O nó da gravata

Um grande amigo, homem de bom gosto, com sofisticada inteligência, casou-se no Rio em julho último. Decidiu que a casaca era o traje ideal para a cerimônia. Sabendo que eu não perderia a festa, pediu para trazer comigo uma camisa – com gola removível -, o colete e a gravata de piquê – de seda branca como manda o figurino -, e os botões de madrepérola. Escolheu modelos do catálogo da legendária Brooks Brothers, a loja que mais fez pela elegância americana desde sua fundação em 1818. Passei na venerada sede da Brooks, na Madison Avenue, mas, para minha surpresa, só encontrei gravatas borboletas de piquê com o nó já feito. Meu amigo não se casaria com uma falsa borboleta costurada por algum chinês: encararia o padre com a confiança de quem deu o nó na própria gravata. Indignado, andei meio quarteirão até a Paul Stuart, que em termos de tradição é uma arrivista, com loja montada há apenas 70 anos. Mas lá estava o modelo ideal, à espera dos laços que as mãos hábeis do noivo dariam tratos de requintado origami.

Comuniquei meu sucesso nas compras ao noivo. E ouvi como resposta o que seria no futuro um pesadelo e lição: “Mas eu não sei dar nó em gravata borboleta”, disse o amigo. Sem titubear tranqüilizei-o: “Não tem problema. Eu estarei ao seu lado e será uma honra dar o nó em sua gravata”. Minhas experiências com nós de gravatas têm suas histórias. Em meados dos anos 1990 fui entrevistar o cantor Julio Iglesias, antes e depois de um show dele, num cassino de Atlantic City. No camarim, o espanhol descia a língua num estilista belga, que fora contratado para ensinar o artista a fazer um nó Duke de Windsor. O problema é que o tal belga, de Windsor só conhecia o castelo. Intervi na hora e em poucos minutos ensinei Iglesias a dar um perfeito nó Duke de Windsor. De quebra, mostrei como fazer a covinha num Meio-Windsor, caso ele resolvesse encarar alguma platéia de modo mais moderno e descontraído. Lembro-me também dos anos passados sob a batuta do diretor de redação Mino Carta. Para ele existiam na escala medidora da incompetência de alguém dois marcos da mais chula inépcia. O fundo do poço era ocupado por indivíduo que, como ele dizia: “Não serve sequer para entregar uma parelha de cabritos no Natal”. Em seguida vinha aquele que “não sabe nem dar um nó numa gravata”. Com relação aos caprinos, não sei como me sairia, mas acho que, depois de algumas tentativas, eu seria capaz de levar os bichos à porta de qualquer freguês. Já no que se refere às gravatas, minha proficiência fora comprovada no dia-a-dia.

Cheguei ao Rio e entreguei a encomenda ao noivo. Ficou combinado que às 14h30 da tarde de domingo, dia do casório, eu iria à casa do amigo, faria o nó na gravata - que, insisti, seria manipulada com dedos devidamente limpos à base de detergente, para que os óleos da mão não encardissem o tecido branco. Pouco antes do horário marcado, já dentro do smoking que carreguei na mala como James Bond, tentei dar o nó na minha própria gravata. O resultado lembrava os volteios de uma forca. Após quatro outras tentativas lamentáveis, fui obrigado a absorver o duro golpe: havia me esquecido como se faz o nó numa borboleta. Convoquei minha mãe, pobre senhora de 83 anos, para servir de modelo. Quem sabe se no pescoço de outra pessoa a habilidade manual retornaria. Nada! Desesperado, corri ao concierge do Othon Palace, onde estava hospedada minha ignorância. Ele, sem muito constrangimento, comunicou que não sabia fazer o nó. Fui em busca de outros: no Copacabana Palace, no Sofitel do Forte, no W, no Fasano. Ninguém conseguiu me ajudar. Pedi ao taxista que me levasse ao Cassino da Urca, mas ele me disse que este havia fechado há várias décadas. O fato inconteste é que no Rio de Janeiro, somente o Jô Soares sabe dar nó em gravata borboleta. E ele não estava disponível. Cheguei a Ipanema humilhado e disposto a tomar a única atitude decente para um cavalheiro em tais ocasiões: reconhecer minha incompetência, como alguém que não serve sequer para entregar uma parelha de cabras no Natal. "Mas não se desespere", disse ao amigo, "encontrei com o Mario Garnero no Fasano. Ele certamente saberá fazer um borboleta". "Que nada! Falei com ele ontem e disse que você daria o nó na minha gravata. Ele se espantou e me perguntou 'o Osmar sabe dar nó em gravata borboleta?'", respondeu o amigo. Já suando como alguém à beira do enforcamento, num ato de coragem motivada pela vergonha, medi a tira de pano, aumentei o tamanho, coloquei sobre o pescoço do amigo, deixei dois centímetros e meio maior na ponta da direita do peito. Passei esta sobre a menorzinha e cruzei por dentro. Na ponta pequena fiz uma dobra já com os contornos de uma asa da borboleta. Passei a extremidade maior sobre esta asa e imediatamente fiz a volta por trás, com a outra asa se encaixando por dentro no vão criado nas costas da gravata. E voilà! Criei um espécime raro, que está à beira da extinção. Meu amigo casou com aquele nó que fiz. Eu o acompanhei ao altar, sustentando no próprio pescoço uma gravata pronta. Como um garçom de churrascaria. Não havia conseguido repetir o feito em mim mesmo.


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