E m vez do tradicional livro de capa dura e papel fino, Robson Lemos Rodovalho usa um iPad para consultar a Bíblia nos cultos e programas de televisão que apresenta. Fundador e líder da igreja evangélica Sara Nossa Terra, na qual tem o título de bispo, Rodovalho garante que não é moderno apenas na aparência: “A Sara é uma igreja com conteúdo evangélico 100% adaptado à geração atual.” Para acompanhá-lo, o rebanho de estimados quatro mil pastores e 1,1 milhão de seguidores da Sara terá agora de mergulhar no mundo das partículas elementares do alemão Max Karl Planck (1858-1947), considerado o pai da Física Quântica. O motivo: Rodovalho, que se formou em Física e foi por 14 anos professor concursado da Universidade Federal de Goiás, está convencido de que o estudo dos quanta, como são chamadas as quantidades elementares, conduz à espiritualidade. Ele está prestes a lançar o livro Ciência e Fé: o Reencontro pela Física Quântica. “Jesus diz que se você fechar os olhos aqui e fizer uma oração, o seu irmão é tocado, abençoado, lá no Japão”, exemplifica. “Isso é uma propriedade da física conhecida como emparelhamento quântico ou emaranhamento. Partículas que andaram juntas interagem umas com as outras, independentemente da posição em que se encontram.”
No entender do físico que virou bispo, os universos da ciência e da fé se complementam e ajudam a compreender a existência humana. “No passado, houve uma ruptura muito grande porque houve confusão dos dogmas. Ao tentar legislar em todos os domínios, a Igreja colocou a Terra como centro do universo e entrou em conflito com Galileu (o físico e astrônomo italiano Galileu Galilei, perseguido pela Inquisição no século 17). A fé, na realidade, trabalha em um domínio metafísico diferente.” Autor de 71 livros, com mais de um milhão de exemplares vendidos, Rodovalho já citou a ciência em outras obras. Em A Energia da Vida, lançado no ano passado, ele aplica propriedades das partículas quânticas em busca de lições para o sucesso pessoal e profissional. No próximo livro, além de abordagem distinta, ele pela primeira vez publica uma obra por uma editora secular, a LeYa.
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A Sara Nossa Terra, fundada por Rodovalho, em 1992, tem sua sede no Setor Sudoeste, uma área nobre de Brasília. Entre o público laico, ficou conhecida por abrigar fiéis com visual fora dos padrões convencionais. Nos quadros da Sara, já esteve a cantora Baby do Brasil, que hoje se declara “apóstola” de sua própria igreja, o Ministério do Espírito Santo de Deus. Ao volante de um Hyundai ix35 preto, que dirige com segurança, Rodovalho conta sua trajetória a caminho de Ceilândia, a cidade-satélite com configuração social oposta à da sede da igreja em Brasília, embora apenas 26 km separem os dois lugares. Filho de mãe espírita e de um fazendeiro católico, ele conta que nasceu em Anápolis (GO) e viu a Bíblia pela primeira vez ainda criança, depois que uma nuvem de gafanhotos cortou toda a soja plantada pelo pai. “Na divisa com o vizinho, seu Agostinho, os gafanhotos simplesmente morriam”, afirma. “Minha mãe dizia que o fenômeno se devia à reza forte do vizinho. Depois da destruição na fazenda de meu pai, ela pediu a seu Agostinho que rezasse em nossa casa.”
Depois de avisar por mensagem de celular que já estava a caminho de Ceilândia, Rodovalho continua o relato. “Mais tarde, ainda em Anápolis, me aproximei de missionários presbiterianos”, diz, referindo-se aos seguidores da igreja originária da Reforma Protestante do século 16. No começo, foi uma aproximação casual, por ele ter ficado amigo do filho de um pastor. A situação mudou durante um acampamento de jovens presbiterianos à beira do rio Corumbá, quando ele tinha 19 anos: “Vi uma luz, senti uma energia transcendental e ouvi trechos da Bíblia que nunca tinha lido. Passei a noite acordado, voltei para casa. Limpei e dispensei o revólver, joguei fora a maconha e comecei a andar com Deus”.
Na Anápolis de meados dos anos 1970, muitos acreditaram que Rodovalho tinha ficado maluco, pois passou a circular com a Bíblia por todo lado. Ao mesmo tempo, rapazes e moças de sua idade começaram a se agrupar em torno dele, em “células” de oração. Organizadas em um movimento chamado Mocidade para Cristo (MPC), essas “células” se transformaram em Aliança Bíblica Universitária (ABU), quando ele entrou para a faculdade, na capital Goiânia: “Eram jovens de cabelo comprido, que andavam de moto e vinham do movimento hippie”.
Assim que se formou em Física, Rodovalho prestou concurso na mesma universidade em que estudou. Por mais de uma década, aliou as atividades acadêmicas às religiosas. Em 1992, decidiu largar a universidade: “Minha paixão maior eram as comunidades evangélicas. Elas estavam soltas, espalhadas pelo Brasil, pois à medida que se formavam, antigos membros das ‘células’ voltavam para suas cidades de origem. Decidi me mudar para Brasília e formatar a igreja, com administração centralizada, moderna”.
Aos 58 anos, Rodovalho hoje comanda 1.046 igrejas, no Brasil e em outros oito países, além de uma rede de televisão, a Gênesis, emissoras de rádio em nove capitais brasileiras, uma editora e uma gravadora. “Meu patrimônio pessoal é pequeno”, assegura. “Há separação do patrimônio institucional.” Casado com a psicóloga Lúcia, que também recebeu o título de bispa, Rodovalho tem três filhos, todos com postos-chave na estrutura da igreja. Quando chega à Ceilândia, ele é recebido como ídolo por cerca de 2,5 mil seguidores da Sara, a maioria adolescente. Divididos em equipes, muitos usam acessórios extravagantes, de perucas coloridas a tiaras com luzinhas. Ludmila Peres, 16 anos, não exibe enfeites, mas acompanha com entusiasmo as músicas que Rodovalho canta no palco: “O bispo Robson é meu profeta, cara! Antes de vir para a igreja, eu estava perdida na bebida, na droga”.
Com capacidade para receber 5,5 mil pessoas sentadas, a igreja da Sara em Ceilândia tem 3,6 m2, pé direito de 12 m de altura e encontra-se em fase de construção. Genro de Rodovalho, o também bispo Lucas Cunha, 34 anos, responde pela obra. “Os pedreiros ficam impressionados. Se é preciso mudar um andaime, mando mensagens pelo celular e um mutirão se forma num instante.” Essa capacidade de agregar também rende dividendos políticos a Rodovalho, que foi deputado federal entre 2007 e 2010. Perdeu o mandato por infidelidade partidária, ao trocar o Democratas (DEM) pelo Partido Progressista (PP), mas não lamenta: “Fora do Congresso, influencio mais”.
Nas eleições presidenciais de 2010, Rodovalho se alinhou aos evangélicos que apoiaram na reta final a candidatura de Dilma Rousseff. Para 2014, acredita que o governo do PT precisa criar novos apelos: “A distribuição social já aconteceu. Pão comido é pão esquecido”. Ciente de seu potencial para angariar votos, diz que vai escolher seu candidato próximo à data das eleições. “A Sara é amiga de todo mundo, ora por todo mundo, e vai decidir na última hora.” Quanto à homossexualidade, outro tema que provoca polêmica entre religiosos, Rodovalho garante que sua igreja não discrimina ninguém. Ao mesmo tempo, considera o homossexualismo um “estado provisório”. Devidamente acolhido, acredita o líder da Sara, o homossexual pode superar a “fase de instabilidade”. A modernidade, como se vê, tem seus limites. I
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