O papel dos EUA no golpe de 1964

foto Domínio público

O jornalista e escritor Flávio Tavares, em parceria com seu filho, cineasta e diretor Camilo Tavares, acaba de lançar em circuito comercial o documentário “O Dia Que Durou 21 Anos”. Além da violência institucionalizada em nome da suposta liberdade e do combate ao comunismo, o filme mostra, por meio de documentos oficiais norte-americanos, que o golpe de 1964 foi engendrado, preparado, assessorado, apoiado militarmente e financeiramente pelo governo dos Estados Unidos.

O projeto, segundo o jornalista, era produzir um documentário sobre a ditadura militar a partir do que ele chama de “golpe derrotado”, ou seja, o movimento de resistência liderado pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, em 1961, para garantir a posse do vice-presidente João Goulart. “Quando o filme estava praticamente pronto entrevistamos o pesquisador e professor Peter Kornbluth, diretor do National Security Archives, da Universidade George Washington. Foi ele quem nos alertou sobre a existência desse material nos EUA. Encontramos documentos e áudios que comprovam o verdadeiro papel dos americanos no golpe” afirmou.

Dentre as pérolas está à gravação de uma audiência concedida pelo presidente John Kennedy ao embaixador do EUA no Brasil, Lincoln Gordon, na Casa Branca. Gordon sugere a intervenção americana no Brasil. O presidente aceita sem pestanejar. Sugere ainda a nomeação do coronel Vernon Walters para a função de adido militar na embaixada dos Estados Unidos. A justificativa é que ele havia servido na Itália durante a II Guerra e lá conheceu vários generais brasileiros, entre eles, Humberto de Alencar Castelo Branco. Kennedy consente.

Preso político durante o regime militar, barbaramente torturado e que viveu no exílio entre o México, Argentina, Uruguai e Portugal durante mais de 10 anos, Flávio Tavares reencontrou-se frente a frente com alguns de seus algozes, dentre eles o general Newton Cruz, o almirante Flavio Bierrenbach e o coronel Jarbas Passarinho. “Foi um momento difícil. O pior foi com o almirante Bierrenbach, exatamente porque ele se portou muito bem comigo durante o tempo que estive preso nas dependências da Marinha. O interrogatório foi terrível quanto às minúcias, mas em nenhum momento sofri qualquer tortura física”.

As maiores surpresas, no entanto, estavam reservadas para a conversa com o general Newton Cruz. “Cheguei tenso em sua casa, mas fui bem recebido” relembra o jornalista. Cruz admitiu que, como militar, é um sujeito duro e “quando recebo ordens, cumpro”. Revelou ainda que, em 1985, por ocasião da última disputa indireta para presidente da República, alguém “sugeriu” que o então candidato de oposição, o ex-governador de Minas Gerais Tancredo Neves, fosse assassinado. “Perguntei ao general Newton Cruz quem sugeriu’? Primeiro ele disse, em voz baixa, ‘o Paulo’. Eu reiterei ‘Paulo? Só pode ser o Paulo Maluf? ’. Ele confirmou “Paulo Maluf, o outro candidato”. Quanto às torturas, Newton Cruz não nega, mas afirma que jamais deu ordens para que alguém fosse torturado. Ao final da conversa o general fez questão de revelar em quem votou para presidente da República em 2002 e 2006. “Votei no Lula. Aqui nessa casa todo mundo votou e continua votando no Lula”.

Após 3 anos de muita pesquisa e ao custo aproximado de R$ 1 milhão, o longa foi apresentado ao público no final de 2012 durante o Festival de Cinema do Rio de Janeiro. Flávio Tavares sente-se realizado com a experiência. “Fiquei feliz. Também foi o primeiro longa-metragem que meu filho dirigiu. Gostei da experiência. O filme revela coisas que eu não conhecia. Digo isso porque fui colunista político, em Brasília, do jornal Última Hora antes e depois do golpe. Participei dessa luta, escrevi artigos, livros e muitos detalhes mostrados no filme eu não sabia”.

O próximo desafio será lançar o filme nos Estados Unidos. “O Camilo está tentando negociar com as distribuidoras no Brasil e no exterior. Sabemos das dificuldades, mas seria importante poder divulgar esse trabalho nos circuitos universitários, na área intelectual, enfim, mostrar um pouco da história desse País que ainda permanece escondida”.


Comentários

2 respostas para “O papel dos EUA no golpe de 1964”

  1. […] 21 anos”, dirigido pelo seu filho Camilo, naquele momento em processo de produção.Aqui e aqui, links sobre o filme lançado com grande sucesso no final de 2012, versando sobre a ditadura e a […]

  2. Avatar de Alberto Miranda
    Alberto Miranda

    Para eles, americanos, ameaça comunista – Para brasileiros de bem, foi um ameaça a nossa integridade territorial e à liberdade de autodeterminação do nosso povo.

    A maior vergonha para nós brasileiros é saber que teve “brasileiros” que se prestaram a esse desserviço ao nosso amado Brasil – Alberto Miranda

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