Algo picante une celebridades como o apresentador Fausto Silva, o restaurateur Massimo Ferrari e o presidente do Jockey Club de São Paulo, Marcio Toledo, dentre tantos outros: as lingüiças artesanalmente preparadas por Gijo, que há mais de 50 anos vive da produção de embutidos. “Eles provaram e aprovaram”, diz Gijo. Não são os únicos. A qualidade de sua produção ultrapassou os limites do bairro paulistano da Vila Mariana, onde está instalada sua loja. Dentre as celebridades internacionais que provaram seus embutidos, Gijo cita o papa João Paulo II e o ex-presidente francês Charles de Gaulle.
A qualidade é valorizada pela diversidade. Dentre os destaques estão alheiras, morcelas (chouriço feito de sangue e miúdos de porco), codeguins (feitas de pele suína), salsichas, lingüiças (de camarão e de frango), além de variedades de toscana e de calabresa – o carro-chefe. As receitas, guardadas a sete chaves, são incrementadas com ervas, provolone, parmesão, tomate seco, vinho e pimenta, muita pimenta. Não à toa, há calabresas batizadas de Dinamite e Urutu.
[nggallery id=15653]
O comerciante não revela o volume de vendas, mas o movimento na loja é constante. Nos finais de semana, a clientela enfrenta fila para ser atendida e se dispõe a pagar quase quatro vezes mais pelos produtos: o quilo dos embutidos de Gijo custa entre R$ 22 e R$ 48, enquanto produtos industrializados de marcas populares variam de R$ 6 a R$ 15.
Aos 75 anos, o brasileiro nascido Luiz Trozzi, no Bexiga, reduto da comunidade italiana, zela pessoalmente pela produção dos embutidos. “Só trabalho com matéria-prima de primeira qualidade”, conta. As lingüiças fabricadas durante décadas ali mesmo, em um canto do antigo açougue, agora estão a cargo do frigorífico Milano Biagio, no Ipiranga, fornecedor exclusivo de longa data. Tudo, é claro, sob supervisão de Gijo.
É ele quem escolhe os temperos, e as carnes. Os embutidos são revestidos exclusivamente com tripas, de porco ou de carneiro. “A tripa natural ressalta, preserva o sabor, além de ser mais saudável.” Depois de prontas, as lingüiças ainda passam por seu controle de qualidade, uma garantia para manter a excelência dos produtos. “Até a mudança de tempo interfere na manipulação”, explica.
Por conta desses cuidados, nunca teve ambição de expandir o negócio. Abomina a idéia de transformar toda a tradição adquirida numa franquia aos moldes do Habib’s. “Seria impossível manter a qualidade, operando nessa escala. Só tenho duas pernas, dois braços e dois olhos”, justifica.
A fama de sua produção ganhou a telinha. Na década de 1970, era habitué do quadro de culinária comandado por Clarice Amaral na TV Gazeta. Sentou-se também no sofá da Hebe e participou do Domingão do Faustão e, recentemente, do programa do francês Olivier Anquier. “Esse programa renovou a clientela”, conta, sem esconder o orgulho.
Viúvo há dez anos, Gijo tem três filhas, mora sozinho e mantém a rotina até na hora do lazer. Apaixonado por cavalos, freqüenta o Jockey Club aos domingos, único dia em que fecha a loja às 15 horas. Durante toda a semana, sua diversão é o trabalho, ao qual dedica 12 horas diárias. Após cumprir a caminhada matinal e assistir à missa na Igreja São Francisco de Assis, Gijo abre as portas da loja, às 9 horas, religiosamente, de segunda a segunda. “É preciso amor para tocar um negócio como esse.”
Ele herdou o gosto pela produção do pai, Domingos Trozzi, que trocou a Itália pelo Brasil em 1914, durante a Primeira Guerra Mundial. Foi no Bexiga que conheceu Giselda, com quem se casou. Da união nasceram três filhos. Gijo, o mais velho, ajudava o casal desde os sete anos no modesto açougue instalado no bairro. “Eu fazia entregas de bicicleta.”
Venda a fiado
Em 1935 o comércio foi transferido para a Praça João Mendes. Dezoito anos depois, em 1953, Domingos decidiu se aposentar e comprou para Gijo um pequeno açougue na antiga Rua da Saudade, atual Doutor Pinto Ferraz, onde está até hoje. Na época, lembra, vendia sempre fiado. O acerto era feito no final de cada mês. “O único juro que existia era ‘juro por Deus que vou servir a senhora sempre bem’”, brinca.
É assim, sempre alegre, com um acervo de piadas mais antigo que o próprio estabelecimento, que esse palmeirense recebe a freguesia. Conta com a ajuda de um único funcionário, Ângelo Leandro dos Santos, de 53 anos. Conhecido na comunidade italiana como “baiano de olho azul”, Leandro trabalha com Gijo há 34 anos. “Nunca tive outro emprego”, conta Santos. Não quis. A receita de viver bem aprendeu com o chefe. O devotado baiano declara amar o que faz.
Além da produção de embutidos, Gijo tem paixão por veículos antigos. Detalhe curioso é o orgulho que ostenta pelos carros que dirige. Além do Passat 78, “praticamente zero”, com 17 mil quilômetros rodados, Gijo gosta de dirigir seu lustroso Ford Landau, produzido em 1980, cuja placa leva as iniciais de seu nome, GIJ 0222.
UMA RECEITA DE GIJO | |
LINGÜIÇA COM LARANJA AZEDA E CONHAQUE • Colocar numa panela com azeite a lingüiça de sua preferência em gomos ou pedaços. • Fritar a lingüiça em fogo médio, pingando aos poucos o suco de laranja. • Mexer com uma colher de pau até ficar a gosto. • Jogar meia dose de conhaque, tampar por um minuto e servir. |
Um dos produtos mais apreciados pela clientela de Gijo é a alheira, embutido criado pelos judeus na Idade Média, para fugir da perseguição da Inquisição, em Portugal e na Espanha. “Naquela época, os judeus só tinham duas alternativas: converter-se ao cristianismo ou fugir”, diz a chef de cozinha Simone Chevis, do Centro de Cultura Judaica. A maior parte dos judeus, entretanto, simulava ter se convertido. O problema é que, por não consumirem lingüiça, por causa da carne de porco, acabavam sendo identificados pelos perseguidores e delatados por seus hábitos.
A saída então foi substituir a carne suína por uma variedade de carnes como vitela, peru e pato, embebida em massa de pão para dar consistência ao tradicional enchido e carregada de alho. A receita foi disseminada e ganhou o acréscimo da carne de porco nas preparações feitas pelos ibéricos. Geralmente são fritas em azeite e servidas com legumes cozidos. Gijo sugere servi-la assada, com uma salada de brócolis ao alho e óleo para acompanhar.
Outro subterfúgio para escapar da fogueira da Inquisição foi o kishke, uma lingüiça feita de tripa de cordeiro ou vitela, recheada com farinha, cebola e gordura de frango. Acredita-se que tenha partido desse embutido a inspiração para a alheira.
O mercado de alimentação casher – “válido” em hebraico -, que obedece a uma série de ritos religiosos, tem ganhado apreciadores. Um sinal é a movimentação no Centro de Cultura Judaica. Sob o comando de Simone, o que era para ser um simples almoço típico semanal vai se transformar em um restaurante aberto diariamente a partir de novembro.
Deixe um comentário