Funcionários da Nubank trabalham no escritório em São Paulo; cartão de crédito sem anuidade a um clique. Foto: Nubank/Divulgação
Funcionários da Nubank trabalham no escritório em São Paulo; cartão de crédito sem anuidade a um clique. Foto: Nubank/Divulgação


Quem assiste à divulgação dos balanços bancários com seus lucros bilionários em plena crise acha difícil acreditar que o poder dessas instituições financeiras possa estar em risco. Mas assim como transformou as indústrias da música e do cinema, a internet também avança, silenciosamente, sobre a atividade econômica mais rentável do capitalismo. A ameaça atende pelo nome de fintechs: pequenas empresas de tecnologia que desenvolvem aplicativos para celular e softwares para computador que desburocratizam as transações financeiras, eliminam intermediários e tratam seus clientes com atenção.

No Brasil, o fenômeno é recente, mas no mundo desenvolvido essas empresas ganham dinheiro e o temor dos bancos. É o que revela pesquisa da Accenture, consultoria com escritórios em 120 países pioneira na análise desse fenômeno. Um levantamento próprio traz números impressionantes. Os investimentos em fintechs nos Estados Unidos e na Europa triplicaram em um ano – saíram de já vultosos US$ 4,03 bilhões (R$ 15,3 bilhões), em 2013, para US$ 12,2 bilhões (R$ 46,4 bilhões) no ano passado.

Esse salto de investimento – em plena turbulência econômica no mundo – permitiu à Accenture prever o tamanho desse impacto. Nos próximos cinco anos, 32% das receitas dos bancos europeus e americanos serão transferidas para os cofres das fintechs. Por lá, a agitação começou. “Em diversas partes do mundo, essas startups começam a ameaçar parte das receitas bancárias”, informa Guilherme Horn, diretor-executivo de inovação digital da Accenture no Brasil. “Os bancos estão fazendo parcerias, comprando startups. Perceberam que não dá para ignorar o fenômeno.”

Existem fintechs de todo tipo. O aplicativo da americana BillGuard alerta seu cliente sobre as taxas escondidas que bancos e emissores de cartões de crédito podem cobrar. Resgatou mais de US$ 60 milhões (R$ 228 milhões em valores atuais) desde que foi fundada, em 2010. O Banking Up decidiu fornecer serviços financeiros básicos a trabalhadores sem conta em banco. Já a Tipalti processou
US$ 1 bilhão (R$ 3,81 bilhões) automatizando a transferência de dinheiro entre clientes de qualquer lugar do mundo sem ferir leis internacionais ou deixar de recolher impostos.

No Brasil, essas startups se popularizam. Nascida no País e com atuação nos Estados Unidos e Canadá, a Cloudwalk revoluciona o mercado de máquinas de cartão. No final de outubro, ela foi uma das 15 fintechs selecionadas para julgar invenções nesse ramo no mais importante evento da indústria de pagamentos do mundo, o Money 20/20, em Las Vegas. A empresa aproveitou o fato de as maquininhas de cartão serem minicomputadores conectados à internet para criar uma plataforma que cria e distribui aplicativos para esses equipamentos de acordo com a necessidade do cliente. Essas máquinas passam a receber pagamentos de ingressos, recarga de celular; fazem gerenciamento de estoque e vendem bitcoin, uma espécie de moeda virtual. “O programador cria um aplicativo usando uma linguagem simples e envia para todas as maquininhas cadastradas em sua plataforma”, explica Arthur Macedo, diretor comercial da Cloudwalk. Essa capacidade de transformar um setor da economia coloca as fintechs no seleto grupo de startups “disruptivas”, diz ele. “É quando uma empresa pode quebrar paradigmas de um setor. Elas mudam o padrão, não para matar, mas evoluir o sistema.”

Luciano Tavares,  da Magnetis, deixou  um grande banco para oferecer consultoria financeira a todos  os perfis de investidor. Foto: Magnetis/Divulgação
Luciano Tavares,
da Magnetis, deixou
um grande banco para oferecer consultoria financeira a todos
os perfis de investidor. Foto: Magnetis/Divulgação

É o caso da Magnetis, criada em 2012 e dirigida por Luciano Tavares. Ele abandonou seu emprego em um banco, onde dava conselhos a investidores milionários, para criar uma empresa de consultoria online para todos os perfis de investidor. “Automatizamos o processo”, explica. “Em vez de conversar com uma pessoa que vai fazer uma recomendação subjetiva, nossos algoritmos analisam mais de 15 mil ativos financeiros, filtram e sugerem os quatro mais indicados ao perfil do cliente.” Para montar o plano é de graça. Só paga quem executa a carteira: 0,40% do valor investido no ano. Índice bem abaixo da taxa média cobrada pelos bancos, de 4%.

Tem até fintech que está na moda por aqui. É o caso do Nubank, responsável por lançar um cartão de crédito controlado pelo celular que não cobra anuidade nem tarifas. Virou um sucesso. Enquanto os bancos penam para atrair clientes para suas bandeiras, a startup administra uma fila de 300 mil interessados. “A oportunidade que a gente viu foi oferecer um cartão de crédito a custo baixo sem burocracia e papelada”, explica a cofundadora, a brasileira Cristina Junqueira. “Do celular, você pede o cartão, bloqueia, desbloqueia e vê a fatura em tempo real pelo aplicativo, que tem uma linha do tempo semelhante a uma rede social.”

A fintech ganha dinheiro cobrando juros rotativos, também abaixo da média: 7,75%, contra 14,5% dos bancos. Mas o que seus clientes elogiam mesmo, garante Cristina, é o atendimento. “Não precisa de Call Center. Se esqueceu o cartão no restaurante, você o bloqueia com um clique. Recupera o cartão, clica de novo e desbloqueia. Do jeito tradicional, tem de ligar na central de atendimento, falar com uma voz eletrônica, ficar na musiquinha e esperar dias até o novo cartão chegar pelo correio.”

O Nubank foca no público íntimo do ­smartphone: 80% de seus clientes têm menos de 35 anos. “No futuro a geração Y (nascida a partir da década de 1980) viverá uma nova experiência com o mundo das finanças.” A executiva observa a tentativa de os bancos  se inspirarem na fintech, mas acha difícil que eles acompanhem tanta mudança.

Horn, da Accenture, concorda. “As empresas de tecnologia lançam aplicativos com até 30 inovações por mês. Elas nascem focadas em como seu cliente vai navegar no produto. As instituições bancárias desenham o seu a partir do próprio ponto de vista.” A conse­quência é que os bancos terão uma outra cara em poucas décadas. “Por mais que desejem, eles não podem acompanhar essa capacidade de renovação.”


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