O futuro do País

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Em famoso retrato do Brasil feito por um autor estrangeiro, o austríaco Stefan Zweig apostou no potencial da terra que o encantara pela exuberância da natureza e pela cordialidade do povo: “Depois de longos anos de incerteza e de modéstia, o país aprendeu a pensar nas dimensões da sua própria vastidão e a contar com suas possibilidades ilimitadas como uma realidade palpável e atingível”. Lançado em agosto de 1941, quando o celebrado autor, de origem judaica, fugia da sanha nazista, Brasil, um País do Futuro virou referência até para aqueles que ironizavam o prognóstico. Setenta e três anos depois do lançamento da obra, não há dúvida: o futuro chegou faz tempo. Mesmo com a economia em momento de fragilidade e em indesejada sintonia com o mundo, os avanços são inegáveis. Que o digam os 42 milhões de brasileiros que ascenderam à classe média entre 2003 e 2013. Ou os 36 milhões que saíram da miséria no período, de acordo com o cadastro único do governo, com nome e sobrenome de cada beneficiário. Ou ainda os 8,4 milhões que deixaram a pobreza extrema, segundo o IPEA, instituto vinculado ao Palácio do Planalto, com base em pesquisas por amostra de domicílio, até o começo de 2013.

Com a reviravolta social, o patamar de exigências mudou: todo mundo quer melhorar a qualidade de vida e usufruir de serviços públicos eficientes. Daqui para a frente, o essencial é enfrentar de forma contundente os muitos problemas que ainda afligem os brasileiros, a começar pelos da educação, saúde, habitação e segurança. Depois de um inédito período de estabilidade econômica e bem-sucedidas políticas sociais, os planos de governo apresentados pelos três principais presidenciáveis nas próximas eleições prometem seguir essa trajetória. Ainda que de forma genérica, o ex-governador Eduardo Campos (PSB) falava em ampliar e integrar programas de erradicação da pobreza, fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS) e reduzir o déficit habitacional. O senador Aécio Neves (PSDB) é mais explícito: promete manter e aprimorar os programas ProUni, Ciência Sem Fronteiras, Mais Médicos, Minha Casa Minha Vida, criados nos governos Lula e Dilma Rousseff (PT).

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Em busca da reeleição, Dilma propõe consolidar e aprofundar as mudanças que colocaram o Brasil em lugar de destaque no cenário internacional, a partir da construção de um “novo pilar”: a competitividade produtiva. “As nossas políticas Industrial, Tecnológica e Agrícola vão atuar para reduzir os custos de investimento e produção, estimulando nossa capacidade de inovação, reduzindo os custos logísticos e melhorando o ambiente de negócios do país”, registra seu plano de governo. Para usar um termo caro aos economistas, Dilma quer a “inflação dentro da meta” e a retomada do crescimento com base no aumento da produtividade. Nesse âmbito, Aécio fala em reduzir a inflação e valorizar de forma gradativa o salário mínimo, enquanto o PSB promete trabalhar para um desenvolvimento sustentável. Com a trágica morte de Eduardo Campos, uma das preocupações das lideranças do PSB é garantir que as orientações do ex-governador continuem sendo colocadas em prática. 

Mas, na briga pelo voto, como na guerra, a primeira vítima acaba sendo a verdade. E o manipular das informações quase sempre muda a percepção da realidade (leia mais à página 48). Em 2014, no suscetível âmbito da economia, o banco espanhol Santander fez papel similar ao do empresário Mário Amato em 1989, quando ele era presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). “Se Lula for eleito, 800 mil empresários deixarão o País”, garantiu Amato, durante a campanha vencida por Fernando Collor de Mello. O Santander, por sua vez, despachou para seus clientes de alta renda uma análise afirmando que um sucesso eleitoral de Dilma representaria uma piora na economia. “Se a presidente se estabilizar ou voltar a subir nas pesquisas, um cenário de reversão pode surgir. O câmbio voltaria a se desvalorizar, juros longos retomariam alta e o índice da Bovespa cairia, revertendo parte das altas recentes”, analisou o Santander para seus clientes da categoria Select, aqueles com renda superior a R$ 10 mil.
Com a repercussão da análise fora do universo da clientela seleta, o banco voltou atrás, o que não significa que o setor no qual está inserido – a poderosa entidade conhecida como mercado – não continuará a “trabalhar” números e gráficos até a abertura das urnas. O resultado imediato é uma espécie de entorpecimento das atividades econômicas. Do executivo de grandes empresas ao cidadão prestes a financiar a casa própria, a maioria acaba por adiar decisões de médio e longo prazo. Por causa do bombardeio de informações desencontradas, a tendência é esperar o final das oscilações e prognósticos catastrofistas da temporada eleitoral. Em tentativa de corrigir distorções de uma realidade sensível às ações do mercado, Dilma anunciou que um dos motes de sua campanha será “a verdade vai vencer o pessimismo”. Trata-se de uma referência ao slogan “a esperança venceu o medo”, cunhado por Lula depois de vencer as eleições presidenciais de 2002.
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Doze anos depois, Dilma conta com as vantagens e desvantagens de ocupar o principal gabinete do terceiro andar do Palácio do Planalto. Na primeira categoria, estão as realizações de seu governo, entre elas o programa Mais Médicos, que já começou a mudar a assistência à saúde em 3,8 mil dos 5.570 municípios brasileiros. Parte desses municípios, vale lembrar, não contava com a presença de nenhum médico. Para enfrentar uma deficiência histórica, porém, há ainda muito o que fazer. “Os principais desafios são ampliar e melhorar a qualidade da atenção à saúde para toda a população, com equipes multiprofissionais mais qualificadas e mais diversificadas nas especialidades; e enfrentar os planos de saúde, que limitam direitos ao atendimento, oneram o sistema público e contam com isenção tributária, mas têm força política suficiente para manter esse padrão de conduta”, afirma o pneumologista Ubiratan de Paula Santos, do Incor e integrante do conselho da Escola de Sociologia e Política de São Paulo (leia a opinião de especialistas de diferentes áreas da página 52 à 59).

Entre as desvantagens de concorrer nas urnas na condição de presidenta está o fato de ter os gestos de governo interpretados sob a ótica das paixões políticas. Um episódio nesse sentido ocorreu logo depois do final da Copa, na esfera das relações internacionais. No 7o dia da incursão terrestre de Israel em Gaza, quando já haviam morrido 35 israelenses e quase 700 palestinos, entre eles crianças e mulheres, o Itamaraty divulgou uma nota criticando “o uso desproporcional da força” e conclamando “ambas as partes a estabelecerem um cessar-fogo duradouro”. Não fez referência ao Hamas, o grupo radical palestino. E chamou a Brasília o embaixador do Brasil em Tel Aviv, iniciativa entendida na diplomacia como insatisfação de um governo diante de uma determinada situação. Um porta-voz do governo de ultradireita de Israel reagiu com ironia: “Essa é uma demonstração lamentável de por que o Brasil, um gigante econômico e cultural, continua a ser um anão diplomático”. Como se não bastasse, no dia seguinte, o mesmo porta-voz fez outro comentário desairoso, citando a derrota do Brasil para a Alemanha: “7 a 1 é desproporcional”.
O governo Dilma, por meio da nota do Itamaraty, agiu com coerência ao repudiar o embate desigual. Quando não é possível impedir de forma direta a violação dos direitos humanos, o mínimo que um governo pode fazer é mostrar-se contrário à agressão. Não dá para ser omisso, como muitos países, instituições e personalidades foram diante do Holocausto, o extermínio sistemático de judeus, ciganos, portadores de deficiência, comunistas e homossexuais, durante a Segunda Guerra Mundial. Passados quase 70 anos, até hoje se pergunta como o mundo pode ser omisso diante da tragédia. “A política externa do Brasil está no caminho certo”, afirma o historiador Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira, especialista em política internacional. “No ano passado, como chefe de governo e de Estado, Dilma Rousseff também fez o enfrentamento necessário, ao cancelar sua viagem aos Estados Unidos, devido à espionagem americana”.

Com a campanha eleitoral começando a deslanchar, no entanto, uma saraivada de críticas foi desfechada contra a ação diplomática do governo. Uma nova fase, provavelmente ainda mais acirrada, terá como palco o programa eleitoral de rádio e televisão. Nela, Dilma encontra-se em situação mais confortável, pois conta com 11 minutos e 48 segundos, quase a metade do tempo total dos outros dois candidatos. Em contrapartida, como não se afastou da Presidência, tem menor disponibilidade para a campanha nas ruas e para tentar minimizar um problema crucial: os altos índices de rejeição, em especial no Estado de São Paulo, o maior colégio eleitoral do País. Com dedicação integral à campanha, os principais adversários da presidenta também não levam vida fácil. 

Entre os tucanos, o panorama também é complicado. Com o apoio fundamental do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o senador Aécio Neves conseguiu lançar sua candidatura, mas faz campanha com um PSDB dividido. Candidato ao Senado, José Serra até há pouco tempo ainda sonhava em encabeçar a chapa para presidente, por se considerar o melhor candidato. Além disso, mal começou a campanha e facetas pouco conhecidas do senador vieram a público. Uma delas tem a ver com uma pista de pouso em causa própria. Quando governador de Minas Gerais, ele construiu uma pista de R$ 13,9 milhões em terreno desapropriado (mas ainda alvo de disputa judicial), na fazenda de um tio-avô, como revelou o repórter Lucas Ferraz, do jornal Folha de S.Paulo. Ocorre que a chave do portão do aeroporto fica com a família do candidato tucano, que tem como refúgio predileto a Fazenda da Mata, a apenas 6 km da pista. Questionado pela imprensa, Aécio passou 11 dias se recusando a dizer se ele usava a pista de pouso ou não. Só respondeu quando o assunto virou tema recorrente nas redes sociais, ainda assim, por escrito: “Cometi o erro de ver a obra com os olhos da comunidade local e não da forma como a sociedade a veria à distância”. O episódio, como outros relatados antes, derruba um detalhe que encantou o escritor austríaco Stefan Zweig nos anos 1940, quando ele conheceu o País, como registrou em Brasil, um País do Futuro: “A política, com todas as suas perfídias, ainda não é o eixo da vida privada nem o centro de todo o pensar e sentir”.


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