Donatien Alphonse-François, o Marquês de Sade, nasceu em Paris em 1740, e morreu no sanatório de Charenton, em 1814. Neste ano, vários eventos culturais prestaram homenagem, na França, ao bicentenário de sua morte. Escreveu, entre outros livros, Diálogo entre um Padre e um Moribundo (1782), Os 120 dias de Sodoma (1785), Os Infortúnios da Virtude (1788), La Philosophie dans le Boudoir (1795), Crimes do Amor (1800).
Como parte do trabalho de reabilitação do polêmico escritor francês, censurado em seu país até 1957 pelo forte erotismo associado a atos de violência e crueldade de seu texto, e “ultraje à moralidade pública e à religião”, o historiador Gonzague Saint Bris publicou a biografia Marquês de Sade – O Anjo das Sombras, e o Musée d’Orsay apresenta, até 25 de janeiro de 2015, Sade, Attaquer le Soleil (Sade, Desafiar o Sol).
A exposição tem a curadoria de Annie Le Brun, historiadora e escritora especialista em Sade, e Laurence des Cars, curadora e diretora cultural do Musée de l’Orangerie de Paris.
Foi somente em 1957, que um editor francês, Jean-Jacques Pauvert, tirou Sade da clandestinidade, ao publicar, apesar da censura ainda vigente, suas obras com o nome oficial da editora. A verdadeira consagração de Sade na França só ocorreu quase dois séculos depois de seus escritos, em 1990, com a publicação de obras completas pela prestigiosa Plêiade, a mais renomada coleção de livros da França, da Editora Gallimard.
A essência da exposição do Orsay, que reúne mais de 500 obras, entre pinturas esculturas, vídeos, fotografias e documentos, está, nas palavras das curadoras, em participar mais da história da sensibilidade que da história da arte.
Na seleção e organização das obras ao longo da mostra, permeadas por frases do escritor que influenciou o pensamento do século XX, não há a intenção de reconstruir uma história iconográfica do pensamento, mas, sim, trazer à tona uma reflexão sobre o propósito de Sade, que visaria, nas palavras de Le Brun, “representar o irrepresentável, ou seja, a irrepresentável violência do desejo”.
Chamado também de “O sol negro do século das luzes”, por Ravenne, membro do Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França que estudou biografias, arquivos e coleções privadas, Sade estava à frente de seu tempo, verbalizando a perversidade e a violência inerentes ao indivíduo e visualizando o desmoramento da construção religiosa e ética dos séculos XVIII e XIX.
Na exposição, o excesso não está apenas representado pela violência das imagens, e sim pela irrupção da imagem no quadro, noção de beleza, pelo gesto, “em um momento, essa violência procura explodir o quadro de representação tradicional, (…) é isso também que importa no projeto da exposição, a partir de um certo momento não se pintará da mesma forma, um exemplo disso está no quadro que se encontra no Orsay, La Chasse aux Lions, de Delacroix, um turbilhão de ferocidade”, diz Annie na conferência de abertura.
A carga erótica, o corpo nu, paisagens onde a sexualidade e a violência coincidem e vão coincidindo até a criminalidade, certamente influenciaram Cézanne, em La Femme Étranglée, pintor muito presente na mostra.
A questão de Sade é o prazer e o sofrimento, o desejo, a leitura de um novo espaço mental, onde ele estabelece a relação entre o infinito do desejo e o desejo de infinito. “Mas não do ponto de vista do sublime kantiano, de emoção dominada pelo espírito”, diz Laurence, “ao contrário, não é somente buscar o distúrbio que fundamenta o sujeito, é ver também a violência que está em nós, que sentimos através do desejo, é a mesma violência que está na obra do universo, como diz Sade, que se trata de uma variação do infinito”.
Para as curadoras, a exposição, que cresce sala a sala, e apresenta obras de Goya, Géricault, Ingres, Rops, Rodin, Picasso e Max Ernst, tenta contrariar a ideia de La Rochefoucauld de que “o sol e a morte não podem se olhar no rosto” e que, graças ao desejo que se revela através da nossa imaginação, temos sempre a possibilidade de incendiar e escapar do mundo, e sonhar o universo.
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