Resumo da parte anterior: Marius Albertus, Procuratore e Detectivoram, no ano de 34 d.C., é chamado ao palácio do governador romano Pôncio Pilatos, em Jerusalém. O romano pede a ele que prenda um sujeito que se diz “filho do Homem” e está desestabilizando a economia do Império Romano em toda a Judeia. Transforma água em vinho, multiplica os pães, cura leprosos, ressuscita mortos, entre outras barbaridades. Os sindicatos dos vinicultores, os plantadores de uvas, de trigo, os padeiros e as multinacionais farmacêuticas estavam em polvorosa. Parece ser o fim do Império Romano. O “filho do Homem” precisa ser localizado, julgado, condenado e sabe-se lá mais o quê. Pôncio esperava o pedido, o preço do detetive para a empreitada. Chegaram a um acordo.
Marius Albertus – Me pagaria o que pedi. Não seria nenhum governador italiano que ganharia a barganha com um judeu. E já sai dali com alguma grana no bolso para as pri- meiras necessidades. Fui direto para a “Esquina do Pecado”, como era conhecia a confluência da Avenida Rio Nilo com a Alameda Nabucodonosor. Ali tudo se sabia.
Brasileiros – Mas o senhor começou perguntando para as pessoas?
Marius Albertus: Não, assuntando. Eu tinha as minhas fontes. Logo de cara, ou melhor, depois de duas garrafas de vinho, um sarraceno já foi me informando que ele – o filho do Homem – era filho do Zezinho Carpinteiro e da dona Maria Doceira.
São José e a Virgem Maria?
Sei lá. Fui lá. Era uma carpintaria muito bem ajeitada. Bati na porta, a dona Maria veio atender, muito simpática, ali pelos cinquenta e tantos. Seu marido lixava umas cadeiras.
– E anda depressa, Zé, que a mulher vem pegar as quatro cadeiras logo, logo. Deixa de ser molenga. – Virou-se para mim. – Pois não? Doces, coxinhas ou é assunto de carpintaria? Estamos muito ocupados hoje.
– Posso entrar?
– Já disse, moço.
– Na verdade, estou procurando o filho de vocês.
Ela se irritou:
– Meu filho, meu filho!
Seu Zezinho irritou-se mais ainda:
– Nosso filho, nosso filho!
– Não vamos começar essa discussão de novo, Zezinho! – E, olhando para mim. – O que foi que ele andou aprontando desta vez?
Dona Maria fazendo o sinal da cruz:
– Outro dia andou por cima das águas, o senhor acredita? Um capetinha esse menino. Mas sim, o senhor está atrás dele por quê?
– Eu sou da Receita Federal.
Seu Zezinho relaxou:
– Então, não tem problema porque sempre pagamos tudo direitinho. Cinquenta por cento do que nós ganha- mos vai para Roma, não é Maricota? – Nem me diga. Mas o menino já declara imposto? Ele não tem emprego fixo, que eu saiba. Sabe de alguma coisa, Zezinho?
– Aqueles pães do casamento foram doação, né? Os vinhos, tudo dentro da lei, né?
Eles não paravam de falar, eu cortei. – É que ele tem restituição do ano 33.
Na hora entregaram o ouro. Falar em restituição de Imposto de Renda com judeu é abrir as portas. Ele: – O senhor vai ali no final da Avenida Quéops e tem uma pedicure. A loja chama-se Madalena – Atriz, Modelo e Pedicure. Se tem alguém que pode saber onde anda o menino é ela.
Dona Maria:
– O senhor podia aproveitar e fazer o pé. Tá meio cascudo. Mas não vai levar nem um doce de leite, coxinha de camelo, nada?
Seu Zezinho foi me levando até o portão da rua:
– Você vai encontrar ele fácil, fácil. Ele é a minha cara.
Quando cheguei, vi que o lugar da Madalena – Atriz, Modelo e Pedi- cure era mesmo coisa fina. Quando disse que queria fazer o pé com a Madalena, me perguntaram se eu tinha marcado hora.
– Ah, meu senhor, então só na semana que vem. Mas temos aí várias meninas, muito boas.
Coloquei uma moeda forte na mão dela. E ela:
– Mas sempre se pode dar um jeito, não é, doutor? O senhor pode se sentar ali. A dona Madalena é aquela loira. O próximo pé é o seu.
Peguei uma Veja tão velha que falava das Diretas Já. Fiquei ali, lendo sobre o Ulysses. Não o de Homero, nem o de Joyce. Um político brasileiro. Em 5 minutos, meus calejados pés estavam nas macias mãos de Madalena, exuberante loira de olhos verdes. – Preciso de uma informação. Dinheiro não é problema.
– Aqui não se vende informação, senhor. O dinheiro não é a nossa necessidade. Nossa necessidade e o que pregamos é o amor. Se quiser, podemos estar falando do amor. E não é esse amor carnal que o senhor pode estar a pensar. É o amor entre as pessoas. Deus. Jesus.
– É esse aí. O Jesus. Dizem que é filho do Homem, né?
– O senhor vai só cortar e fazer as cutículas ou vai estar pintando também? Estamos com um esmalte que acaba de chegar de Betania, transparente, sua mulher vai adorar. Podemos estar colocando nos seus dedos.
Coloquei cinco daquelas moedas que tinha entregado para a recepcionista em cima da mesinha. Sem nem me olhar, ela pegou e colocou dentro do sutiã.
– Primeiro, me diga o que quer com ele.
– Devolução do Imposto de Renda. Ele não tem residência fixa.
– Isso lá é verdade. Cada dia está num morro, numa cidade. Pregando. – Pregando? Pregos?
– Pregando as palavras do Pai dele. – Seu Zezinho Carpinteiro?
– O Pai Divino.
E apontou com o dedo indicador para o teto. Eu olhei para o teto e não vi nada de diferente. Aí, houve uma gritaria na rua, todo mundo foi para a janela ver, inclusive eu, pulando em um pé só. Era uma passeata do MSL (Movimento dos Sem Lepra), porque, mesmo curados, ninguém queria dar emprego para eles.
Voltamos, ela acabou de fazer os meus pés. Devo reconhecer, pare- cia com o pé da minha mulher. Ia ter outra discussão. Como é que se explica para uma esposa quando se chega em casa depois de um dia de trabalho com os dedos do pé pinta- dos com esmalte de Betania? E não era tão transparente assim. Ia dar merda em casa.
Mas para compensar ela me deu o endereço de um tal de João Doleiro. Esse era o homem e eu poderia acertar com ele mesmo o imposto a restituir de Jesus. Que tinha gente da turma da pregação que investia com o João Doleiro. O João Doleiro iria me ajudar. Era de confiança.
***
No próximo – e último – capítulo, saiba como Marius Albertus chegou até Judas Iscariotes. Dali, foi um pulo para chegar a Jesus, justamente quando todos – inclusive Madalena – estavam posando para Leonardo da Vinci fotografar a Santa Ceia. Marius Albertus participou do evento. Mas, antes, teve de se explicar com a esposa Úvula Uvulorum que porra de esmalte azul calcinha era aquele.
Deixe um comentário