O inseto e a hidrelétrica

Logo que folheei as primeiras páginas das provas enviadas pela José Olympio, tive a sensação de que Em Alguma Parte Alguma vai causar o mesmo impacto que Poema Sujo nos tempos da ditadura. Não parei mais. Poesia é fácil de ler, o livro acabou logo. E deu vontade de ler novamente. Um romance é leitura demorada, ao fim, é como ter vencido uma batalha. Lê-se uma só vez e nunca mais. Pensava em tudo isso ao telefonar para Ferreira Gullar. Ele próprio atendeu… no Rio? Em São Luís? Em algum ponto do universo… “Alô, Gullar!”

Brasileiros – Gullar, primeiro o seguinte: parabéns! Coleção de poemas impecável… todos frescos, não é?
Ferreira Gullar –
Sim.

Brasileiros – Todos novos… maravilhosos… que safra maravilhosa…
F.G. –
Muito bem.

Brasileiros – Você ficou contente também?
F.G. –
Estou contente de ouvir o que você está falando.

Brasileiros – Eu estou com o livro aqui… Queria falar de alguns poemas com você… esse, por exemplo: “o que se foi/se foi/se algo ainda perdura/é só a amargura…
F.G. –
A amarga marca…

Brasileiros – Perdão, estou sem óculos… “a amarga marca/na paisagem escura./Se o que foi regressa/tem um erro fatal: /falta-lhe simplesmente ser real./Portanto, o que se foi/se volta é feito morte/então por que me faz/o coração bater tão forte?”. Quando você escreveu esses versos?
F.G. –
A data exata eu não sei. Eu tenho as datas, mas não estão aqui comigo. Já faz alguns anos que eu escrevi. O livro foi escrito entre 1999… Na verdade, entre 2000 e 2010, 2011… 2010… O último poema foi escrito no final de 2009 e outro em 2010.

Brasileiros – Você escreve à mão?
F.G. –
Na maioria das vezes, eu escrevo à mão. Depois, passo para o computador, tiro provas, fico corrigindo já no computador. O poema vai acontecendo à medida que eu escrevo. Em geral, eu tenho uma ideia… uma emoção… uma reflexão, depende do que é o tema. E começo a escrever de forma natural. Se o poema não existe ainda, então você não sabe o que ele é. Ele é o que vai ser. Ninguém sabe o que é antes. O poema é uma invenção que lida com o acaso e com a necessidade. São os dois fatores que fazem as coisas acontecerem. Eu tenho uma ideia do que eu quero dizer… Se é alguma coisa sobre o jasmim que eu senti à noite, na casa da Claudia, quando eu ia saindo, eu tenho a sensação daquele momento (me invade as ventas/no limite do veneno/assim de muito perto/esse aroma rude é um oculto fogo verde/(quase fedor)/que me lesiona as narinas). Como eu vou expressar isso, eu não sei. Começo a escrever. Uma página em branco tem todas as possibilidades, o que é terrível porque são todas. Quando você põe a primeira palavra, os primeiros versos, já reduzem as probabilidades, vai ficando mais cômodo, porque já é menos vaguidão, menos incerteza e vai construindo, pouco a pouco. Na verdade, fazer o poema é reduzir o acaso e ir criando aquilo que vai se tornar necessário.

Brasileiros – Adorei o “Bananas Podres”.
F.G. –
Ah, sim. Têm vários.

Brasileiros – Estou com o “Bananas Podres 3” na minha frente. Fiquei impressionado como você conseguiu transformar uma cena nada poética em poesia.
“Um vidro de perfume! Foi mesmo?
O enfermeiro Josias me contou.
– Então ela era virgem pro vidro ficar engatado.
– Foi atrás, rapaz! Disse meu pai às gargalhadas. Tu não estás entendendo!”

Brasileiros – Você estava naquela quitanda?
F.G. –
Meu pai tinha essa quitanda e eu ia para lá ajudá-lo e, ao mesmo tempo, ficar lá quando não ia ao colégio. Os caras ficavam lá tomando cachaça ou meladinho, que era cachaça com mel de abelha… conversando… E, aí, a evocação que eu faço é desse ambiente… Enquanto isso, as bananas vão apodrecendo no fundo da quitanda. É essa mistura de coisas…

Brasileiros – O diálogo, que poderia ser chulo, tornou-se lírico…
F.G. –
O assunto é brabo. Eu não podia usar a expressão clara do que eles estavam conversando.

Brasileiros – Mas está claríssimo…
F.G. –
Isso aconteceu mesmo. A dona meteu o vidro de perfume… Eu tinha uns nove, dez anos.

Brasileiros – E essas coisas não somem da memória…
F.G. –
Claro. Aliás, esse assunto das bananas podres sempre volta. O primeiro “Bananas Podres” eu fiz em 1980, no livro Vertigem do Dia. No mesmo livro tem também o “Bananas Podres 2”. Passou um tempo, escrevi “Bananas Podres 3, 4″… É um tema que volta, não depende de mim. Um crítico reclamou: “Esse livro tem dois ‘Bananas Podres’”. E daí? Braque pintou 300 naturezas-mortas; Morandi pintou 300 naturezas-mortas sobre o mesmo tema. O que importa não é se são dois poemas, mas se o poema é o mesmo, se é igual ao outro, ou se acrescenta alguma coisa… Mas tem gente esquisita… Não importa se é banana ou não é, se é a primeira ou a segunda vez. Eu não iria escrever um segundo poema sobre as bananas podres se não tivesse necessidade de dizer alguma coisa que não disse no primeiro.

Brasileiros – Nessa época da quitanda, você já conhecia o Sarney?
F.G. –
Não, ele foi meu amigo da juventude. Ele tem a minha idade, com diferença de meses…

Brasileiros – Oitentinha…
F.G. –
Ele fazia uma revista literária com o Bandeira Tribuzi e eu fazia uma revista literária com o Lago Burnett. E a gente se encontrava na Praça João Lisboa e tomava umas e outras no Moto Bar, sempre por ali, sou amigo dele desde essa época até hoje, nunca deixamos de ser amigos. Os anos passaram e continuamos amigos. Temos opiniões diferentes, mas isso não altera a amizade que temos um pelo outro. Eu não vou botar fora uma amizade por discordâncias políticas.

Brasileiros – Você acha que ele escreve bem?
F.G. –
Ele é escritor. Quando perguntam sobre a literatura dele, eu elogio, porque é a minha opinião verdadeira.

Brasileiros – Eu também gosto de ler suas crônicas na Folha. Mas tem gente que acha que, por causa do lado político, ele não pode ser um bom escritor…
F.G. –
Tem gente que fica com raiva dele como político. Não tem nada a ver uma coisa com a outra, política e literatura. O sujeito pode ser um bom político e um mau escritor e vice-versa e pode ser um bom escritor sendo bom político ou não. Ele escreve bem. Ganhou a projeção que ele ganhou, é uma pessoa inteligente.

Brasileiros – O ofício do poeta é esquisito. Não existe poeta profissional. Nenhum poeta vive da poesia. O poeta pode ser profissional?
F.G. –
Não. Não pode. A poesia é uma coisa aleatória. Eu não posso dizer: “Vou escrever dez poemas até o fim do mês”. Eu não posso dizer que vou escrever um poema amanhã. Se forçar a barra, não presta. Se tentar forçar a barra, vai escrever bobagem. O poema nasce da necessidade… Nasce de um espanto. Eu estou normal, vivendo a minha vida e de repente acontece alguma coisa que me espanta. Ou que é uma revelação. Pode ser a coisa mais banal, como no poema “Acidente na Sala”. O osso que bate no ilíaco… Ai, caralho, eu tenho dois ossos dentro de mim! (movo a perna esquerda/de mau jeito/e a cabeça do fêmur/atrita/com o osso da bacia/sofro um tranco). Todo mundo sabe que tem esqueleto, mas saber é uma coisa e sentir é diferente. Não é saber na teoria, é sentir que dentro de você tem dois ossos, assim como tem nariz… pele… e que batem um no outro sem você querer. Eu sou esse osso ou não sou? Osso pergunta ou não? Quem pergunta? Existe outro cara aí dentro além do osso? E aí começa uma maluquice que nasceu de um osso bater no outro.

Brasileiros – A maluquice também está no título do livro. Em Alguma Parte Alguma. Ou seja, um lugar que não existe.
F.G. –
Em alguma parte é algum lugar. Parte alguma é nenhum lugar. São as duas coisas juntas. Em alguma parte, que é parte alguma…

Brasileiros – Que não existe… “O Inseto” é muito bom. “O inseto é mais complexo que um poema. O inseto é mais complexo que uma hidrelétrica”.
F.G. –
Imagina! É muito mais complexo que uma hidrelétrica. É claro!

Brasileiros – Vai construir um inseto!
F.G. –
Ele tem o mistério da vida, que a hidrelétrica não tem. A hidrelétrica, se sabe quem fez, como fez. Ele, não se sabe. Ele é o mistério da vida. Primeiro, eu tinha pensado isso e cheguei até a fazer uma palestra, cheguei a falar isso, o poema ainda não estava escrito, eu falei na palestra, que o inseto é mais complexo que uma hidrelétrica. O pessoal riu… “Esse cara é maluco!” Aí, eu pensei: “Vou fazer um poema, não vou ficar falando isso à toa”. Porque eu vivo pensando coisas. Eu pensei que era verdade, o inseto é mais complexo porque tem uma coisa chamada vida dentro dele, e isso é mais complexo que tudo.

Brasileiros – Agora, o que me dá uma certa vertigem são teus poemas sobre o universo. (Sei, de ler, que o universo/é de tais dimensões/que a própria luz o atravessa/depois de bilhões e bilhões/de anos, e que nele há/multidões de galáxias e sóis/que talvez já morreram, antes/de chegar essa luz até nós.) Não gosto de pensar que estamos em uma bola que gira, prefiro pensar que estamos numa terra plana e parada! Eu não gosto de pensar no universo…
F.G. –
Nem eu! Você deve ter reparado que esses poemas sobre o universo procuram afastar o universo da gente.

Brasileiros – Você também tem medo desse infinito?
F.G. –
Tenho horror! Tenho horror! O universo é um troço assustador. E eu cito Pascal. O silêncio eterno aterroriza. O universo é um terror. Eu só conheço do universo a luz que entra na minha sala. O resto, eu “tô cagando”. Outro poema que eu escrevi: “meu gatinho, quanto dura uma estrela?”. Eu “tô cagando” quanto dura uma estrela, eu quero saber quanto dura você, meu amigo… de olhos azul-lilás. Não quero saber das estrelas… Nada a ver com estrelas.

Brasileiros – Os poetas antigos – e até os atuais – costumavam tomar aditivos para escrever. Um pernod… haxixe… maconha… ácido… Você usa algum aditivo?
F.G. –
Não. Imagina! Eu já sou bêbado de saída, por mim mesmo. Não preciso de aditivo nenhum.

Brasileiros – Vai a palo seco?
F.G. –
A palo seco! Esse troço é uma ilusão. O cara pensa que vai escrever poesia com alucinógeno… Vai escrever bobagem.

Brasileiros – Mas alguns poetas usaram ou ainda usam…
F.G. –
Pode crer que não foram os melhores poemas os que eles produziram quando estavam alucinados. Uma vez, eu estava dormindo, sonhei com um poema, eu estava maravilhado, acordei e escrevi. Era uma bobagem. Porque o cara não tem capacidade de avaliar. Quando você está doidão, tudo é maravilhoso. Quando, na verdade, é uma merda. O que é maravilhoso no ser humano é a consciência, não é estar delirando. Isso é bobagem. Isso é coisa de índio! Esse negócio de droga é coisa de índio, de nego primitivo… Nego mascando folha, da época em que a humanidade era só floresta, é uma coisa muito antiga. É a cultura do índio, ele mascava a coca… Estava pirado e achava que era uma coisa divina. O índio não tinha noção de nada, do consciente, do subconsciente… O que é lamentável hoje, no século XXI, é alguns cretinos acharem que isso é uma grande conquista. E ainda querem legalizar tudo isso. Vai ser um desastre completo! Imagina a hora que legalizarem isso. Porque já tem milhões e milhões de pessoas metidas nisso. Nenhum pai vai ter autoridade para dizer ao filho: “Não cheira coca”. Eu estou dentro da lei. Você é que não está. Vai tomar banho! É uma maluquice isso, não tem cabimento nenhum.
Brasileiros – A “Toada à Toa” é a mais bonitinha. “A vida, apenas se sonha/que é plena, bela ou o que for/por mais que nela se ponha/é o mesmo que nada pôr”.
F.G. – Não é isso?

Brasileiros – É isso que as crianças deveriam recitar nas escolas e não “Batatinha quando nasce”. Aliás, acho que Batatinha quando nasce fez muito mal à poesia brasileira…
F.G. –
Mas as professoras não têm essa noção.

Brasileiros – Elas não têm acesso. Muitas vezes, nem sabem que existe Ferreira Gullar. E agora ficou mais difícil, porque tem o duplo do Gullar… “Foi-se formando/a meu lado/um outro/que é mais Gullar do que eu”.
F.G. –
O duplo que eu falo é essa ideia de que existe um outro Gullar que é público, que anda por aí, sem culpa, sem nada, e totalmente fora de controle. Tem o meu rosto, mas não sou eu. É igual a mim, só que não sou eu.

Brasileiros – Me diga uma coisa: por que o Brasil é uma terra de tantos poetas e se lê poucos livros de poesia?
F.G. –
Eu acho que no resto do mundo não é muito diferente. Um pouco mais em alguns países, um pouco menos. A poesia não é popular, é um tipo de expressão literária mais requintada, consequentemente atinge um público menor. Não é como um romance. Um romance sempre tem, por melhor que ele seja do ponto de vista literário, uma aventura dentro, é um entretenimento, conta uma história com a qual o leitor se identifica. É uma coisa próxima dele. O poeta fala de coisas às vezes incômodas, coisas que intranquilizam e não é um divertimento, é refletir sobre a existência, isso nem sempre encontra o interesse das pessoas. Algumas pessoas se identificam com isso e até se sentem bem participando disso, lendo poesia, e outras que não se interessam, ficam perturbadas, preferem não se envolver com isso. Ela se torna necessária em alguns momentos da vida, para qualquer um, se ele estiver vivendo um momento que não seja a banalidade de todo o dia, alguma coisa que se revelou, ele encontra na poesia a expressão daquilo que ele jamais pensou que estivesse ali, sobre as quais é preciso refletir.

Brasileiros – Mas quando um poeta ganha o Prêmio Camões, é sinal de que a poesia não atinge tão poucos assim.
F.G. –
Tão importante como o prêmio foi o fato de como as outras pessoas receberam essa notícia, a maneira como me cumprimentaram por eu ter ganhado, como se elas tivessem ganhado também. Não era apenas eu. Nós ganhamos. Isso me deu uma grande alegria. Eu senti identificação delas comigo, elas se sentiram orgulhosas. As pessoas se identificaram comigo, se sentiram premiadas. “Você não sabe como eu sinto orgulho”, como se fosse minha irmã, meu pai, meu amigo mais íntimo, até na rua, pegaram minha mão fervorosamente: “Pô poeta, tô contente, tô feliz”. Então isso é legal.

Brasileiros – É que você ficou muito conhecido por causa do seu cabelo comprido, tão peculiar… Você é um poeta popular brasileiro.
F.G. –
Eu tenho preguiça de cortar. Eu só corto em último caso. Quando eu acho que está comprido, vou ao meu cabeleireiro, sempre o mesmo, que é um excelente cabeleireiro e aí eu corto, quando eu acho que está demais.

Brasileiros – Você virou sinônimo de poeta. É o maior poeta brasileiro.
F.G. –
Estão dizendo isso. Não sei por que, mas virou.

Brasileiros – Porque tem esse livro, por exemplo, que é, para mim, o lançamento do ano.
F.G. –
Com a notícia do Prêmio Camões, a editora Maria Amélia Mello, da José Olympio, me ligou para dizer que os meus livros estavam esgotando todos, estão preparando novas edições. Tem um mês o Prêmio Camões. Outra edição de Barulhos, Poema Sujo, Toda Poesia… Em Portugal, a Editora Babel fez um contrato comigo para lançar toda a minha obra. Já lançou o Poema Sujo, vai lançar Toda Poesia e todos meus livros, um atrás do outro e inclusive meu livro novo. Estou surpreso!

Brasileiros – A poesia pode ser de elite, mas minoria são milhões.
F.G. –
São seis bilhões de pessoas no mundo. Quem vai escrever para seis bilhões? Eu não vivo em uma cidade de seis milhões de habitantes, eu vivo em uma cidade de 30 amigos. Não conheço um milhão de pessoas, nem meio milhão. Isso é um número, existe, mas é abstração, é uma abstração, na vida real você convive com um número reduzido de pessoas. Tem de acabar essa ideia de que tudo é gigantesco, tudo são milhões.

Brasileiros – A poesia tem espaço em veículos fora o livro, na internet, na TV… Cinco minutos de poesia na TV não fariam mal a ninguém. Mas tem de ser boa poesia. O que não pode é mostrar poesia medíocre só por ser poesia.
F.G. –
Tudo tem de ser o melhor. Esse negócio de baixar para igualar com o que está por baixo não conduz a nada. O que é bom, é bom. A natureza é injusta. Tem de buscar justiça em outro nível. Igualar por cima. Se tudo é medíocre, tem de fazer igual? Isso é uma coisa grave.

Brasileiros – Mas a mediocridade é geral. Os brasileiros são ótimos em música, mas no rádio só se escuta porcaria.
F.G. –
É horrível! Eu já parei de ligar o rádio, só vem besteira. Difícil aparecer alguma coisa que valha a pena. A mediocridade é incrível. Essas coisas não são determinadas. Veja a quantidade de talentos na música brasileira nos anos 1930. Noel, Lupicínio, Francisco Alves, Pixinguinha, João de Barro… Há momentos que favorecem a formação de talentos e outros não. Você fica besta com a quantidade de talentos nos anos 1930. Depois, há uma caída. Só na bossa-nova há um surto igual de grandes talentos. As coisas são assim, ninguém sabe como isso acontece. A França no fim do século XIX reuniu a maior geração de talentos da pintura, Manet, Monet, Cézanne, Picasso, Braque. E depois não surgiu mais ninguém. Até hoje. Como explicar isso? São fatores aleatórios.

Brasileiros – A vida é aleatória.
F.G. –
O que há de acaso na vida é incalculável. O fator fundamental da vida é o acaso. Mas o acaso só prevalece se coincidir com as tuas necessidades. Se não coincidir, não dá certo. Eu só encontrei a Claudia porque eu fui a Frankfurt, em 1994. Até a véspera, eu não ia, mas fui. Encontrei a Claudia, e ela mudou a minha vida. Eu podia encontrar com ela e não acontecer nada. É preciso que haja dentro de cada um a necessidade do outro. Mas que o acaso é um fator fundamental, não tenha dúvida.

Brasileiros – Eu achei incrível o que você disse quando nosso amigo Edwaldo Pacote morreu. Quando o sujeito morre, parece que ele nunca existiu…
F.G. –
Para ele, ele nunca existiu…

Brasileiros – Quem morreu nunca sabe que morreu. Sempre fica aquela dúvida. Só os vivos sabem que o cara morreu.
F.G. –
Claro, não sabe. Porque a consciência apaga antes de ele saber.

Brasileiros – Só os vivos sabem da morte.
F.G. –
Claro. Concordo com você. A morte para quem morreu não existe. A morte existe para o outro… Eu estava um dia na Funarte, cansado, exausto, aí eu cochilei um minuto. A secretária me chamou: “Presidente!”. Eu pensei: “Eu podia não ter acordado mais. E ter acabado. E o Gullar jamais saberia que eu tinha existido”. Eu penso isso. A morte existe para o outro. Para quem está vivo. Para quem vai, não existe.

Palavras na serra


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