O pecado da gula e a boa temperança

Atualizado às 9h45 de 6/12

De volta à terra, depois de três dias num belo retiro espiritual (ver post abaixo), participarei daqui a pouco, no começo da tarde, da gravação do programa “Roda Viva” com o ex-governador de Minas Gerais e senador eleito Aécio Neves, um brasileiro do bem, meu amigo.

O programa deverá ir ao ao ar na noite desta segunda-feira, a partir das 22 horas, na TV Cultura. Na volta, conto como foi. A semana está movimentada. Amanhã, vou gravar entrevista no programa do Jô Soares e, na sexta-feira, viajo para Fortaleza, onde farei uma palestra. Para um velho repórter aposentado, mas em atividade, até que não está mal

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Atualizado às 11h05 de 3/12

Caros leitores,

vou ter que fechar o Balaio e desligar o computador daqui a pouco para fazer a atualização dos programas. O técnico precisa levar o equipamento. Por isso, só reabro as portas na segunda-feira. Aproveito para cuidar um pouco do espírito, longe das notícias mundanas, conforme vocês poderão ver no post publicado abaixo.

Esta semana recebi a boa notícia de que a Vale renovou o patrocínio do blog por mais uma temporada. Agradeço à confiança e ao apoio da empresa e da agência África.

Bom fim de semana a todos.

Abraços,

Ricardo Kotscho

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Em tempo

Até tinha me esquecido: é hoje o lançamento do livro “Lugar de repórter ainda é na rua – O Jornalismo de Ricardo Kotscho” (Editora Tinta Negra), dos jornalistas Mauro Junior e José Roberto de Ponte. Vai ser a partir das 19 horas, na Livraria Saraiva do Shopping Vila Olímpia, em São Paulo. Estarei lá.

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Não, ao contrário do que vocês podem imaginar ao ler o título deste post, hoje não vou tratar da formação do ministério da presidente eleita Dilma Rousseff e do apetite dos partidos aliados. Na verdade, hoje nem planejava escrever para o Balaio porque precisava preparar minha parte no retiro espiritual regional do Grupo de Oração (por isso chamado de retirinho, ao contrário do retirão nacional) de que participo a partir de amanhã, na Pousada Maristela, em Tremembé, interior de São Paulo.

Os sete pecados capitais foram escolhidos para tema deste retiro e a mim coube fazer uma reflexão sobre a Gula. Foi só coincidência, me disseram, e eu acredito Munido de uma alentada pesquisa feita pela Mara, minha mulher, resolvi preparar a lição de casa assim que acordei hoje e, ao final, gostei tanto do resultado que resolvi publicar o texto aqui para os leitores deste blog.

Pode parecer estranho, mas às vezes é bom a gente sair um pouco dos assuntos quentes do dia a dia, deixar a política e o futebol de lado, e pensar um pouco sobre a vida e o que cada um decide fazer dela. Espero que vocês também gostem do tema.

REFLEXÕES SOBRE A GULA
RETIRINHO/Dezembro de 2010

Ricardo Kotscho

Certa vez, uns trinta anos atrás, fiz uma reportagem para o Estadão sobre as mais variadas causas de câncer. Entrevistei médicos, pesquisadores e pacientes, para chegar à conclusão de que praticamente tudo causava câncer. O título só poderia ser mais ou menos este: “Cuidado! Viver dá câncer”.

Desde pequeno, a gente costuma ouvir aquela filosofia segundo a qual “o que não mata engorda”. Ou seja, você pode escolher entre ser obeso ou morrer, embora os médicos e os religiosos nos digam que a obesidade mata.

Uma rápida pesquisa no Dr. Google nos mostra que o que era um problema de saúde para os antigos gregos – a depressão, por exemplo – foi transformado em pecado pelos grandes pensadores da Igreja Católica.

Assim como acontece com as causas do câncer, se nós formos levar a ferro e fogo o que está escrito nos textos bíblicos e nas suas interpretações posteriores, vamos ver que tudo o que é bom e dá prazer ameaça a nossa saúde, abala o espírito, é pecado e pode matar. Por isso, devemos viver em permanente sacrifício, como nos ensinam os especialistas do pecado da Gula.

Dos antigos aos mais recentes textos sobre o assunto, as ameaças são assustadoras.

Em Provérbios 23:20-21 somos advertidos: “Não estejas entre os bebedores de vinho nem entre os comilões de carne. Porque o beberrão e o comilão caem em pobreza; e a sonolência vestirá de trapos o homem”.

Mais adiante, Provérbios 23:2 proclama solenemente: “Mete uma faca à tua garganta, se és homem glutão”.

Com palavras mais amenas, mas no mesmo sentido, o professor Felipe Aquino, uma das estrelas carismáticas da moda que se apresentam na TV Canção Nova, escreveu em março do ano passado:

“Não é possível querer levar uma vida pura sem sacrifício. O corpo foi nos dado para servir e não para gozar; o prazer egoísta passa e deixa gosto de morte”.

De onde ele tirou isso? Sei lá. Só sei que não sou candidato a santo nem hipócrita e não concordo que a vida tenha que ser um permanente sacrifício. Ao contrário, gostaria que ela fosse sempre uma festa, uma celebração, um grande prazer, uma permanente alegria por estar vivo.

Claro que para tudo há limites, e o melhor conselheiro nestes casos é o bom senso – e não o medo, a ameaça, o castigo e a morte acenando a cada esquina, que é o que se depreende destes textos.

Não por acaso, certamente, coube a mim o tema da Gula neste encontro e, como vocês sabem, posso falar por experiência própria. Sou de uma família em que todo mundo gosta de comer e de fazer comida. Da minha infância, lembro-me da família reunida em torno da mesa em longos almoços e jantares, as pessoas falando alto, rindo, comendo e bebendo.

Mesmo assim, eu era um sujeito magro, quase esquelético, e assim me mantive até perto dos 40 anos, quando arrebentei o joelho, depois de já ter quebrado o pé e várias costelas, e parei de jogar futebol. Não passei a comer e beber nem mais nem menos, mas aos poucos fui ficando mais robusto. Quem olha pra mim hoje, a julgar pelo que nos ensinam os pensadores católicos e os médicos fundamentalistas, vai achar que sou um baita pecador de alto risco, glutão e beberrão, um sujeito que foi dominado pelo vício e não faz mais nada na vida.

Não é bem assim. Trabalho cada vez mais, me meto num monte de compromissos remunerados ou não, cumpro todos, ajudo os outros, mas no fim do serviço, ao cair da tarde, quero ter o direito de ir para o bar encontrar os amigos.

Ou nós viemos ao mundo só a trabalho, só para sofrer e pagar os pecados? Sou gordo, mas sou feliz

Já me proibiram de fumar, depois de exatos 50 anos tendo o cigarro por inseparável companheiro na hora de escrever, o que está sendo bem difícil. Até agora, o único efeito foi ganhar mais alguns quilos. Se me proibirem também de beber e comer o que gosto, que diabos, de que adianta ficar velho antes de morrer?

Por falar em diabo, criaram até um demônio próprio para a Gula. Em 1589, sim, 1589 – e às vezes penso que a nossa Igreja ainda vive naquela época – Peter Binsfeld comparou cada um dos pecados capitais com seus respectivos demônios, seguindo os significados mais usados. De acordo com Binsfeld´s Classification of Demons, a Gula é representada pelo Belzebu. Que medo!

Tem remédio para isso, além de fechar a boca e jejuar para o resto da vida deitado numa cama de pregos? Claro, pesquisando bem, para tudo tem remédio. Neste caso, para o pecado capital da Gula recomenda-se a velha e boa Temperança, uma das quatro virtudes cardinais (nunca tinha ouvido falar nisso).

De acordo com as melhores doutrinas da Igreja Católica, temperança significa equilibrar, colocar sob limites, “moderar a atracção dos prazeres, assegurar o domínio da vontade sobre os instintos e proporcionar o equilíbrio no uso dos bens criados” (CCIC, nº. 383).

Escrevendo aos filipenses, São Paulo se refere àqueles cujo “deus é o ventre” (cf. Fil. 3,19), isto é, o alimento. “Se a Igreja nos aponta a gula como um vício capital é porque ela gera outros males: preguiça, comodismo, paixões, doenças, etc”.

O perigo, certamente, está neste “etc”. O que será?


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