O mundo analógico das revistas

As notícias de que a Editora Abril vai mesmo fechar as revistas Alfa, Gloss, Bravo! e Lola neste mês – e outras como Playboy, Contigo e Manequim podem entrar na lista – traz, de imediato, um lamento pelo prejuízo cultural que uma medida assim deixa no mercado. Assim como a Rede Globo, a história da Abril foi direcionada há mais de 60 anos dentro do conceito da qualidade e da excelência editoriais. Foi assim desde que Victor Civita (1907-1990) lançou o gibi O Pato Donald, em julho de 1950 – e que não se sabe se continuará a ser publicada. Dessas, Bravo! faz cair uma lágrima em especial porque era uma das nossas poucas revistas culturais com tradição e reputação, lançada há 16 anos e um espaço interessante de discussão.

Tive a oportunidade de escrever, quando trabalhava na Gazeta Mercantil, entre 1995 e 2003, uma série de reportagens sobre a editora e seu fundador, que resultaram no livro O Homem-Abril – Cláudio de Souza e a história da maior editora brasileira de revistas, publicado pela Opera Graphica, em 2005. Pude, na época em que se comemorou seus 50 anos (2000), pesquisar e entrevistar várias pessoas que ajudaram a construir a marca da árvore verde e o esforço em fazer o melhor – não vou entrar aqui em discussão sobre escolhas ideológicas em períodos turbulentos da história política brasileira feitas pela editora – sempre foi uma obsessão. Assim nasceram revistas como Realidade (1966) e Veja (1968) e assim deveriam ser conduzidas.

O fim dessas revistas vem num momento complicado do mercado editorial brasileiro, talvez o mais turbulento de sua história, uma encruzilhada que coloca em pontos antagônicos o admirável, temido, perigoso e ainda bem desconhecido mundo digital e as velhas formas de fazer jornais e revistas impressos que nossos olhos estão acostumados a ler. Tudo, ao que parece, aconteceu bruscamente, inesperadamente, e permite algumas reflexões para quem trabalha na imprensa ou faz revistas. A lição que se tira é aprender com o modo como a maior editora brasileira de revistas boiou num mar de icebergs nos últimos dez anos, exatamente como aconteceu há mais de um século com o navio de milionários Titanic, afundado com quase dois mil mortos porque a tripulação não viu um bloco de gelo pelo caminho.

O gelo é a Internet. E os múltiplos sentidos que esta frase permite visualizar. A Abril vem, há alguns anos, sem se definir que política de empresa ou editorial adotar diante da rede digital. Seu portal e sites demoraram a aparecer e nunca foram referências como fonte de notícia, como são Uol, Terra e G1. Não consolidou uma tradição. Não seduziu os internautas a tempo ou com eficiência. Ao mesmo tempo, deixou suas revistas definharem, de modo decadente e ladeira abaixo, sem qualquer renovação gráfica e editorial. O exemplo mais gritante disso é a Playboy, que já foi uma instituição nacional masculina e que perdeu sua importância jornalística ao trocar suas impactantes e históricas entrevistas por conversas fúteis com astros passageiros e pouco interessantes, principalmente do meio musical. E por abandonar as estrelas da TV por oportunistas fugazes de realities shows.

Só há o que lamentar nesse dia triste para a imprensa porque as notícias ruins podem não ter terminado aí. Perde o leitor e o próprio jornalismo. Sem as boas revistas da Abril, as bancas de jornais se tornam mais vazias de conteúdo, há muito infectadas por um jornalismo oportunista e irresponsável em boa parte dos títulos à venda. Que um radar encontre tempo de mudar o transatlântico de rumo. E ajude as boas editoras a não seguirem pelo mesmo mar.


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