O caso Isabella expôs mais uma preocupação para a relação mídia e sociedade. Um caso de maldade extrema para com uma criança, que nos remete à fase primitiva da raça humana, a princípio poderia ser uma notícia de interesse para a esfera privada dos parentes e amigos envolvidos com o caso, mas foi tratada, potencializada e ampliada para toda a sociedade. Quatro dias após o fato, fui procurado (por força do ofício) pela TV Globo, que queria agendar uma entrevista com um pesquisador da instituição em que trabalho para que comentasse uma pesquisa relevante do ponto de vista jornalístico: 54 mil pessoas foram entrevistadas e concluiu-se que 43,4% da população adulta está com excesso de peso, o que pode causar inúmeros problemas de saúde pública.
Agendada a entrevista, mobilizados e deslocados funcionários da instituição, equipe de reportagem da TV Globo e o pesquisador a ser entrevistado, na última hora a equipe de reportagem foi deslocada para cobrir o “caso Isabella”. Eu também tenho uma filha chamada Isabella, de 6 anos, e tenho tentado protegêla das matérias sobre o caso para que ela não fique impressionada ou abalada emocionalmente. De nada adiantou, pois seus amiguinhos de escola, também expostos e desprotegidos frente à mídia sensacionalista, não paravam de comentar o assunto com ela. Isso me leva a avaliar a importância que tem a mídia em nossas vidas e qual o prejuízo que pode causar à saúde mental das pessoas, inclusive as crianças.
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Vivemos em uma sociedade do risco, como afirma o sociólogo alemão Ulrich Beck, e tentamos o tempo todo, como animais racionais que somos, proteger-nos por meio de mecanismos de promoção e prevenção de saúde, mas nossa sociedade contemporânea e globalizada, onde os conceitos neoliberais hegemônicos são propagados através de mecanismos ideológicos de Estado e privados, como os meios de comunicação, acaba criando novos riscos. Disseminam pela mídia, parceira do capital, comportamentos sociais que favorecem uma sociedade consumista e individualista, onde o que é valorizado é o que se possui. Atitudes que potencializam os riscos ambientais e sociais a que estamos expostos.
No caso Isabella, o comportamento da mídia dissemina ininterruptamente sentimentos de revolta, tristeza, preocupação, vingança – emoções causadoras de comoção em massa, tensão e estresse, que em nada contribuem para a saúde mental de nossa população. Uma pesquisa do Instituto Nielsen citada por Maria Lucrécia Zavaschi (A Televisão e a Violência) indica que as crianças norte-americanas viam em média de 21 a 23 horas semanais de televisão. Se mantivessem essa média, chegariam aos 70 anos tendo permanecido de sete a dez anos diante da tela. A situação das crianças brasileiras provavelmente não é muito diferente.
Também não é diferente outro aspecto – este mais grave – relacionado ao conteúdo da programação. Estima-se que, até chegar aos 18 anos, um jovem terá sido exposto a nada menos que 200 mil atos de violência exibidos pela televisão. A relação entre essa superexposição e o crescimento da violência entre os jovens tem sido motivo de discussão. Seria ingênuo creditar apenas ao mass media as causas da agressividade infanto-juvenil, mas é fácil deduzir que essa veiculação sensacionalista da mídia potencializa esses comportamentos. Não é exagero o meu temor de expor a minha Isabella ao “fenômeno midiático Isabella”, nem o pensar crítico sobre a influência da mídia sobre a educação e a saúde mental de nossos filhos.
Não cabe estabelecermos mecanismos de censura ou sermos rígidos em classificações etárias da programação. Propostas como a teoria da educomunicação, desenvolvida, entre outros, pelo professor doutor Ismar de Oliveira Soares, da ECA/USP, sobre uma “educação crítica para ler os meios de comunicação” como parte da grade curricular das escolas públicas contribuiriam para isso.
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