O homem que não virou suco

Parece que as imprevisibilidades da vida deram uma forcinha na carreira de Rui Ricardo Diaz, Diaz com “z”, como ele mesmo ressalta na entrevista que concedeu com exclusividade para o site da Brasileiros, no anexo do Espaço Unibanco, localizado na Rua Augusta, em São Paulo. Ele conversou durante quase uma hora e falou, entre outras coisas, da experiência em viver Luiz Inácio Lula da Silva, o líder sindical do fim dos anos 1970 e da sorte de ser escolhido pelo diretor Fábio Barreto, depois que o ator Tay Lopez não pôde fazer o papel por problemas de saúde. Quando o diretor viu o teste que Diaz havia feito para o papel de um metalúrgico, o escolheu. “Cara, isso foi incrível, porque eu fiz um teste para outro personagem, por meio de minha agência, só que o Fábio (Barreto, diretor do filme) viu o teste e me convidou para fazer o Lula. Tinha feito o teste para um papel bem pequeno e Fábio viu e achou que eu poderia fazer o papel do Lula, e isso foi um presente”, disse ele, no início da entrevista. Ator criado e formado no Teatro (fez teatro no colégio e se formou no Tuca – o teatro da PUC-SP), ele está na profissão há 15 anos. Hoje, aos 31 anos, o ator tem a chance que muitos almejam na carreira, de viver um personagem marcante e forte, que pode ser um divisor de águas na profissão. Claro, também há o risco do personagem, dadas suas fortes características, marcar em definitivo a carreira do ator daqui para frente. “As pessoas poderão falar que foi eu quem fez o Lula no cinema, mas é obrigação minha construir outros personagens e procurar outros trabalhos diferentes que virão. Quero poder ter outras possibilidades de construção como ator, outras formas de vida, outras inteligências, outras sensibilidades. Não tenho medo de ficar marcado por esse personagem, porque sou ator antes de tudo”, responde, com convicção. Com vocês, o ator que não virou suco…
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Brasileiros – Vamos conversar agora com Rui Ricardo Diaz…
Rui Ricardo Diaz – Diaz com “z” (risos)
Brasileiros – (risos)…

Brasileiros – Vamos falar um pouco sobre tua carreira. Como foi o início?
R.R.D. – Eu comecei com teatro muito cedo, tinha 14 para 15 anos, aqui em São Paulo. Primeiro na escola. Comecei fazendo teatro na escola e depois fui estudar. Fiz uma série de cursos livres e fui fazer o Tuca, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Quando terminei o curso no Tuca fui fazer faculdade de Belas Artes e estudei um tempo em Londres, Inglaterra, mas isso já agora recentemente. Faço teatro profissionalmente de uns dez anos para cá, fazendo espetáculos, e a minha base toda é o teatro.

Brasileiros – Como surgiu essa oportunidade de fazer Lula. Estrear no cinema com papel de protagonista e personagem real?
R.R.D. – Cara, isso foi incrível, porque eu fiz um teste para outro personagem, por meio de minha agência, só que o Fábio (Barreto, diretor do filme) viu o teste e me convidou para fazer o Lula. Tinha feito o teste para um papel bem pequeno e Fábio viu e achou que eu poderia fazer o papel do Lula, e isso foi um presente.

Brasileiros – O teste foi para que papel?
R.R.D. – Um sindicalista que não lembro nem qual era, mas era um personagem bem pequeno e aí o Fábio, como eu falei, me convidou para fazer o Lula.

Brasileiros – Como foi a preparação e qual o maior desafio para compor o personagem Lula?
R.R.D. – O maior desafio era conseguir fazer de verdade. Chegar na verdade emocional, entende? Era conseguir viver todos aqueles momentos, aquelas pequenas e grandes tragédias. Pequenas tragédias, como, por exemplo, a tragédia da pobreza, do desemprego. As grandes tragédias; a perda da primeira esposa e do primeiro filho. E tudo isso da forma mais intensa e verdadeira possíveis. Mas foi bacana e espero ter conseguido fazer bem feito. Batalhamos para fazer de forma verdadeira, verticalizando na questão emocional. Essa foi a coisa mais difícil para mim.

Brasileiros – O que você leu para fazer o personagem do Lula?
R.R.D. – Eu basicamente li o livro da Denise Paraná (o livro Lula, O Filho do Brasil, foi lançando em 2002, pela editora Perseu Abramo, 528 páginas) que é a biografia, mais vi uma série de vídeos. Tudo que tinha de documentário sobre o Lula: as coisas do Tapajós (o filme Linha de Montagem, de Ricardo Tapajós, fala sobre a mobilização e organização dos operários do ABC que resultaram nas greves, na fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), além da projeção política de figuras como Luiz Inácio Lula da Silva entre outros). Vi o filme do Leon Hirszman (o documentário ABC da Greve), do Eduardo Coutinho (o documentário Peões). Tudo que tinha de imagem do Lula, que chegou a mim, fui vendo.

Brasileiros – Vi uma entrevista da Glória Pires com você, em que o repórter lhe pediu para imitar o Lula, mas você disse que não sabia imitá-lo. Isso mostra que sua composição do personagem buscou, acertadamente, outras referências?
R.R.D. – Quando o Fábio me convidou para fazer o filme, disse-me o seguinte: “Olha, Rui eu não quero nada de caricato, de imitação. Quero alguém fazendo de verdade esse personagem”. Eu não estava preocupado, enquanto ator, enquanto construtor daquele papel, em fazer a voz do Lula ou ser o Lula. O Lula (o filme) que estreará no dia 1º de janeiro de 2010 é muito do Lula que eu vejo, da minha forma de vê-lo. É claro que tive de engordar para poder me aproximar fisicamente dele, buscar um gestual, até um pouco da voz, porque ele tem um jeito de falar característico. Mas, tudo isso com muita sinceridade e não era o mais importante. Eu tinha de ser discreto. Então, se alguém me pedir para imitá-lo, vou dizer que não sei fazê-lo. Sou um ator e não um imitador. Tinha que fazer do meu jeito de vê-lo e, principalmente, de conseguir viver com intensidade, cada momento daqueles que ele passou, das perdas e das transformações.

Brasileiros – Entre várias cenas emocionantes do filme, muita gente comenta da cena do estádio, onde Lula, sem microfone e sem som, fala para 80 mil operários. Em entrevista, você disse que uma das cenas mais difíceis de fazer foi a do hospital, quando ele recebe a notícia do médico que sua primeira esposa e seu primeiro filho haviam morrido. Essa cena tem uma carga emocional muito forte. Foi esse fator que a tornou mais difícil?
R.R.D. – São muitas cenas difíceis. A história do cara parece brincadeira, parece ficção. Essa cena do estádio foi muito difícil de fazer. Nós estávamos falando de alguém muito carismático discursando. Capaz de prender aquelas pessoas que estavam ali. Ele tem uma capacidade de apreensão grande, ele é muito articulado. Então, eu tinha de buscar de alguma forma, esse carisma, esse jeito de fazer. Por isso foi difícil. Muitas outras sequências do filme exigiram muito de mim e dos atores. Mas, em particular, falo dessa cena, que você cita na pergunta, da perda da primeira esposa e do primeiro filho, porque ele (Lula) era muito jovem, quando isso aconteceu. Demorou muito para ele se recuperar daquela tragédia. Eu precisava transportar isso para aquele momento no filme. Que dizer, fazer isso, foi muito difícil emocionalmente, foi muito pesado. Tinha de me emocionar muito, e eu não sou um cara que chora com facilidade. Tive de buscar de fato esse choro, porque o cinema pede, às vezes, essa coisa. Você tem de estar completamente entregue naquele momento.

Brasileiros – O cinema é uma obra do diretor, em que o ator não tem a noção do seu trabalho. O filme foi o que você esperava, quando estava fazendo as cenas? Foi em Brasília que você assistiu ao filme pela primeira vez (o filme abriu oficialmente o Festival de Brasília este ano)?
R.R.D. – Foi. Eu não tinha assistido ainda. O diretor Fábio Barreto até que preferiu que o elenco não tivesse assistido ao filme antes de sua exibição no Festival de Brasília. O filme é muito bonito, a fotografia é linda. O Fábio é sensível na condução do filme. Eu particularmente gosto muito do trabalho dele. Acho que conta uma história importante para nós, brasileiros. Ele deve alcançar as pessoas, que verão nessa história um pouco de cada um de nós, um pouco desse Brasil. Eu me reconheço um pouco naquela história. Eu me vejo brasileiro, naquele filme. Uma história brasileira antes de qualquer coisa. Uma história de superação. É um filme muito bonito. Gostei muito de tê-lo feito e gosto muito de assisti-lo.

Brasileiros – É teu primeiro trabalho no cinema. Um trabalho muito forte, um personagem muito característico. Você corre o risco de ficar muito marcado por esse trabalho. Como você processou e processa isso na sua cabeça?
R.R.D. – Eu acho que foi uma bela porta de entrada no cinema. Espero que esse trabalho me abra outros trabalhos. Gostaria muito de poder fazer outras coisas também. Sou ator e fiz muitos personagens. Faço teatro há pelos menos 15 anos. Já compus outros personagens, mas talvez esse seja o de maior dimensão. Ele varia muito emocionalmente. Numa hora ele está muito feliz e noutra hora em uma angústia profunda. Esses picos de felicidade e de tristeza, essas intensidades, talvez eu nunca tivesse feito em outro trabalho. Mas compus e construí muitos personagens no teatro. As pessoas poderão falar que foi eu quem fez o Lula no cinema, mas é obrigação minha construir outros personagens e procurar outros trabalhos diferentes que virão. Quero poder ter outras possibilidades de construção como ator, outras formas de vida, outras inteligências, outras sensibilidades. Não tenho medo de ficar marcado por esse personagem, porque sou ator antes de tudo.

Brasileiros – Qual o papel do ator na sociedade?
R.R.D. – Do ator?

Brasileiros – Sim.
R.R.D. – Acho que são muitos. A gente não pode desvincular a arte da discussão da sociedade. A arte precisa discutir. A grande arte do ator talvez seja o teatro, mas eu me senti muito à vontade fazendo cinema. Quero poder discursar mais nesse veículo, que é o cinema. O ator tem como objetivo levar para as pessoas emoção e, acima de tudo, reflexão.

Brasileiros – Falando especificamente do filme, de como ele tratou algumas passagens da vida do Lula. Houve muitas críticas no tocante à maneira como o filme retratou algumas passagens da vida do Lula, emoldurando-as, inclusive omitindo fatos de sua vida que pudessem denegrir sua imagem?
R.R.D. – O filme se baseou no livro de Denise Paraná, que tem mais de quinhentas páginas. Não dava para colocar tudo lá, teria de ser uma minissérie. Como toda história real que vira filme, tem de ser suprimida. Por isso, algumas passagens do Lula tiveram de ser deixadas de lado, mas não com o intuito de emoldurar sua vida. O filme não é político, como muitas pessoas disseram. O filme é sobre a história de um brasileiro. A pergunta que parte da imprensa deveria fazer é o seguinte: “Quem é que está pegando carona na popularidade de quem?”. Ponto. Esse que deveria ser o questionamento. Eu não quero entrar nesse assunto, mas é assim. O Lula não depende desse filme para absolutamente nada. Ele nem é candidato.


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