da sucursal de Brasília. Ganhou fama como comentarista político da TV Globo, também ocupando o cargo de diretor da sucursal. Após sua saída, que foi bastante traumática para ele, teve uma breve passagem pela TV Bandeirantes e pelo iG, de onde saiu para trabalhar no governo.
Apesar dessa vida, que não pode ser chamada de monótona, Franklin Martins tem observado o mundo, do alto dos seus 2 metros de altura, com certa compreensão. E confessa que tem acordado com o “espírito de flor de laranjeira”, mesmo sabendo que o espera uma jornada de trabalho nunca inferior a 13 horas por dia.
O que pensa Franklin Martins? Leia a seguir os principais trechos da entrevista publicada originalmente no portal iG.
Vida de ministro, uma rotina de 13 horas
“A primeira coisa que mudou na minha vida é que hoje eu ganho muito menos do que eu ganhava antes. Muito, muito menos. Trabalho mais, se é que é possível, porque eu trabalhava muito… Trabalho em média 13 horas por dia. Eu entro às 8h30, saio às 21h30 e, às vezes, ainda tenho um jantar de trabalho. O estresse é muito maior. A grande diferença que existe entre um jornalista e alguém que está na minha função é que o jornalista só precisa falar ou escrever, não precisa fazer nada que vá muito além disso. Evidentemente que ele procura fazer bem o seu trabalho, mas aqui você tem de mostrar os resultados. Apesar disso, tem sido uma experiência extraordinária.”
Relações com a imprensa estão mais civilizadas
“Eu vim para cá me propondo uma tarefa. A minha avaliação é que as relações entre o governo e boa parte da imprensa estavam absolutamente intoxicadas. Achava que poderia contribuir para desintoxicar essas relações, a meu ver, cruciais para o País. Essas relações melhoraram. Nem tanto por mérito meu. As circunstâncias políticas do País favoreceram esse processo. Hoje, essas relações com a imprensa são mais fluidas, mais civilizadas, mais rotineiras, têm um caráter menos dramático. A relação entre governo e imprensa deve ter característica de atividade cotidiana porque é parte da comunicação do governo com a sociedade. Não é o único canal, mas a relação com a imprensa é a mais orgânica que existe, com todas as suas contradições. As relações são tensas mesmo e acho isso normal. Por definição, ela deve ser de tensão, de cobrança, não é uma coisa para ser um passeio pelo nirvana, embora nós tenhamos casos no Brasil recente em que as relações do governo com a imprensa eram um passeio pelo nirvana. Mas aí cabe à imprensa refletir sobre isso. O importante é que dentro dessa tensão sejamos profissionais. O que caracteriza o profissionalismo? O respeito pela sociedade, o respeito às divergências, entender que as pessoas precisam da informação mais qualificada possível para tomar suas decisões, formular suas opiniões. Da parte do governo, o princípio básico é garantir a liberdade de imprensa.”
Como é trabalhar com o chefe Lula
“A minha relação com o presidente é boa. Eu nunca tive maior intimidade com o Lula. Talvez o mesmo tipo de intimidade que repórteres com 20 ou 30 anos de profissão tinham com o presidente. Eu o entrevistei várias vezes, conversei bastante com ele, mas não tive intimidade. Eu acho que o Lula é uma pessoa muito fácil de se trabalhar: fala o que pensa, é leve, acho que ele possui hoje em dia uma percepção muito profissional sobre o trabalho da imprensa. E isso facilita muito. Minha relação de trabalho com o presidente é positiva e, mesmo pessoalmente, é muito boa, tranqüila, seguramente melhor do que com os outros chefes que tive. Nem sempre concordamos na apreciação dos problemas, e aí prevalece a opinião dele, é claro. De modo geral, as divergências são muito pequenas. Trabalhar com ele é leve. As broncas foram no seu período…”
Um espaço de disputa política
“Não existe meia liberdade de imprensa. Existe liberdade de imprensa e ponto. Agora, a imprensa não está imune às críticas. Ao contrário, para fazer bem o seu trabalho, ela deve ser criticada. Uma imprensa que não é criticada é uma imprensa que não convive bem com a liberdade dos outros de darem opinião. Não é o caso da nossa imprensa, evidentemente. Vamos ser claros: a imprensa, como instituição, é um espaço de disputa política. Quem não entender isso não entende o papel da imprensa dentro de uma sociedade moderna, democrática e de massa. Então, é normal que o presidente, ou mesmo a oposição, ou qualquer pessoa que participa da disputa política, possa criticar, fazer avaliações do trabalho dos outros da mesma forma. A imprensa pode fazer o trabalho de avaliação do trabalho do presidente. Mas o presidente ou o líder da oposição pode fazer isso também. A sociedade quer ter notícias confiáveis, fidedignas e, ao mesmo tempo, opiniões que contribuam para o debate público qualificado, concorde ou não com aquelas opiniões, desde que elas não estejam desqualificando as outras, entendendo que a divergência faz parte do processo, não tentando esmagar quem pensa diferente. E a imprensa erra muito. Isso é normal e o leitor tem a visão disso, ele sabe diferenciar um erro normal de um erro de má-fé, o que é divergência e o que é campanha. Quando acontece, o leitor percebe isso. O leitor é muito crítico. Os órgãos de imprensa que cometem esses erros, o leitor cobra, e de forma implacável.”
Quem são os novos formadores de opinião
“Acho que se multiplicaram muito os formadores de opinião. Estamos assistindo a um processo extremamente importante que tem a ver com as mudanças que vêm ocorrendo no Brasil nos últimos anos. Acho que aquela época da teoria da “pedra no lago” acabou. Você joga uma pedra, ela cai na classe média e nos chamados formadores de opinião, e vai provocando ondas concêntricas que vão até a margem. Você tinha um centro formador ativo e uma sociedade passiva que recebia aquilo. Isso de certa forma existiu no Brasil até algum tempo atrás e é fruto de uma sociedade que se dividia entre um centro ativo e uma periferia passiva. Eu acho que isso mudou no Brasil, e mudou porque o Brasil está mudando. Você passou a ter a emergência da classe C, e os números mostram que isso é uma coisa fortíssima, é a principal classe em termos numéricos no País, que olha e diz: ‘Eu sei pensar com a minha própria cabeça, eu sei defender meus interesses’. Por exemplo, no processo da crise política de 2005, os formadores clássicos de opinião da classe A/B davam sua opinião sobre o governo Lula e isso chegava à classe C e voltava. Batia e voltava. Isso é sinal de que o Brasil está ficando mais complexo, mais heterogêneo, mais sofisticado e mais moderno. Mudamos de patamar e isso tem impacto na política, na imprensa, na televisão. O crescimento de outros canais de televisão, em comparação com a TV Globo, tem um pouco a ver com isso. A Globo fez um modelo altamente bem-sucedido que falava para as classes A e Z ao mesmo tempo. E fez isso durante 40 anos. Hoje em dia, está sendo obrigada a fazer flexões e se segmentar porque a Record entra aqui e outra entra ali com um programa mais popular que dá audiência.”
Dilma, a primeira da fila no PT
“A Dilma é um nome que aos poucos vai emergindo como possibilidade. Eu nunca vi um comentário do Lula em público dizendo “a minha candidata é a Dilma”. O que acontece hoje é que você tem um governo muito bem avaliado, que não tem um candidato natural. Eu acho que hoje já diminuíram aquelas especulações meio sem sentido sobre terceiro mandato, sempre repelidas pelo Lula. Eu digo que não vejo a menor possibilidade disso depois de umas conversas que tive com o presidente. Aí existem nomes que começam a despontar. O nome da Dilma é um deles. Eu acho que dentro do PT existem nomes possíveis e é normal que o PT aspire a ter candidato. Acho que o nome do Patrus é um nome possível, o nome do Jaques Wagner é um nome possível, o nome do Tarso Genro é um nome possível, o nome do Fernando Haddad.
Todos esses nomes precisam se viabilizar. Eu acho que até o momento o nome da Dilma é que tem ganhado mais consistência. Ela aparece assim, vamos dizer, como a primeira da fila.”
O principal legado do governo Lula
“O principal legado do governo Lula é que a questão da inclusão social entrou definitivamente na agenda do País. E isso não é uma coisa pequena em um país extremamente injusto e excludente. Eu acho que o Brasil era um país pretensamente arrumado para 40, 50 milhões de pessoas. Como ele tem quase 200 milhões, quiseram fazer com que fosse um país desarrumado na verdade. Acho que o grande legado do Lula é criar um processo para que o País se arrume para 200 milhões de pessoas. Esse processo, a meu ver, não tem volta. Porque as pessoas começaram a experimentar mudanças, a melhorar de vida. Eu não sei quem será o próximo presidente, mas ele não conseguirá, seja qual for o partido dele, fazer com que a questão da inclusão social deixe de ser prioridade. Existe um segundo legado do governo Lula extremamente importante: o País voltou a confiar em si mesmo. Acho isso de enorme importância. Se o País continuasse a ter o complexo de vira-lata, para usar a expressão do Nelson Rodrigues, que ele tinha, ele não chegaria ao atual estágio de desenvolvimento. Um país só chega a algum lugar se aprende a confiar em si mesmo e se entende que é capaz de resolver os problemas que estão em seu caminho. Isso vale para qualquer pessoa, mas vale para o País também. Acho que o Brasil voltou a gostar de ser brasileiro. O Brasil mudou de patamar. Ele não vai mais ser um país médio, um país do futuro. Ele será um grande país de mais de 200 milhões de habitantes, com um peso muito importante no mundo, e tem de se preparar para isso.”
De crise em crise, a oposição sem rumo
“Acho que talvez a coisa mais dramática que estejamos vendo no Brasil é a incapacidade, revelada pelo menos até o momento – e espero que isso mude -, da oposição e de alguns setores com influência na mídia de botar o pé no chão e olhar para a realidade. Por que nós temos essa sucessão de falsos escândalos? Eu acho que a oposição tem uma enorme dificuldade para travar o debate político que precisa ser travado por uma razão simples: a oposição tem vergonha de defender o que ela pensa. Ela sabe que o que ela pensa não tem respaldo da maioria do País. A oposição era contra o Bolsa Família, achava que era bolsa-esmola e não teve coragem de afirmar isso claramente na campanha de 2006. Porque, se afirmar, se defender seus pontos de vista, perde a eleição. Por outro lado, ela se sente mal em defender os pontos de vista com os quais não concorda. Então, o que ela faz? Dribla a disputa em torno das questões essenciais para o País e parte para uma questão periférica. Cada escândalo desses produz um processo muito desagradável para o País. Um mal-estar, um clima, que para o governo é ruim. O fato é que as eleições de 2010 estão se aproximando. A areia da ampulheta está caindo e a oposição continua sem discurso, sem saber o que fazer, sem saber o que propor, sem saber como disputar o eleitorado. Eu não entendo aonde ela quer chegar. Eu não falo isso com júbilo, falo isso chateado. Seria ótimo ter uma oposição forte no País. Mas uma oposição forte precisa ser uma oposição séria, uma oposição que pega os erros do governo, aponta, critica e força o governo a ser melhor, a se aproximar dos pontos de vista dela. Ela não propõe uma ação política que constrói politicamente para fazer disputa política na sociedade. Para isso, teria de defender o que ela pensa. Ela não pode esconder o que pensa e querer, com esse artifício, introduzir um elemento que é artificial na política hoje. E a população percebe isso.”
Partidos, Congresso e reforma política
“No primeiro mandato do Lula, os principais problemas do governo estavam na política, embora ele vivesse um momento muito tenso na questão econômica, pelo ajuste que teve de fazer e pela incompreensão que isso gerou na base dele. Do primeiro para o segundo mandato, o governo reequacionou os instrumentos de ação política. A relação com a imprensa, que é parte disso, se tornou mais profissional, embora permaneça com um grau de tensão grande. Mas ela é administrada de forma mais profissional. Acho que a relação com os partidos e o Congresso melhorou. Hoje em dia, você tem um Conselho Político, tem 14 partidos na base aliada, o governo entendeu a importância de um partido como o PMDB na sua base, e isso dá condições de um trabalho parlamentar menos tumultuado que o do mandato anterior. Acho, no entanto, que essas dificuldades não têm a ver com o governo, têm a ver com o nosso sistema político. Eu continuo com a avaliação que tinha antes de vir para o governo e apenas se consolidou: o Brasil precisa desesperadamente de uma reforma política da Reforma Política.”
Mídia forte no papel dos partidos
“Eu sei que não está sob meu poder mudar isso. Se existe um determinado jornalista ou órgão de imprensa querendo ir além de suas chinelas, tomando o lugar dos partidos de oposição, eu não posso evitar isso. O que posso fazer é tratar todos de forma profissional e respeitosa e confiar nos leitores, telespectadores e ouvintes. Eu estou absolutamente convencido de que o Brasil não é um país de coiotes, de jacus, que acreditam em qualquer coisa que falam para eles. A população pode se confundir, ser objeto de algum tipo de manipulação por um período curto, mas em um período histórico mais amplo os fatos aparecem, a verdade aparece. Como no caso da TAM. Nunca vi tanto especialista em grooving como naquela época, e hoje em dia as pessoas sabem que não teve problema de grooving, as pessoas sabem que houve uma falha mecânica combinada com uma falha humana. Isso quer dizer que não houve erros do governo na administração do setor aéreo? Claro que houve, mas isso não quer dizer que aqueles erros provocaram o acidente. A população forma sua avaliação quando consegue debater, discutir, por isso que a democracia é importante. Ela acaba formulando avaliações muito mais equilibradas. Eu sou muito tranqüilo quanto a isso. Às vezes, ponho em dúvida essa crença porque você olha e diz: ‘De novo? Será que nunca aprendem?’. A vida é assim mesmo, e vamos em frente.”
Cenas de viagens com o presidente
“Foram duas coisas que me marcaram muito nas viagens com o presidente Lula. Elas ocorreram em abril deste ano. A primeira aconteceu no dia em que o presidente foi dar a autorização para o início das obras, assinar a autorização do início das obras nas favelas do Alemão, da Rocinha, de Manguinhos. A descida da favela da Rocinha me deixou arrepiado porque eu sou do Rio, conheço bem a Rocinha. O ato foi no alto da Rocinha, onde tem uma espécie de campo de futebol, uma quadra onde será construído um hospital, as obras já estão avançadas. Na descida pela antiga estrada da Gávea, a população ocupou a rua e formou assim um corredor dos dois lados ao longo de 1,5 quilômetro, 2 quilômetros, que é o que tem aquele trecho. Uma coisa absolutamente espontânea e com uma enorme alegria. E então você via os acenos, ouvia aplausos das pessoas nos pequenos prédios e apartamentos que tem ali. A Rocinha tem muitos sobrados de três andares… As pessoas foram chegando às janelas, algumas com bandeiras do Brasil. E você sentia o seguinte: havia uma enorme alegria na favela porque ela estava sendo tratada com respeito. Isso para mim foi uma coisa que marcou. Duas semanas depois, o presidente foi ao Rio Grande do Sul. Na cidade de Rio Grande, visitou as obras do dique seco, que a Petrobras está construindo lá, que vai ser uma fábrica de cascos de navio, de plataformas etc. É lá que estão construindo a P-53, que está quase finalizada. Ou seja, um local em que a indústria naval hoje em dia é uma indústria de peso. E ela praticamente não existia antes. A P-53 é uma coisa que impressiona, é do tamanho de um Maracanã. Ela está fundeada junto ao cais e na chegada você tinha ali, provavelmente, uns 5 mil operários. A reação dos trabalhadores foi de uma força, também absolutamente espontânea. Foram gritos de entusiasmo, de alegria, vários dizendo coisas positivas para o Lula. ‘Lula, você é um operário que chegou lá’, ‘Você é um como a gente que está aqui’, ‘A nossa dignidade você restituiu, hoje em dia nós temos emprego’. É uma coisa fortíssima, pessoas chorando ali e até na comitiva do presidente. Então você sente o seguinte: pessoas que, há dois, três anos, não tinham emprego agora acham que está dando certo e confiam que vai dar certo. O clima que existe é o seguinte: o Brasil tem jeito, o Brasil pode ser o que a gente acha que ele deveria ser. As pessoas voltaram a confiar no País e na sua capacidade. E isso não tem preço. Como no anúncio do cartão de crédito: isso não tem preço.”
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