Às vezes, quando vai para os lados da Paulista, Nogueira almoça com Mara, sua amiga de muitos anos. Daquela vez, ela abriu a conversa, contando que as coisas iam muito bem. Estava feliz. Nogueira perguntou: “Que bom! Algum motivo especial?”. Ela começou falando do agravamento de sua obsessão com a leitura. Não conseguia mais distrair o olhar. Há uns meses, andando pela Paulista, sem ter o que ler viu um pequeno cartaz grudado em postes: “Adestro homens. Cama, mesa e banho. Copa, cozinha e salão. Milena 9243-4463”.

Ela, que estava cansada de puxar pesada carroça no casamento, foi pensando naquilo e no marido, um tremendo folgado. “Quem sabe as coisas mudam”, iluminou-se. Deixou mensagem no celular da tal Milena, que então retornou, perguntando se ela sabia a diferença entre educar e adestrar. Ela disse que não. A mulher resolveu a questão na hora: “Se falassem em educação sexual para seus filhos, a senhora aceitaria?”. Ela disse que sim. “Se falassem em adestramento sexual, a senhora aceitaria?” Ela respondeu: “Não, já entendi”. Passaram naturalmente ao assunto principal.

Milena disse que em 12 sessões adestraria o marido dela. “Não existe educar homem nessa idade, é adestramento mesmo.” Deixaria o marido dela uma seda. Arrumando cama, colocando mesa, pendurando toalhas. Passando roupa. Negócio abrangente. Cozinharia arroz, feijão, bife e batatinha. Nada dessa frescura de filet au poivre vert para os amigos no fim de semana. Ademais, ele abriria porta de carro, atenderia telefone, arrumaria a sala e levaria criança em casa de amigo. Quanto à cama, disse que não era só aprender a arrumar. Aprenderia tudo, inclusive a “reversa de Malman”. Concluiu: “Se a senhora conseguir trazê-lo aqui, em seis semanas devolvo o bicho adestrado. Um poodle de circo, desses que andam em duas patas, saltam e cumprimentam no tamborete”. Preço? “Promoção a R$ 3.000, metade no início e o restante na aprovação dos resultados.” Neusa achou aquilo um absurdo, mas absurdo maior era a vida que levava. Estava na hora de resolver a parada!

Quando o encontrou em casa, foi logo falando do adestramento ao marido. Ele empalideceu. Depois gelou, quando ela chegou junto: “Não tem conversa, não aguento mais carregar o piano sozinha. Ou você vai para o adestramento ou nós vamos ter surpresas aqui, grandes surpresas”. O nós queria dizer você, claro.

Como ele não queria mais grandes surpresas na vida, aquiesceu. Logo entrou em adestramento. Seis semanas depois estava uma seda. Arroz soltinho, batata sequinha, bife à milanesa fininho. Arrumava a cama, colocava a mesa, buscava criança. Até atendia o telefone. Um poodle. Nogueira, admirado, ouviu tudo aquilo e, curioso que é, perguntou o que era a tal da “reversa de Malman”. Ela desconversou, dizendo que era “um lance aí meio diferente” e ficou por isso mesmo.

Um ano depois, encontraram-se novamente, e ela disse que estava muito feliz. Fora uma luta levar o marido para o reforço semestral, mas, no final, tudo dera certo. “Ele agora faz tudo, tudo!”, exclamou, levantando os braços aos céus.

Nogueira inferiu que ela não fazia mais nada, nada. Mas não foi louco de abrir o bico. Ficou ali sorrindo, partilhando da felicidade da amiga.

*PhD pela Universidade de Cambridge, foi professor titular da USP. É autor dos livros Choro de Homem (Ateliê Editorial) e O Pai de Max Bauer (Ateliê Editorial/Editora Brasileiros).


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