O olhar de um menino

O campo, as galinhas, o trem que leva o pai embora, o prato de arroz e feijão, o barraco, a colheita de algodão, a tempestade, a fábrica, o ônibus lotado, a periferia, a cidade rica, a festa de rua, a tapeçaria colorida, a manifestação e a polícia militar. Em O Menino e o Mundo, novo longa de Alê Abreu que estreia nesta sexta-feira (17), somos convidados a observar – e sentir – tudo isso como uma criança.

A animação conta a história de Cuca, um garoto especial que sofre com o abandono do pai e decide partir de sua casa no interior para tentar encontrá-lo. No primeiro momento ele é acolhido por um velho catador de algodão e seu cachorro, com quem conhece a dura vida do trabalhador rural. Na cidade grande, fica sob os cuidados de um jovem que trabalha em uma fábrica de tecelagem, anda de bicicleta e faz música com objetos inusitados.

O Menino e o Mundo nasceu em 2006, quando Abreu pesquisava a história da América Latina para outro projeto: o documentário animado, Canto Latino, que falaria de um exilado de uma ditadura militar que parte em direção a Eldorado – em referência ao filme Terra em Transe de Glauber Rocha. Sua pesquisa o levou para lugares simbólicos da America Latina como o território zapatista e La Higuera, na Bolívia, onde Che Guevara foi assassinado.

A trilha sonora, produzida pela dupla Gustavo Kurlat e Ruben Feffer, é um dos grandes destaques do filme. “Queríamos que os sons ajudassem a contar a história, como alguém que lê um conto em voz alta e produz com o próprio corpo os efeitos sonoros”, explica Abreu. A primeira referência foi o grupo Barbatuques que acompanhou a produção desde o começo. Já o músico Naná Vasconcelos, fonte de inspiração para o diretor há muito tempo, deu vida à batalha entre os manifestantes e a polícia militar que aos olhos de Cuca se manifesta como duas grandes aves, uma colorida, outra cinzenta. Quando a animação já estava pronta, os produtores perceberam que precisavam de uma música de protesto contemporânea para as cenas na cidade grande e entraram em contato com o rapper Emicida. “Decidimos colocar essa música nos créditos para fechar a história, relacionar o filme com o nosso mundo”.

Em determinado momento, o diretor notou que a figura do menino aparecia diversas vezes em seus cadernos de anotação e decidiu seguir sua história. “Nos apaixonamos pela ideia de embarcar na vida desse menino e descobrir quem ele era. Em determinado ponto, eu tinha o mundo, que era esse panorama do Canto Latino, e o menino, só não sabia qual era a história” conta.   

A animação foi criada sem nenhum roteiro o que, segundo Abreu, possibilitou todas as peculiaridades que a tornam especial. “Muitas vezes o texto se impõe sobre o audiovisual e o cinema não se realiza em sua plenitude”, explica. A passagem na qual o menino é levado pelo vento, por exemplo, foi criada antes de o diretor descobrir sua função na história. A trama só começou a ficar clara a partir do segundo ano de produção quando Abreu se percebeu no papel de ouvinte do menino. “Ele era o diretor da história, minha função era apenas expressar isso de maneira verdadeira”.


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