O Hurtmold é demais

Desde que Los Hermanos se separou, o barbudo sério Marcelo Camelo, um dos líderes do grupo ao lado de Rodrigo Amarante, tem seu nome ligado à Mallu Magalhães e ao Hurtmold. Camelo namorou Mallu, uma garota cantora de 16 anos. Mas o caso que mantém com o Hurtmold, grupo paulistano com 11 anos só de carreira, é dos mais sérios. Caetano Veloso, que há tempos segue as pegadas de Camelo, já citou o grupo duas vezes em seu blog, e na descrição do show que assistiu no Canecão carioca decretou, “Hurtmold é muito bom” – o que ecoa “os Mutantes são demais”, que sussurrou em “Eles”, música de seu disco de estreia, parceria com Gilberto Gil, em um longínquo e sargent pepperiano 1967.

E faz mais de uma década hoje que os irmãos guitarristas Mário e Fernando Cappi, o tecladista Guilherme Granado (vibrafone e escaleta), o baixista Marcos Gerez e o baterista Maurício Takara (vibrafone e trompete) se juntaram para fazer um som – o percussionista Rogério Martins (clarineta) só entraria no grupo em 2003. Nexo, trocas e rock and roll. Porque o som do Hurtmold, palavra inventada, se baseia em tocar e criar. Criar tocando, tocar criando, algo para esse lado. Perguntei para o filho de um amigo meu como é o som deles. “Bons músicos, boas sacadas, nada que o pessoal de Chicago já não tenha feito”, foi a resposta. Pessoal de Chicago? Entendi o pessoal que subiu de New Orleans e encontrou a eletricidade. E ele, “não, Chicago Underground, Jim O’Rourke, que tocou com o Sonic Youth, Tortoise, que tocou com Tom Zé, The Eternals, que tocou com… Hurtmold”.
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Tocou, não. O sexteto tem quatro discos lançados, Et Cetera (2000), Cozido (2002), Mestro (2004) e Hurtmold (2007). Em 2003, dividiu um CD com… The Eternals, tipo dois em um, à maneira dos punks. O som? Na Wikipédia diz que é post-rock/math rock. Post-rock? Bem surgiu nos anos 1990, na trilha dos experimentos de Miles Davis, etc. (sem trocadilho). Math rock? É anterior, mistura hard core, punk rock, rock, rock progressivo. Seria algo como Sex Pistols misturado com Genesis? Deixa para lá. Simpáticos, Maurício, Guilherme e Mário respondem, “põe aí que a gente é uma banda de rock”. Que alívio. Afinal, depois que os Beatles enfiaram uma gaita em “Love Me Do” e nenhum músico de estúdio foi chamado para ajudar, Chuck Berry entrou em aposentadoria. Remunerada.

Segundo eles, o trabalho com Camelo é uma extensão do trabalho do Hurtmold, que se sente melhor como banda de apoio, embora arranjar as músicas do ex-Hermano, encontrar uma forma de tocar ao vivo para eles funciona do mesmo jeito de sempre. A ideia surgiu no fim de 2007. O Hurtmold havia aberto vários shows do Los Hermanos e era citado sempre nas entrevistas dos astros. Foram convidados para participar de uma faixa do disco solo de Camelo pelo próprio. A faixa virou quatro e em seguida rolou uma turnê estreada em setembro do ano passado, no Festival Coquetel Molotov em Pernambuco, e que se prolonga até hoje. Situação confortável para um grupo de amigos. Guilherme e Mário estudaram juntos. O pessoal se encontrava no estúdio do Maurício Takara, que então tocava guitarra. O estúdio era o El Rocha, do pai dele, e seus irmãos são igualmente descolados, Fernando, baixo do CPM 22, e Daniel Ganjaman, do coletivo Instituto. Já no primeiro ensaio, o quinteto começou a compor. Improvisar. Do jeito deles. Fernando na bateria, Maurício na guitarra. Certo dia, o primeiro compôs uma música com uma frase de guitarra complicada e teve de tocar. Trocaram de lugar para sempre.

Para se entender o Hurtmold é preciso seguir o caminho inverso do improviso jazzístico, que parte de um tema. No caso deles, os instrumentos é que precisam encontrar um lugar no que está rolando. O baixo é fundamental, mas não hierarquicamente. O caminho é mais percussivo. Um roçar de palheta nas cordas sugere. Takara diz, “a guitarra pode fazer linha de baixo, pode ficar sem tocar meia hora e depois dar apenas uma nota e sair de novo”. Não há muito ego envolvido, garantem. Em 11 anos nunca ninguém chegou e disse “fiz uma música e é assim, assim”. Alguém tem uma ideia e a maioria das vezes não leva a lugar algum, às vezes leva. Só é estranho saber onde acaba e começa. Muitas vezes só se sabe na hora de editar, quando ainda estão mexendo. E mesmo gravada, não sabem se a música está definida. Vai tocar ao vivo e sai diferente. Segundo eles, mais do que fazer disco, show, turnê, o barato é tocar junto.

E por falar em Chicago, tem um trumpetista de lá que está morando aqui, o Rob Mazurek, que toca com o Hurtmold, o Camelo e tem um grupo com Guilherme, Mauricio e Richard Ribeiro, chamado São Paulo Underground, com CD e tudo (The Principle Of Intrusive Relationships). Mazurek morava em Brasília em 2003, ouviu falar do Hurtmold, entrou em contato, se cruzaram em Belo Horizonte e desde então… som. Uma troca, ele com a experiência, tem 43 anos, eles com a gana. Takara tem um trabalho solo assim como Granado – o Bodes e Elefantes. Mário desenha e é autor de várias capas do grupo e de amigos.

E no mais é estar aberto para ouvir. Como disse Mário, já que eles não ganham dinheiro, é importante estar feliz no palco. No começo havia algumas músicas cantadas. Com o tempo a ênfase é no instrumental, mas ninguém parou para pensar nisso. O Hurtmold toca no Brasil inteiro, em outros países, são reconhecidos, o público pede música. Eletrizaram o Pelourinho baiano recentemente. Há um público. Mas às vezes eles sequer se lembram das tais músicas pedidas. Tentam ensaiar e acabam criando outra.

O Hurtmold é demais.

www.myspace.com/hurtmold
www.myspace.com/flubio (Guilherme Granado)
www.myspace.com/bodeseelefantes (idem)
www.myspace.com/mtakara
www.myspace.com/robmazurek
www.myspace.com/marcelocamelo
www.myspace.com/eternalsthe

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