O jeitinho brasileiro de ocupar fronteiras: com escolas

Enquanto a maioria dos países continua pensando que a melhor estratégia para manter suas fronteiras internacionais reside na doutrina da Segurança Nacional, baseada na construção de barreiras físicas, como muros e cercas, e no uso do poderio bélico das Forças Armadas, tanques e polícia para conter o tráfico de drogas, armas e gente, o Brasil pode ter a oportunidade de demonstrar sua capacidade de inovação, criando uma nova forma humanística de integração social de pontos críticos das suas imensas fronteiras com países sul-americanos. Trata-se do programa Escola sem Fronteiras, proposto pela Associação Alberto Santos Dumont para Apoio à Pesquisa (AASDAP), entidade sem fins lucrativos responsável pela gestão do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra e do futuro Campus do Cérebro da cidade de Macaíba (RN), que se encontra em fase final de análise pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, Ministério da Educação e pela Presidência da República. Com base na experiência educacional desenvolvida pela AASDAP, com 1.400 crianças da rede pública de ensino das cidades de Natal (RN), Macaíba (RN) e Serrinha (BA), o programa Escola sem Fronteiras visa estabelecer, em 12 cidades fronteiriças espalhadas do Rio Grande do Sul ao Amapá, Centros de Educação Científica Infanto-juvenil. Em cada um desses CECs, metade dos alunos seria de brasileiros e a outra metade de crianças do país sul-americano vizinho. Da mesma forma, metade do corpo docente seria formada por professores brasileiros e a outra metade por colegas sul-americanos do país fronteiriço.

Como regra geral, todos esses 12 CECs utilizariam o método científico como principal ferramenta pedagógica para introduzir crianças sul-americanas ao pensamento crítico e a verdadeira cidadania continental por meio do ensino prático, em Português e Espanhol, dos grandes conceitos da ciência em laboratórios modernos e bem equipados, cercados do amor incondicional e da ousadia sem censura que caracteriza a amalgamação das doutrinas de Paulo Freire e Santos Dumont em um único currículo libertador e sem limites. Nesse mesmo ambiente, essas crianças tomariam contato com a história e cultura milenar latino-americanas, ao som das línguas de seus ancestrais.

Valendo-se da mesma crença que o amor incondicional e o protagonismo educacional podem operar verdadeiros milagres em qualquer escola, em qualquer lugar do mundo, o objetivo maior do programa Escola sem Fronteiras não será simplesmente identificar talentos científicos ou futuros pesquisadores. O que muita gente ignora é que, em um ambiente educacional como o proposto aqui, os talentos científicos afloram naturalmente, como aquelas flores de cactos que só precisam de algumas gotas de chuva para desabrochar.

Na realidade, o objetivo central desse programa é promover a inclusão e a integração social de povos e suas culturas riquíssimas que, durante os últimos cinco séculos, foram forçadas, inicialmente, pelo processo de colonização europeia e, posteriormente, pela falta de desejo e visão de suas elites, a crescerem se dando as costas, quase que ignorando uns aos outros, como se todos nós não pertencêssemos a um mesmo solo, banhado por um mesmo céu.

Depois de tantos conflitos, de tantas revoluções, quem poderia imaginar que um processo de integração dos corações e mentes sul-americanas poderia começar nas bancadas, nos microscópios, nos telescópios, nas pipetas e nos laboratórios de robótica? Sem falar nas leituras e encenações teatrais das palavras dos cientistas, artistas, poetas e escritores que poderão ocorrer em localidades como São Borja, Foz de Iguaçu, Corumbá, Cruzeiro do Sul, São Gabriel da Cachoeira, Tabatinga. Daqui para frente, a expressão “do Oiapoque ao Chuí” poderá descrever o roteiro que une a América do Sul pela educação científica.

Falta a aprovação final, faltam um sem número de detalhes, mas cresce a certeza de que não há nada mais que nos impeça de unir essa tão sofrida, mas sempre tão esperançosa América do Sul por pontes de educação e ciência.

Simón Bolívar, quem diria, hoje vestiria um jaleco branco e declamaria a Tabela Periódica com os olhos marejados de emoção!

Nicolelis no Seminários Brasileiros Miguel Nicolelis participa do seminário “Inovação – o Brasil na Rota do Desenvolvimento Científico e Tecnológico”, que será realizado no dia 26 de setembro no Hotel Tivoli Mofarrej, em São Paulo. O cientista, que recentemente lançou a obra Muito Além do Nosso Eu – A nova neurociência que une cérebro e máquinas, será um dos palestrantes do evento. Além de Nicolelis, o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação Aloizio Mercadante e uma série de especialistas da área da Ciência e Inovação irão ministrar apresentações. A Brasileiros realiza desde abril uma programação de seminários com o objetivo de promover o debate e a reflexão de grandes temas de interesse nacional, como “Rumos da Economia Brasileira” (abril), “Fundos de Pensão” (maio) e “Infraestrutura, Urgências e Estratégias” (junho). A entrada é gratuita e as vagas limitadas. Mais informações sobre o Seminários Brasileiros no www.seminariosbrasileiros.com.br.


*Paulistano e palmeirense de nascença, é professor titular de Neurobiologia e codiretor do Centro de Neuroengenharia da Universidade Duke, na Carolina do Norte (EUA) e idealizador e diretor do Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lily Safra em Natal (RN). Faz parte do Conselho Editorial da Brasileiros


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