A Guerra das Salamandras (1936) é a obra mais ambiciosa e elaborada do escritor, dramaturgo e filósofo tcheco Karel Capek (1890-1938), e a que fez dele o mais influente escritor de ficção-científica ao longo do século 20. Além do trabalho de maior extensão narrativa, ele era conhecido principalmente por suas peças e exercícios de todas as formas de escrita que tão bem dominava, o jornalismo, o teatro e a literatura –, sua guerra resultou de um texto de fina ironia contra o nazismo. Some-se a isso o fato da trama possuir, para a época em que foi publicada, uma moderna e inovadora forma de narrar, dividida em fragmentos, em que alguns personagens se expressam por meio de cartas, relatos e recortes de jornais sobre um novo tipo de criatura descoberto em uma ilha do Pacífico, que poderia mudar os rumos da humanidade para melhor.
Eram salamandras gigantes e inteligentes, capazes de aprender rapidamente com os humanos tarefas básicas, mesmo sem terem, a princípio, inteligência semelhante ou próxima à de seus senhorios. Elas se tornam um rentável negócio que o sistema capitalista mundial usa para todo o tipo de trabalho desagradável, como escravas da Era Colonial. Nesse contexto, quase ninguém tem consciência de que a extensão de salamandras em todo o mundo poderia se tornar uma ameaça aos próprios homens. Capek acreditava que as salamandras tinham, entre todos os animais, um direito histórico particular de representar um papel, como se fossem humanos. Mesmo que se tratasse apenas de um pretexto para falar dos problemas humanos, Capek precisou se colocar na pele das salamandras, “numa experiência fria e úmida, mas, afinal de contas, tão maravilhosa e tão terrível quanto a de se colocar na pele dos seres humanos”, segundo disse em uma entrevista.
Autor de sombrias profecias literárias, Capek se tornou referência fundamental na chamada literatura de antecipação. Teve seguidores famosos, como Aldous Huxley (1894-1963), George Orwell (1903-1950), Philip K. Dick (1928-1982) e Kurt Vonnegut (1922-2007). Suas ideias e visões sobre o futuro mostradas em peças teatrais, contos e romances influenciaram esses escritores, em suas obras mais lidas: Orwell bebeu, por exemplo, de A Doença Branca (1937) para escrever 1984 (1949), enquanto A Guerra das Salamandras inspirou, do mesmo autor, A Revolução dos Bichos (1945), no sentido de que os dois livros recorreram à fábula – isto é, animais como humanos – para criticar o autoritarismo e a corrupção moral do homem em um regime de opressão. O manifesto ecológico e pacifista da contracultura da década de 1960, O Planeta dos Macacos (1963), do francês Pierre Boulle (1912-1994), pode ser visto como uma releitura da peça R.U.R. (1921), na qual Capek cunhou o termo robô.
Tanta comparação explica e justifica porque Capek é o pai da moderna ficção científica, ao lado de Júlio Verne (1828-1905) e H.G. Wells (1866-1946). Foi o autor que idealizou pela primeira vez, o destino trágico da humanidade numa era pós-apocalipse de diversas formas antes de ser criada a bomba atômica. Fez isso a partir de conceitos quase filosóficos e audaciosos, que levaram às últimas consequências certa descrença em ideologias e utopias e na própria natureza malévola do homem. Parte das suas influências veio da experiência real, que viveu intensamente nos agitados anos de 1920 e 30. Escrevia contra a opressão de regimes autoritários que ameaçavam seu país, e ganhou fama como jornalista, agitador literário e militante político incansável.
Capek teve papel importante no esforço dos cidadãos da Tchecoslováquia para convencer os países aliados – Inglaterra e França – a se posicionarem contra os alemães, que queriam invadir seu país em 1938. Nesse período, mesmo muito doente, teve fôlego para escrever sua última peça, uma das melhores de toda sua obra, a tragédia antinazista A Mãe. De modo geral, nas entrelinhas de suas fábulas e invenções fantásticas, era um crítico mordaz da personalidade humana psicótica, a quem culpava como responsável pela inviabilidade de um mundo mais justo socialmente e democrático. Achava que tanto o capitalismo quanto o socialismo – que lhe era mais simpático – quanto o nacional-socialismo (nazismo) eram inviáveis porque, em algum momento, esbarrariam na natureza destrutiva e predadora em todo e qualquer ser humano.
Em novembro de 1938, com a informação de que os nazistas pretendiam assassiná-lo, foi oferecida a Capek possibilidade de deixar o país e ir para à Inglaterra como exilado. Preferiu ficar com seus compatriotas. Na segunda metade de dezembro, contraiu uma gripe muito forte e inflamação nos rins, em decorrência de uma deformação em suas costas. Morreu na noite de Natal, sem ver seu país invadido pelos nazistas – o que ocorreu meses depois. Logo depois, a polícia secreta de Hitler chegou a seu endereço. Não perderam a viagem. Como o escritor estava morto, levaram preso seu irmão e parceiro, o ilustrador Josef Capek, e o fuzilaram na prisão.
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