O modelo de Gisele

Quem entra no blog da brasileira Gisele Bündchen, a modelo mais bem paga do mundo, pode se decepcionar. Em vez de encontrar dicas de maquiagem, tendências de moda e segredos de como caminhar por uma passarela, vai se deparar com as últimas notícias do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), as controversas discussões em torno da Usina de Belo Monte e um relatório atualizado sobre a situação dos rios brasileiros. Uma discreta foto da modelo de jeans e camiseta em uma posição nada glamourosa – agachada, regando uma árvore recém-plantada -, reforça a ideia do conteúdo do site: como qualquer cidadã comum, Gisele está preocupada com o futuro do planeta. “Comecei a me engajar quando percebi a degradação que a natureza vinha sofrendo no mundo inteiro e a falta de consciência que havia em relação ao assunto”, diz ela.

Além de ter criado um blog verde e de ter mudado hábitos pessoais – no ano passado, ela lançou a campanha Tome uma Atitude, na qual recomenda, entre outras coisas, que se faça xixi no banho e se escove os dentes com a torneira fechada para evitar o desperdício -, Gisele abraçou a causa da água. Há dois anos e meio, ela e toda a família Bündchen estão à frente do Projeto Água Limpa, que tem como objetivo devolver qualidade à água do Lageado Pratos, o rio que banha Horizontina (RS), a cidade natal da modelo, localizada a 496 km de Porto Alegre. O Projeto faz parte de uma OSCIP, a Agência de Desenvolvimento Econômico e Social da Região Planalto Médio (ADES), com sede em Carazinho (RS), próxima a Horizontina. “Como a Gisele é muito do ambiental e estava inquieta, querendo fazer alguma coisa, a gente conversou e decidimos pela água”, afirma Valdir Bündchen, pai da modelo que comanda o Projeto. “Sei que temos inúmeros problemas para resolver e todos são de extrema importância, mas a água é o nosso bem mais precioso e é finito. Ela é indispensável para a nossa sobrevivência e não estamos tratando a questão com a devida atenção. É muito importante não esquecermos que este é o nosso mundo e, se cada um fizer a sua parte, podemos fazer a diferença”, diz Gisele.
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Tudo começou em uma noite de Natal. Era 2006, e a família estava reunida na casa de praia, na Costa Rica, quando surgiu a ideia. “Ao retornarmos para Horizontina, a comunidade discutia um projeto estratégico para o futuro do município nos próximos 20 anos, e a gente se candidatou para trabalhar a ideia na área da água”, conta Valdir. “Sempre acreditamos que, como família, deveríamos desenvolver algo em benefício comum, mas que também exigisse a responsabilidade de todos, não queríamos criar uma coisa paternalista”, completa.

O primeiro passo para desenvolver o Água Limpa foi contratar um consultor para fazer o diagnóstico do problema e elaborar o projeto. A Faculdade de Horizontina (FAHOR) indicou o professor e geógrafo Joel Tauchen, que entrou em contato com a ONG Ambiente Inteiro, que atua na região, e forneceu técnicos. Juntos, chegaram à conclusão de que, para atingir a missão proposta, seria preciso começar com a recuperação das margens do rio, com reflorestamento de 40 mil mudas de árvores – o que foi feito em 2009. “Nossa primeira dificuldade foi lidar com o conflito entre o Ministério Público e os agricultores que vivem na área. Houve um enorme enfrentamento. Mas conseguimos mediar o conlfito e reflorestar a região”, conta Valdir.

Em vez de desapropriar as terras onde pessoas moram irregularmente em Áreas de Preservação Permanente (APPS) há muitos anos, o Projeto propôs remunerá-las para cuidarem da nascente do rio. “Foi feito esse acordo, mas na hora de executar o trabalho os agricultores não cumpriram o combinado”, afirma. “É uma bela complexidade.”

Além de todos esses desafios, foi preciso ainda enfrentar os fenômenos da natureza. Após o plantio das árvores, vieram três grandes geadas. Devastadoras. “Pensamos: meu Deus do céu, perdemos todo o trabalho! Mas, para a sorte nossa, como eram árvores nativas, elas se recompuseram sozinhas”, lembra ele.

Mais que o reflorestamento e, posteriormente, a conservação do solo e o combate à poluição das águas, o Projeto pretende estabelecer uma mudança de cultura. Para isso, já atua nas redes de ensino pública e particular. O assunto está nas aulas de ciências e biologia para que professores levem seus alunos a campo para acompanharem o que está acontecendo. “Ainda é um projeto-piloto e estamos trabalhando muito para que dê certo. Mas é preciso que toda a comunidade esteja envolvida, pois não se trata apenas de uma mudança estrutural, mas uma mudança cultural, no estilo de vida”, diz Gisele.

Segundo Valdir, o modelo do Projeto Água Limpa foi inspirado na gestão de água feita pela França. “Lá, a água é precificada. Isso significa que se você precisar da água para plantar milho, por exemplo, vai pagar um valor, para consumo, outro. Assim, a França conseguiu dinheiro para arrumar todos os seus mananciais”, explica.

O custo do Projeto é uma questão importante para a família. Ele explica que, para a manutenção, a modelo tem de dispor de seus recursos pessoais. “Para tu teres uma ideia, o custo final de cada árvore é de R$ 16, incluindo plantio e manutenção. Se você se propõe plantar 100 mil, estará gastando R$ 1 milhão e 600 mil para reflorestar uma área pequenininha. Estamos falando de 7 mil hectares que é essa microbacia de 18 km, imagina o que é fazer a política pública ambiental deste País?”, questiona.

Embora toda a família esteja envolvida no Projeto, ninguém teve de largar suas respectivas profissões. Valdir, por exemplo, continua trabalhando com treinamento de pessoas, sua profissão há mais de 20 anos. Mas o envolvimento no Projeto é tanto que a casa dele e de sua esposa se converteu no escritório do Água Limpa e está se transformando em um modelo de sustentabilidade. “A casa onde moramos, construída há mais de 30 anos, é exatamente no meio das árvores, porque a gente gosta e acredita nisso. Então, são filosofias que você vai passando para os filhos que vão vivendo e vendo o exemplo”, diz Valdir. “É gratificante poder realizar esse projeto na cidade onde nasci e me criei. É um sonho que divido com a minha família que acreditou e abraçou essa causa comigo. Também sou grata a meu pai, que está tocando o projeto e ajudou a tornar isso realidade”, diz a modelo.

O sonho de realizar um trabalho com a comunidade de Horizontina é antigo. Ideia que levou Valdir para o curso de Sociologia há cerca de dez anos (ele graduou-se em 2005). “Em princípio, pensava em um projeto social, mas também queria conhecer mais a questão ambiental. Que bom que a gente achou um tema tão bonito e importante e que tem tanto a ver com o que a Gisele pensa”, diz.

A projeção do Água Limpa é que, em sete anos, a partir do início das ações do projeto, a água potável de Horizontina esteja recuperada. Como a maioria dos projetos sociais – e também ambientais -, a mudança já começou com a transformação de seus próprios idealizadores. “Acho isso aqui um sacerdócio. É como se você fosse um missionário. E a missão é realmente a gente fazer aquilo que acredita.” Se Gisele quer mesmo salvar o planeta, começar por Horizontina até que não foi uma má ideia.

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Comentários

Uma resposta para “O modelo de Gisele”

  1. Gostei muito do prjeto pois ajudou muito o meio ambiente!!!

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