“O jogo só termina quando acaba”

O cientista político André Singer fala sobre o contra-ataque ao impeachment, o futuro do lulismo e da democracia. Foto: Hélio Campos Mello
O cientista político André Singer fala sobre o contra-ataque ao impeachment, o futuro do lulismo e da democracia.         Foto: Hélio Campos Mello

O cientista político André Singer recorre ao dito popular para afirmar que o lulismo saiu tão machucado de 2015 que corre o risco de morrer. Ressalva, porém, que a partida ainda continua e que o governo Dilma Rousseff está de pé. Para ele, não há base para o impeachment presidencial. Caso aconteça, pode provocar caos social.

Singer está convencido de que falta consistência ao pedido de impeachment da presidenta Dilma Rousseff. “Não existe nenhuma evidência de que ela tenha cometido qualquer crime, seja comum, seja de responsabilidade”, afirma Singer. Conhecido pelas análises consistentes que faz da política brasileira contemporânea e, em particular, do lulismo, o cientista político acredita que, se o impeachment se concretizar, o País corre o risco de entrar em um prolongado período de instabilidade social. “Não estou dizendo que, se o impeachment for bem-sucedido, a democracia vai acabar. Não vai. Nossa democracia está suficientemente consolidada para resistir a isso, mas vai ser arranhada.”

Para Singer, é absolutamente legítimo o desejo de uma parte da sociedade de colocar um ponto final no governo Dilma Rousseff. O que ele contesta é o uso de recursos ilegítimos para alcançar esse objetivo. Assim, o cientista político defende a mobilização dos que são contra o impeachment, independentemente da posição de cada um no espectro ideológico. Uma de suas preocupações com o futuro imediato do País diz respeito à gravidade da situação econômica, que continuaria a mesma, caso ocorresse mudança no comando do Planalto pela via do impedimento: “Espero que as piores previsões não se confirmem, mas, em um País que ainda tem desigualdades enormes, isso produz uma ameaça de caos social que não deveríamos correr”, diz. “O Brasil não deveria correr esse risco.”

Porta-voz do governo Luiz Inácio Lula da Silva entre 2003 e 2007, Singer é filiado ao PT, embora tenha participação bissexta nas atividades partidárias. Convidado a integrar o conselho de notáveis que o PT montava para ajudá-lo a enfrentar a crise, Singer preferiu atuar de forma alternativa, por achar que tem “mais contribuição a dar fora do que dentro” do partido. “No meu trabalho como intelectual, preservo a mais completa independência.” Diante do cenário turbulento e da dificuldade do partido em responder à sociedade, o cientista político acredita que até o ex-presidente Lula corre o risco de perder sua base social: “O lulismo foi tão machucado pelo que aconteceu em 2015 que pode morrer. Mas ele não morreu. O jogo ainda não acabou.”

Brasileiros – Qual a gravidade da crise?
André Singer – Tem dois pontos agudos. De um lado, a questão democrática. Do outro, a econômica. A questão democrática é que, se chegar a ter sucesso, essa tentativa de propor o impedimento da presidente da República sem uma base consistente vai criar uma instabilidade institucional no Brasil. Vai arranhar a democracia brasileira. Não equivale a 1964, porque foi um golpe militar, que instalou uma ditadura. Não vejo esse tipo de perspectiva no horizonte. Mas o que está se tentando fazer é um golpe branco, que usa uma figura constitucional existente, o impeachment, para finalidades que não são próprias.

Por que o pedido de impeachment não é consistente?
Porque não existe nenhuma evidência de que ela tenha cometido qualquer crime, seja comum, seja de responsabilidade. O que existe é a vontade de uma parte da sociedade de interromper o governo. Essa vontade é legítima. Em uma democracia, não se pode condenar que uma parte queira isso, mas usar meios ilegítimos para conseguir é algo que atenta contra a democracia. O que está se tentando fazer é uma espécie de parlamentarismo remediado. Ou seja, não gosta do governo, interrompe o governo.

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