MaioEm passagem pelo Brasil para o lançamento de seu livro A Bola Não Entra Por Acaso – estratégias inovadoras de gestão inspiradas no mundo do futebol, Ferran Soriano foi entrevistado pelo site da Brasileiros. Durante seis anos, ele esteve à frente de um dos clubes mais poderosos do mundo, o Barcelona, como vice-presidente. Conheça um pouco mais desse homem de negócios do futebol mundial.
Entre 2003 e 2008, o espanhol Ferran Soriano esteve à frente do Barcelona como vice-presidente econômico. Foi em sua gestão que o time alcançou suas melhores marcas, a mais importante delas foi ter se tornado o melhor time do mundo. Na quarta-feira (12), em evento apenas para convidados, no bairro de Pinheiros, em São Paulo, Soriano lançou o livro A Bola Não Entra Por Acaso – estratégias inovadoras de gestão inspiradas no mundo do futebol, pela Editora Larousse do Brasil, e fez uma pequena palestra sobre seus ensinamentos, adquiridos nesses cinco anos de Barcelona. Na sexta (14), a partir das 19h30, ele vai estar na Universidade Anhembi Morumbi, Campus da Avenida Paulista, 2000, em palestra com diretores dos quatro principais clubes paulistanos, Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo. Logo após a sua apresentação na quarta, Soriano falou com exclusividade ao site da Brasileiros sobre seu livro. Como bom espanhol, revelou que este ano a seleção de seu país nunca teve tantas chances de vencer uma Copa do Mundo (existe a possibilidade de o Brasil cruzar com a Espanha já nas oitavas de final).O livro de Soriano fala sobre gestão empresarial e métodos que podem e devem ser adotados pelos clubes que estão sintonizados com a era do futebol global. A profissionalização dos dirigentes e também dos jogadores é primordial. Segundo ele, nessa era global, não há espaço para jogadores que não se comprometem com seus times, e o não comprometimento passa pelo comportamento inadequado dos jogadores fora de campo (nessa parte da entrevista, não tivemos como não falar sobre o caso de Adriano, que não foi convocado muito em decorrência de sua postura fora de campo). Ele reconhece, já na primeira pergunta, que não há fórmula pronta para atingir o sucesso, que ele não é obra do acaso, e sim de muito trabalho e boas ideias, aplicadas dentro e fora do campo. Vamos ao papo!Brasileiros – Vamos começar com uma provocação. O seu livro não deixa de ser um receituário de como atingir determinados objetivos e alcançar o sucesso. Você acha que existe receita pronta para isso?Ferran Soriano – A receita básica não existe. Não tenho dúvida a respeito disso. O que o livro diz é que às vezes no futebol, mas também em outras indústrias, as pessoas que estão dentro do negócio tendem a dizer “Ah, não, o futebol é diferente”, “O jornalismo é diferente”, “O bom senso e as ideias gerais sobre manager não se aplicam aqui”. O que eu digo é que o sucesso vem sempre depois de muito trabalho e boas ideias. Nunca por acaso.Brasileiros – Você não acha que a gestão de uma empresa é diferente de uma gestão de um clube de futebol, no tocante a questão do comprometimento entre os funcionários e a empresa? Quando falamos em uma empresa, os funcionários, geralmente, estão comprometidos com ela e seu produto, enquanto no futebol os jogadores, em geral, não têm ideia dessa relação de comprometimento, achando que seu papel é apenas fazer o gol, pouco dando atenção a questão de gestão empresarial.F.S. – É verdade. Os jogadores se interessam ou pouco entendem sobre gestão empresarial. Mas eles entendem muito bem de vencer no campo. O objetivo deles é vencer no campo. O jeito de convencer, animar, conseguir que os jogadores tenham o máximo comprometimento com a equipe e que ela esteja equilibrada depende do técnico. E esse comprometimento, que o técnico tem de passar para os jogadores, começa necessariamente com as motivações humanas clássicas, típicas, como qualquer outra empresa, como qualquer outro negócio.Brasileiros – A questão do comprometimento é crucial para atingir o sucesso, como você fala no livro. Quais são os meios de conseguir esse compromisso do jogador com o clube?F.S. – Na minha experiência, os esportistas profissionais são pessoas que querem vencer. E o compromisso é essa vontade interior de vencer, que não pode ser estimulada apenas com dinheiro. Com dinheiro, você consegue que as pessoas se sintam bem pagas. Isso é em qualquer trabalho: se te pagam mal, você não fica contente. Mas para conseguir que você, todo dia de manhã, vá trabalhar contente, é preciso que a empresa intua esse compromisso interior de vencer no seu funcionário. Eu vi muitos esportistas profissionais que tinham isso muito forte, o compromisso interior de vencer.Brasileiros – Que tipo de jogador é esse inserido na era global? Que tipo de procedimento ele tem de ter para estar dentro desse novo conceito de clube de futebol em uma esfera global?F.S. – Entender de futebol. Futebol é uma linguagem comum. Eu vi no Barcelona e em outros clubes, jogadores diferentes e que se entendiam na linguagem do futebol, que é uma linguagem universal. (O jogador) Não deveria se preocupar com as diferenças culturais, porque no campo se esquece de tudo.Brasileiros – Você acha que isso não importa?F.S. – Não importa. Existem, claro, algumas coisas básicas de educação. Mas cultura de trabalho você tem ou não tem. Depois disso, a linguagem do futebol é universal.Brasileiros – Vamos falar um pouco da tua experiência de cinco anos no Barcelona. Quando você chegou lá, em 2003, o clube estava na décima terceira posição do ranking mundial de clubes. Depois de algum tempo, chegou à primeira posição. Quais foram as medidas mais importantes que vocês tomaram para atingir essa posição?F.S. – Foram várias coisas. Mas, se eu tivesse de escolher, destacaria duas: a primeira, o foco no produto. Quando você tem um clube de futebol, o que se vende é futebol. E um bom futebol se faz com bons jogadores, que jogam bem, que vencem, e tal. O foco principal do clube deve ser no seu produto, que é o jogador. Então, é sobre ele que o clube deve reservar suas atenções. A segunda coisa é a profissionalização total. É ridículo que clubes de futebol que têm força econômica e um valor emocional grande dos seus torcedores, às vezes, sejam geridos por pessoas pouco profissionais. Por que o diretor de marketing ou financeiro de um clube de futebol não pode ser do mesmo nível que um diretor de marketing ou financeiro de uma Coca-Cola? Então, essa profissionalização dos clubes é primordial hoje.Brasileiros – A violência dos torcedores nunca esteve tão próxima dos clubes de futebol em todo o mundo. Além disso, há jogadores dando péssimos exemplos fora de campo, afetando não só as suas imagens, como as dos seus clubes…F.S. – Isso é um trabalho que o técnico tem de fazer com seus jogadores, porque eles levam a imagem do clube com eles. Além disso, são líderes e exemplos para muitas crianças e jovens. Por isso, o comportamento deles tem que de perfeito também fora de campo, mas sabemos que nem sempre é assim. O trabalho do técnico é buscar a disciplina dos jogadores fora de campo também, não só para o bem do time, mas principalmente, para o bem das crianças e dos jovens que os têm como modelos. Uma vez estava falando com Arsène Wenger, treinador francês, que dirige o Arsenal, e ele me disse: “A cadeia é longa. O treinador, mesmo que ele não jogue, tem de ter uma vida de esportista profissional para que os jogadores tenham uma vida de esportistas profissionais e para que eles sejam fonte de inspiração para as crianças e jovens”. Acredito que o exemplo dos jogadores dentro e fora de campo sirva como antídoto contra a violência dos torcedores.Brasileiros – Mas você não vê isso acontecendo na prática?F.S. – Vejo sim. O problema é que a mídia sempre se concentra nos casos mais polêmicos dos torcedores e dos jogadores, nos maus exemplos deles. Temos casos de comportamentos exemplares de jogadores e de torcedores na Europa e no Brasil.Brasileiros – Então, nesse caso, jogadores com postura polêmica fora de campo estão perdendo espaço dentro desse novo conceito de futebol globalizado?F.S. – Estão perdendo espaço. Os técnicos cada vez mais estão querendo jogadores comprometidos e com comportamento de acordo com essas instituições. Hoje em dia, o futebol é tão global que jogadores com comportamentos ruins podem afetar até a imagem do clube.Brasileiros – Na terça-feira (11), saiu a lista dos jogadores brasileiros convocados para a Copa da África. Você deve ter escutado algo, já que a imprensa não falou de outra coisa. Um dos nomes mais esperados para convocação era do jogador Adriano, do Flamengo, que acabou ficando fora do grupo. Muitos analistas de futebol atribuíram a não convocação ao comportamento do jogador fora de campo…F.S. – Eu não conheço esse caso particular. Quando o técnico, nesse caso o Dunga, chama o jogador, não está chamando o jogador individual, e sim uma equipe. Uma equipe que tem de ter um equilíbrio. Às vezes, algumas pessoas com qualidades técnicas individuais para estar no time não ficam bem dentro do equilíbrio que o técnico procura para a equipe, Nesse caso, temos de confiar no técnico. Ele sabe não só que jogadores individuais querem, mas sobretudo que grupo ele quer.Brasileiros – Você que trabalhou cinco anos no Barcelona, que avaliação faz do técnico Dunga?F.S. – Não tenho conhecimento suficiente para avaliá-lo. Além disso, os técnicos se julgam pelos resultados. Agora não podemos falar muito. Vamos esperar dois meses e saber se ganhou ou não a Copa (risos).Brasileiros – O que espera da sua seleção nessa Copa da África?F.S. – O time da Espanha mudou muito, não é? Uma coisa incrível, porque a Espanha passou tanto tempo sem ganhar nada e depois ganhou o (campeonato) europeu e agora tem um time espetacular. Se a Espanha tem chances de ganhar uma Copa, com certeza será essa. Mas vamos ver.Brasileiros – O Brasil pode cruzar com a Espanha nas oitavas de final…F.S. – Seria um jogo interessantíssimo.Brasileiros – Seria digno de final de Copa do Mundo…F.S. – Podia, podia. Vamos ver.Brasileiros – Você atualmente não está ligado a nenhum clube de futebol?F.S. – Não, não mais. Vai ter eleições no Barcelona em 13 de junho e eu estou em uma das diretorias que estão concorrendo.Brasileiros – Em que cargo?F.S. – A coisa funciona da seguinte forma: você tem de apresentar uma diretoria, com pelo menos 15 pessoas. E concorre com outras diretorias. Meu cargo não foi decidido ainda, mas obviamente minha função será na área econômica ou de gestão.Brasileiros – Se você tivesse que dar um único conselho para um clube, qual seria?F.S. – Eu acho que para o futuro, para os próximos anos, mais e mais, os melhores clubes serão os que tiverem categorias de base. Futebol com crianças, onde os clubes irão ensinar a elas como elas devem jogar. A história nos ensina que mesmo os clubes que podem comprar jogadores, isso só não é suficiente. Eles (os clubes) precisam ter categorias de base para ensinar as crianças a jogar e cultivar a filosofia dos clubes.Brasileiros – Tem algum clube no Brasil que adota esse conceito?F.S. – O São Paulo tem uma estrutura de base muito forte. Os clubes que têm essa estrutura de base forte são os que vão ter sucesso no futuro.
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