O legado de Gancia: arrogância e preconceito

Atualizado às 22:20. Favor ver notas “Em tempo” no final deste post.

Os leitores do Balaio são testemunhas de que que evito polemizar com outros blogueiros e colegas jornalistas neste espaço, mas não poderia ficar calado depois de ler a coluna de Barbara Gancia na Folha desta quarta-feira (25).

Sob o título “O legado de dona Marisa Letícia”, esta senhora de tradicional família paulistana investe contra a primeira-dama do país com toda a arrogância e preconceito que sua posição social lhe permite.

É sempre assim: quando não se tem mais nada para falar contra o presidente Lula, ataca-se a sua família.

Colunistas mundanos e seus leitores adoram falar da mulher e dos filhos do presidente, sempre com o nariz empinado, olhando de cima para baixo, como se estivessem dando um pito ou um conselho.

A internet está infestada de injúrias, falsas denúncias e baixarias contra membros da família Silva – pelo simples e bom motivo de que uma pequena parcela de membros da elite brasileira, e alguns pobres coitados de espírito, simplesmente não se conformam com o fato de Lula e Marisa habitarem, faz mais de seis anos, o Palácio da Alvorada.

Desta vez, o gancho para Barbara Gancia liberar seus instintos menos nobres foi a primeira-dama ter se divertido com o marido no Sambódromo do Rio. Qual é o problema? A mulher do presidente da República deveria ter ficado em casa lavando louça e cuidando dos netos?

Sou amigo de Marisa faz mais de trinta anos, desde os tempos em que Lula era apenas um líder sindical despontando na resistência ao regime militar. Ela sempre foi uma pessoa que gosta de Carnaval, festas juninas, reunir os amigos para um churrasco, como qualquer outra mulher de metalúrgico, que dedica sua vida a cuidar da família.

Nunca quis mais do que isso, além de dar conselhos ao hoje presidente da República e acompanhá-lo sempre, nos bons e maus momentos da vida, companheira de todas as horas, sempre preocupada com todos à sua volta.

Depois de um longo trololó sobre o seu “relacionamento assaz conturbado com o Carnaval” e seu “refúgio da folia no campo argentino”, Barbara Gancia pontifica:

“Ela não se manifesta sobre qualquer assunto, mesmo quando está escalada para falar a prefeitos ()”.

Escalada por quem? Ela não foi eleita, não ocupa qualquer cargo público, por que tem que se manifestar “sobre qualquer assunto?”

Muito compreensiva, escreve em seguida:

“Insisto: não há nada na liturgia do cargo que diga que a mulher do presidente não deva participar do Carnaval. Pode e deve. Uma “primeira-família” que se comporta como gente normal tem mais probabilidade de ser normal, não é mesmo?”

Aí, no antepenúltimo parágrafo, a colunista não se aguenta, e manda ver:

“Mas eu não queria ter voltado da Argentina para descobrir que dona Marisa deu “um trabalhão” à sua segurança particular no desfile da Sapucaí. Não queria tomar conhecimento de que ela “deu goles em copos de cerveja, cercada por amigos para que não fosse fotografada”. Não queria ter visto as fotos em que ela aparece descabelada e suada. Escracho não tem nada a ver com informalidade”.

É mesmo? Não queria mesmo? Que coisa absurda, não é mesmo, dona Barbara? Melhor mesmo seria ter ficado na Argentina com seus amigos que não suam nem se descabelam e não tomam cerveja no Carnaval.

E dá a sentença:

“Dona Marisa Letícia não foi à Sapucaí na qualidade de cidadã particular e não tem o direito de se esbaldar publicamente como se não ouvesse amanhã numa época em que o brasileiro comum vê seu emprego ameaçado pela crise”.

De onde se conclui, que para Barbara todos deveriam ter ficado em casa ou ido para o campo argentino esperando a crise passar.

A maldade fica para o último parágrafo, em que procura dar conselhos e fazer uma comparação ridícula com outra primeira-dama, de outro tempo e outro perfil, numa época em que os generais mandavam no país.

“Alô, dona Marisa Letícia! A senhora se lembra de Dulce Figueiredo? A ex-primeira dama também gostava de se divertir levando a alegria na base da inconsequência. E olhe só o legado que ela deixou. O de uma figura um tanto patética e deslumbrada que usava a posição do marido para se bacanar”.

Acho que ela queria escrever bacanear, mas não importa. Ainda não tinha lido num grande jornal nada parecido com isso, bem na linha do que ouço bastante nos lugares por onde ando aqui nos Jardins, onde moro, e leio nos lixos da internet. Ainda bem que Lula e Marisa não lêem Barbara Gancia. Fazem muito bem.

Em tempo:

fiquei sabendo agora, mais de dez da noite, que Barbara Gancia não gostou, claro, do que escrevi no post acima sobre a sua coluna na Folha e me deu uma esculhambada em seu blog. Tudo bem, é do jogo.

Em vez de responder a ela, para não alimentar esta polêmica e refrescar a sua memória e a dos seus poucos e raivosos leitores, reproduzo abaixo o que a própria Barbara Gancia escreveu a meu respeito em seu blog, no dia 16 de outubro de 2008, sob o título “Sobrou até para o Kotscho”:

“Por ter dito o que todo mundo pensa, o colega Ricardo Kotscho deve ter ultrapassado, a esta altura, o meu blogueiro predileto, Reinaldo Azevedo, em matéria de insultos recebidos.

Tenho grande admiração por Kotscho, que foi secretário de Imprensa de Lula. Além de ser um gigante como repórter, ele se destaca, sobretudo, pela integridade.

Já fui muito hostilizada dentro das Redações em que trabalhei por não comungar com o pensamento dominante de esquerda. Pois Kotscho, sendo quem é, sempre foi cordial e respeitoso no trato comigo.

Com ele não tem essa coisa de estrelismo, não. A maioria dos jornalistas de “grife” que conheço não se digna a conversar com comuns mortais. Com Kotscho não tem disso. No trato diário, ele dá a mesma atenção a todos, fala o que pensa e conta seus causos com a empolgação de quem acabou de ingressar na profissão.

Anteontem, ele criticou em seu blog a desastrada estratégia de campanha de Marta Favre, de cutucar a vida pessoal de Gilberto Kassab. E foi massacrado pelos internautas.”

Em tempo 2: alertado por Barbara, aproveito para fazer uma correção em meu texto. Onde se lê “senhora da tradicional família paulistana”, leia-se “senhora da fina flor da sociedade paulistana”. Dei-me conta de que, por uma diferença de quatro anos, minha família é mais tradicional do que a dela

Como chegaram mais de 270 comentários para este post, deixarei para responder aos leitores no balanço semanal do Balaio que faço aos domingos.

Bom fim de semana.


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