O nosso homem de Marte

Domingo de sol, dia de festa com churrasco, cerveja gelada, todo mundo está feliz, mas Nilton Rennó tem uma preocupação: ele precisa descobrir uma maneira de inflar um balão meteorológico na atmosfera de Marte e garantir que não estoure quando entrar em contato com o solo marciano. A solução desse problema faria avançar consideravelmente as pesquisas sobre a existência de vida no Planeta Vermelho. E essas idéias de Nilton para a conquista de Marte custam, geralmente, alguns milhões de dólares para os cofres da NASA, órgão para o qual colabora há mais de uma década. É preciso ter moral para arrancar essa grana da agência espacial norte-americana. Nilton tem. Quando o assunto é Marte na NASA, é só chamá-lo.

Nilton Rennó nasceu em São José dos Campos, um dos principais pólos tecnológicos da América Latina, a 90 quilômetros da capital paulista. Ele nunca sonhou ser astronauta e nem sequer foi um entusiasta de Guerra nas Estrelas. Quando olhava para o céu, procurava não os astros, mas os aviões que partiam do Centro Técnico Aeroespacial da cidade. Aos 12 anos, já construía aeromodelos. Antes mesmo de tirar carta de motorista, já era íntimo daquele monte de instrumentos dispostos no painel dos aviões de verdade.

Mas paixão é paixão e sustento é outra coisa. Por isso, Nilton – que sempre estudou em escolas públicas – buscou uma ocupação mais certa. Formou-se em Engenharia Civil e do Meio Ambiente, com mestrados na Unicamp. Uma de suas teses já apontava para Vênus e avisava que no futuro a Terra também poderia sofrer de calor semelhante – isso muito antes de o aquecimento global ser um tema da moda. Esse estudo o levou para uma temporada no prestigiado Instituto Tecnológico de Massachusetts, o MIT, onde também fez mestrado em Ciências Planetárias. Não voltou mais. Depois de Vênus, o olhar de Nilton parou em Marte, uma verdadeira paixão avassaladora. “Estudo Marte há muitos anos. É um planeta bem simples, comparado com a complexidade da atmosfera da Terra”, conta Nilton para a Brasileiros.
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Ele é o conselheiro oficial para assuntos marcianos da NASA. Todos os projetos que partem rumo ao planeta, de forma direta ou indireta, passam pelas mãos do brasileiro. “Existem dois tipos de missões na NASA. As propostas pela própria agência e aquelas que nascem de experimentos de um grupo de cientistas de várias partes do mundo, do qual eu faço parte também. Em ambos os casos eu acabo participando, porque mesmo nas missões da NASA eu acabo sendo chamado para revisar o projeto e propor instrumentos necessários para que a missão seja bem-sucedida”, explica Nilton, sem esconder o sotaque norte-americano.

Em busca de água
Algumas das principais missões dos últimos anos contaram com o dedo de Nilton, como a recente Phoenix, que vai explorar a região polar do planeta e trazer gelo e água marcianos para a Terra. É mais uma experiência do projeto “Follow the Water” (Siga a Água), da NASA, em que Nilton tem participação importante. “A massa total de gelo da calota polar norte-marciana equivale à metade do gelo que existe na Groenlândia”, diz Nilton, dando pistas para onde seguiremos com nossos baldes na cabeça caso a água acabe por aqui.

Para 2009, Nilton está envolvido em um projeto em que um carrinho, o Mars Science Laboratory, inspirado no Mini Cooper da BMW, vai percorrer uma parte do planeta em busca de moléculas orgânicas que, se existirem, provam que é possível desenvolver vida em Marte. Essa missão custa nada menos do que US$ 2 bilhões.

E nas mãos de Nilton está, justamente, o momento mais complicado de todo o projeto. “A parte mais difícil de tudo em Marte é o pouso no planeta. Como não entendemos totalmente a atmosfera, tudo de errado pode acontecer. Esse momento é chamado de “seis minutos de terror”, que é o tempo que a nave leva para entrar na atmosfera e pousar. Como ela entra numa velocidade de 20 mil quilômetros por hora, a energia gasta para pousar é muito alta”, diz Nilton, sem perder a fleuma.

Não foi somente o entusiamo por Marte que arrebatou o coração de Nilton nos Estados Unidos. Lá ele conheceu Maria Carmem, professora de Ciência Política e grande autoridade mundial em Política Ambiental. Tem um filho, Lucas, apaixonado pelo espaço e consultor das palestras do papai. “Dia desses ele corrigiu uma informação que eu ia dar sobre a lua Titã em uma palestra”, diverte-se.

Com a autoridade de quem conhece o mundo fantástico da NASA, Nilton arrisca que em 2020 vamos estabelecer uma base permanente na Lua. Em Marte, 15 anos depois. “Nos estabelecermos na Lua será um estágio para a conquista de Marte”, anuncia, lembrando que uma viagenzinha da Terra até Marte demora 10 meses de estrada espacial. Mas não quer nem saber de teorias conspiratórias e papos sobre ETs marcianos parecidos com os dos filmes de ficção científica. Isso não cabe na cabeça do cientista.

Voar como os pássaros
Além do trabalho na NASA, Nilton é professor de Ciências Planetárias na Universidade de Michigan. Não fala em valores, mas olhar para o céu deve lhe garantir um bom salário, já que sustenta o seu grande hobby: voar de planador. Cada brinquedo desse custa, em média, US$ 200 mil. Ele tem alguns em casa. O último veio cheio de exigências e opcionais, coisa de engenheiro e construtor de aeromodelos. “É o mais próximo que o homem pode chegar de voar como os pássaros. Planador é interessante, também, porque você tem controle total sobre a máquina. Tudo está em suas mãos”, diz Nilton, que já foi campeão estadual em Michigan e marca presença em todos os campeonatos que pode.

Sua última vinda ao Brasil, em agosto, deveu-se justamente aos planadores. Ele veio participar dos 50 anos do Clube do Vôo a Vela, em Caçapava, cidade vizinha a São José dos Campos, um lugar cuja história se confunde com a de outros ícones da aviação na região, como o Centro Técnico Aeroespacial (CTA), o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e a Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer). Engenheiros e pilotos pioneiros, que trabalhavam nesses lugares no início de tudo, sempre foram aficionados por planadores. Para alguns, a paixão pelo mundo aeronáutico começou justamente por conduzirem esse tipo de aeronave. Há uma ligação especial: pilotos têm as melhores sensações da pilotagem num planador e engenheiros gostam dos projetos de suas linhas aerodinâmicas limpas. Esses aparelhos também já foram utilizados para muitas experiências com materiais compostos, como a fibra de vidro, que depois passaram a ser úteis na construção de aviões maiores. “A habilidade de quem controla um planador é fundamental para quem pilota aviões maiores também. Em caso de acidente, de perda de motor, planar pode salvar vidas e evitar tragédias maiores. Você fica íntimo da atmosfera”, ensina Nilton, que – nem precisa dizer – roubou a cena no churrasco de confraternização do clube. Não parece, mas as pessoas têm muitas dúvidas sobre Marte.

Ah! Nilton tem uma idéia de como inflar o balão meteorológico em Marte sem acidentes: imaginou um cilindro capaz de inchar a bola e fincá-la no solo sem que o balão estoure. O mesmo processo que seguimos quando queremos brincar de bolinha de sabão. Simples, não?


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