O poder dos sonhos

A designer gráfica e grafiteira paulistana Verônica Amores. Foto: Luiza Sigulem
A designer gráfica e grafiteira paulistana Verônica Amores. Foto: Luiza Sigulem


Atitude, substantivo feminino

O ímpeto transformador de mulheres como a designer gráfica e grafiteira paulistana Verônica Amores se contrapõe a retrocessos recentes da sociedade brasileira. Verônica, que utiliza o nome artístico V, é reconhecida por seus desenhos, oníricos, de nuvens estilizadas. Característica que dialoga com sua capacidade de lutar para que sonhos de impacto coletivo se transformem em realidade.

No começo deste ano, ao topar com pixações em que, ao lado da ilustração de uma figura humana, havia a frase “é tudo puta!”, ela ficou intrigada e relatou o fato para amigos e amigas do meio do grafite. Um deles descobriu que o possível autor das pixações possuía uma conta aberta no Instagram e a marcou na publicação de uma foto que registrava o mesmo desenho e a mesma frase.

Verônica decidiu escrever para o rapaz e, em tom didático e gentil,  explicar que comportamentos como esse contribuem para banalizar a violência contra a mulher. No entanto, descobriu que seu gesto seria inócuo. “Fui virtualmente linchada por ele, amigos e seguidores, com comentários usuais do machismo como ‘ela precisa de uma rola para se acalmar’. Depois de um tempo, passei por um grafite meu e ele tinha sido atropelado pelo mesmo cara, que fez o mesmo com outros quatro, entre eles um que eu havia feito na avenida 23 de Maio.”

Ao relatar os ataques em sua página pessoal no Facebook, Verônica recebeu o apoio de amigas e de centenas de mulheres que ela nem sequer conhecia, mas que decidiram somar forças para a criação de um grupo fechado, com o objetivo de combater a misoginia em expressões da cultura de rua, como o grafite e o skate.  Não tardou para vir a primeira ação efetiva.

“Pouco depois, rolou o caso da Carolina (a jornalista Carolina Apple, repórter do portal de notícias R7, que percebeu ter sofrido assédio em um vagão do metrô após constatar que um homem havia ejaculado em sua calça). Uma colega dela sugeriu a realização de um ato de repúdio na estação República do metrô e imediatamente decidimos colaborar.”

A participação do grupo resultou na criação da campanha Chega de Assédio, frente de combate à violência sexual contra mulheres no transporte público de São Paulo, que envolve hoje centenas de ativistas, de mais de 30 coletivos diferentes.

A ressonância e a multiplicação de ações como essa é crescente. No final de outubro, manifestações no Rio de Janeiro e em São Paulo não deixaram dúvidas da dimensão combativa que pode haver na militância feminina. No dia 28 de outubro último, cerca de cinco mil mulheres marcharam da sede da Assembleia Legislativa até a Cinelândia, no centro da capital fluminense, para exigir a saída de Eduardo Cunha da presidência da Câmara dos Deputados.

A motivação do ato não estava relacionada às graves acusações de corrupção que pesam sobre o parlamentar do PMDB carioca, baseadas em documentos encaminhados à Justiça brasileira pelo Ministério Público da Suíça, mas à indignação despertada pelo Projeto de Lei 5069, criado por Cunha, em 2013, e aprovado, sete dias antes, na Comissão de Cidadania e Justiça, com apoio maciço de legendas conservadoras ligadas à chamada Bancada da Bíblia, como PR, PTN, DEM, PSC, PROS, PHS, PP e PRB, e partidos como PMDB, PSDB e PV, de posicionamento dúbio quando a pauta é Direitos Humanos.

O PL 5069 criminaliza cidadãos que auxiliem a prática do aborto, com pena agravada para profissionais de saúde, proíbe a venda da pílula do dia seguinte e determina que vítimas de estupro realizem exame de corpo de delito para terem direito a atendimento na rede pública de saúde. A resposta enérgica, vista na Candelária, a essa afronta à laicidade do Estado de Direito foi repetida, em São Paulo, por mais de 20 mil mulheres que foram à avenida Paulista, nos dias 30 e 31 do mês passado, exigir o fim do PL 5069.

Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2014 foram relatados no País mais de 47 mil casos de estupro. Número que explicita o dever de tratar essa realidade como uma questão emergencial de saúde pública e não como tema passível de intervenções religiosas.

Para Verônica, a banalização da violação ao direito de ir e vir das mulheres é um dos mecanismos que alimentam a chamada “cultura do estupro”, que, segundo ela, ignora classes sociais. “Uma madame pode dirigir seu carro blindado e se sentir superprotegida, mas se andar sozinha pelas ruas sofrerá assédio da mesma forma. A violência de gênero desconhece classe social. Digite no Google a frase ‘inconformado com o fim do relacionamento’. O resultado é o retrato de uma sociedade misógina.”

Ela não está exagerando. Se o leitor acessar a internet e repetir a busca encontrará mais de 300 mil incidências de crueldades que desembocam nos quase cinco mil feminicídios relatados hoje no País. Índice sombrio que, em março, levou a presidenta Dilma Rousseff a sancionar lei que tipifica o crime como hediondo.

Brasileiras como Verônica e a jornalista Juliana de Faria (criadora do Think Olga, núcleo colaborativo de discussões sobre feminilidade, e responsável pela campanha Chega de Fiu Fiu, contra o assédio em espaços públicos) sabem que a luta por respeito e direitos equânimes será árdua, mas elas não se intimidam.

“Somos criadas para a casa e os homens para a rua. As mulheres que contradizem esse estatuto são chamadas de histéricas e colocadas no quadradinho das loucas. Mas a gente vai continuar lutando e o choro é livre”.

Da Embrapa contra a Aids

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Foto: Arquivo Pessoa

Vem da Embrapa a história de um pesquisador que entrou para o grupo de cientistas que contribuem para a erradicação do vírus HIV. A trajetória do carioca Elibio Leopoldo Rech, 59 anos, começou em 1978, quando se encantou com a Engenharia Genética em uma aula sobre DNA do curso de Engenharia Agrônoma, na UnB. Em 1981, já na Embrapa, ele iniciou seu mestrado em Fitopatologia. Cinco anos depois, ia para Londres fazer doutorado e pós-doutorado em Biologia Molecular, e voltou para a Embrapa, em 1990, para criar com a alemã Basf uma opção à soja da Monsanto. Daí surgiu a primeira soja geneticamente modificada desenvolvida no Brasil. Era só o começo. Rech, então, se dedicou à manipulação dos altos níveis de proteína da soja. Mais tarde, fez uma visita a um colega americano que havia acabado de clonar uma cianobactéria extraída de uma alga que possui uma molécula cuja capa proteica se liga ao HIV, inibindo a multiplicação. Mas tinha um problema: não havia um método para a produção em escala. “Pensamos em cultivar a proteína na semente de soja, cuja constituição é 40% proteica.” O desenvolvimento foi concluído no ano passado. “Purificamos a proteína, retiramos a molécula e fizemos os testes contra o vírus. Funciona.” Trata-se de um microbicida. A ideia é extrair o composto da soja e transformá-lo em um gel a ser usado, especialmente, por mulheres antes do ato sexual. “É uma opção para quem vive em sociedade em que a mulher não tem escolha sobre o uso do preservativo.” Até as prateleiras, serão necessários seis anos, em previsão otimista. Até lá, o pesquisador pretende tirar do papel outros projetos.

A guardiã das araras-azuis

Neiva Guedes -Arara-azul
Foto: Arquivo Pessoal

Segunda filha de uma família de seis crianças, Neiva Guedes, 53 anos, não imaginava que seu interesse por Biologia fizesse dela a principal responsável por tirar a arara-azul da lista brasileira de animais em risco de extinção. Formada em 1987 pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, a natural de Ponta Porã participava de um curso de conservação da natureza quando se deparou com 30 araras-azuis em uma árvore no refúgio ecológico Caiman, no Pantanal. Saiu de lá convencida de que se dedicaria a dar a outras pessoas a chance de ver com os próprios olhos a beleza da ave. “Em janeiro de 1990, fiz minha primeira viagem de campo.” Por 40 dias correu atrás das araras. Colheu tanta informação que, em junho do mesmo ano, foi convidada a palestrar em um congresso no Canadá. De volta ao Pantanal, onde havia 1.500 aves, a dificuldade era a mesma: explorar o terreno para se aproximar da espécie. A sorte veio em uma palestra de seu orientador de mestrado, que contava sobre seu projeto. Na plateia, um executivo da Toyota decidiu ajudar doando para Neiva um jipe Bandeirante, “que durou 11 anos”. A parceria cresceu, o jipe foi substituído por uma pick-up 4 X 4 e chegou verba para a pesquisa. “A paixão virou projeto de vida que já dura 26 anos.” Graças a ela, o Pantanal conta hoje com cinco mil aves. No entanto, Neiva acha precipitada a decisão do governo de tirar a arara-azul da lista de animais ameaçados. E ela sonha com um mundo em que as pessoas simplesmente coletem seu lixo e cuidem bem dos animais.

Por praças com bons bancos

Sofia Carvalhosa e Ricardo Porto
Foto: Luiza Sigulem

A ideia partiu de uma observação do jornalista Ricardo Porto de Almeida, mas quem a organizou foi a também jornalista Sofia Carvalhosa. Há pouco mais de dois anos, depois de visitar algumas cidades estrangeiras, como Lisboa e Nova York, e outras do interior brasileiro, como Sabará, em Minas, e Piracicaba, em São Paulo, Ricardo começou a se perguntar por que muitas praças da capital paulistana ficam quase sempre desocupadas. Pensou, pensou e concluiu que faltam bancos com encosto nos espaços públicos da cidade. Ricardo falou sobre isso com Sofia, que se convenceu de que ele tinha razão e, então, propôs criar uma página sobre o assunto no Facebook. Foi ela também quem batizou o grupo como Bancos com Encosto para Sampa! Logo, alguns amigos curtiram a página e ações começaram a ser realizadas. “Há uma degradação urbana absurda em São Paulo e qualquer cidade é feita de relações de troca, não só de grana, mas de encontros entre as pessoas”, diz ele.
Uma das primeiras ações aconteceu na Praça Morungaba, na zona oeste, que passava por uma reforma. O projeto previa bancos de cimento sem encosto e ondulados, aquele modelo que impede moradores de rua de usar esses equipamentos para dormir. Depois de uma conversa com a subprefeitura, que se estendeu aos moradores, ficou decidido que os bancos seriam de estrutura de ferro e ripas de madeira. Cada banco do gênero custa em torno de R$ 800, segundo Ricardo, e todos foram doados pelos moradores. Depois surgiram coletivos que se juntaram à campanha e outros locais públicos receberam bancos, como o Largo da Batata e a Praça das Nascentes, ambos na zona oeste. Sofia comemora: “A gente incutiu essa ideia na cabeça das pessoas”.

O pedreiro que virou fotógrafo

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Foto: João Machado

Baiano de Xique-Xique, João Machado, que trabalhou quando criança como engraxate, decidiu tentar a vida em São Paulo nos anos 1990. Virou ajudante de pedreiro na construção civil e foi lá que a fotografia o pegou. Um operário tinha uma pequena câmera e, precisando de dinheiro, vendeu o equipamento para João. “Fiz alguns filmes, mas não saiu nada. Levei a câmera para a assistência técnica e o dono dessa loja me convidou para trabalhar com ele. Ali aprendi a mexer com ela.” Depois de não muito tempo, João voltou para a Bahia. Lá, ganhou de um amigo uma câmera Nikon e encontrou trabalho em uma empresa como fotógrafo de eventos. “Fiz crisma, batizado e casamento. Mas queria mais.” Desde 1993, ele vive como fotógrafo. Na revista IrisFoto buscou inspiração para suas imagens. “Fui vendo fotos de German Lorca, Thomaz Farkas, Nair Benedicto, Ansel Adams.” Em 1997, realizou seu primeiro ensaio, Olaria, e no ano seguinte foi premiado no Salão de Fotografia de Guarulhos, em São Paulo. Nesse ano, também participou de uma coletiva na CasaFuji de Fotografia, em São Paulo. Cinco anos mais tarde, viajou para São Jesus da Lapa, na Bahia, para acompanhar a romaria da qual seu pai tanto falava. “Não fiquei só na questão da fé, mas também no entorno da cidade, na vida do meu povo, e também fiz a série noturna Penitentes em Xique-Xique.” Agora, 20 de suas imagens (uma delas acima) compõem a mostra O Sertão de João Machado, em cartaz até 28 deste mês de novembro na Galeria Nikon, em São Paulo: “Agora posso afirmar que sou um fotógrafo autoral! Conquistei um sonho que é o de expor numa galeria de arte e ver meu trabalho reconhecido”.

Muito além do Pessoal do Ceará

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Foto: Adriana Graspan

O colecionismo começou cedo na vida do DJ e pesquisador cearense Alan Morais. “Aos 12 anos, enquanto os coleguinhas compravam bolas de futebol, eu juntava o dinheiro da merenda para comprar discos”, relembra. Ele tem hoje 39 anos. Há mais de dez, depois de um período amador em que tocou no bar de Dona Tarzia, mãe do amigo Fernando Catatau, vocalista do Cidadão Instigado, decidiu compartilhar suas pesquisas em bares, casas noturnas e locais públicos. Hoje, toca em dois espaços gastronômicos, o Culinária da Van, onde também organiza uma feira de vinis, e o Cantinho do Frango, em Fortaleza. O repertório do DJ valoriza artistas de todas as regiões do País, mas ele também procura demonstrar que a produção cearense vai além de Fagner e Belchior e artistas como Ednardo, Rodger Rogério e a cantora Téti – trio que, em 1973, lançou o clássico álbum Meu Corpo Minha Embalagem Todo Gasto na Viagem, sob o codinome Pessoal do Ceará. Das pick-ups de Alan também saem joias de Fausto Nilo, Sergio Pinheiro, Mona Gadelha, Ângela Linhares e a banda Perfume Azul – os quatro últimos artistas do movimento Massafeira Livre que realizou, em 1979, um festival histórico com música, teatro e literatura. O DJ também é cantor e compositor do Sanatório Geral, bloco carnavalesco que, desde 2007, invade as ruas de Fortaleza, e que acaba de lançar – em vinil, claro – o álbum O Outro Lado Desse Lado de Cá de Cada Coisa. A trajetória de Alan e de outros dois colecionadores cearenses, a professora Célia Santos e o historiador Miguel Ângelo “Nirez” de Azevedo, é contada no documentário Contracapa, de Érica Araújo, disponível no YouTube.

O ex-usineiro e a arte

Foto: Adriana Graspan
Foto: Adriana Graspan

Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, é parada obrigatória para os amantes da arte contemporânea. Desde 2011, o Instituto Figueiredo Ferraz, sediado na cidade, abriga uma das maiores coleções do País. “Foi um interesse que se transformou em paixão”, diz o ex-usineiro João Carlos de Figueiredo Ferraz, criador do espaço. O encanto pela “arte de seu tempo” levou o colecionador a frequentar, nos anos 1980, galerias como a Luisa Strina, em São Paulo. “Era comum os artistas passarem um tempo na galeria conversando sobre suas produções. Foi assim que comecei a entender melhor as obras e passei a ter amizade com muitos dos artistas.” Ele enfatiza que pode correr o risco de parecer injusto, mas diz que as obras prediletas de sua coleção são as de artistas que conheceu ao longo do tempo, como os do grupo Casa 7. Mas seu acervo reúne obras de artistas do mesmo período, como Vik Muniz, Adriana Varejão, Leda Catunda e Tunga.
Em 2002, o MAM-SP organizou uma mostra com a coleção de Figueiredo Ferraz. Foi quando ele se deu conta de que tinha um conjunto tão grande e expressivo que precisava torná-lo acessível. Com a liberação de um terreno em Ribeirão Preto, ele encontrou uma oportunidade de concretizar esse desejo. “Construí um prédio para abrigar as obras e poder abrir esse espaço para o público. Como alunos de escolas da região passaram a visitar o instituto, investimos depois em um núcleo educativo.” Graças ao “interesse que virou paixão”, Figueiredo Ferraz contribui hoje, de forma generosa, para a formação do público de artes visuais no País.

Horta, maratonas e educação

Arquivo Pessoal
Arquivo Pessoal

Hamilton Miragaia fez questão de ficar na terra onde nasceu, o bairro de Souzas, em Monteiro Lobato, interior de São Paulo. Fez também questão de recuperar as matas no sítio de 20 alqueires onde mora com a mulher, Patrícia, e os filhos, Pedro, Francisco e Radhani. Deveria estar longe, pois sua especialidade é correr mundo. Ele é praticante de um tipo de ultramaratona, prova em que corre até 160 quilômetros – dentro de matas, em trilhas naturais. Acaba de ganhar uma prova de 80 quilômetros no Brasil e vai encarar o desafio de tentar suplantar 120 quilômetros na Argentina, em fevereiro do ano que vem.
Vence adversários profissionais com insuspeitos preparados naturais desenvolvidos a partir de sua horta orgânica: sachês de batata-doce, mel com mamão. De fora, apenas um energético feito na vizinhança: a taiada, mistura de rapadura com gengibre produzida em Caçapava. E volta sempre para casa, porque ali perto está um sonho: com a ajuda da mulher e de amigos, mantém com trabalho voluntário o Instituto Pandova, onde 70 crianças do bairro recebem aulas de matérias escolares e de todo o necessário para manter a natureza local e levar uma vida sustentável, além de inglês e informática.
A fama crescente da escola atraiu gente de longe. Colégios de São José dos Campos começaram a levar os alunos urbanos para fazer cursos variados num ambiente acolhedor, entre eles o de reciclagem de papel. Miragaia vive com muito pouco, mas sonha alto. Com um modestíssimo patrocínio da Kailash, empresa de material esportivo, pretende agora uma vitória internacional – com ajuda de sua taiada.

Um violino sem fronteiras

Foto: André Fossati
Foto: André Fossati

Gideoni Loamir Veríssimo teve a vida transformada em 2000, aos 9 anos, quando passou a ter aulas de violino no projeto Cidade da Música, em Volta Redonda, Rio de Janeiro, sua cidade natal. O ingresso na entidade foi o prelúdio da descoberta de um talento enorme. A reportagem de Brasileiros teve contato com o rapaz em fevereiro de 2013, ocasião em que participou do Femusc, o Festival de Música de Santa Catarina. Naquela ocasião, ele atuava como spalla (o primeiro violinista de uma orquestra) da Orquestra Sinfônica de Barra Mansa e também lecionava para crianças da rede pública de ensino da cidade, vizinha de Volta Redonda, no projeto Música nas Escolas. No Femusc, Gideoni não chamou apenas nossa atenção e a do público presente. Também recebeu elogios entusiasmados de Leon Spierer, violinista que por 30 anos foi spalla da Orquestra Sinfônica de Berlim. Para saber os desdobramentos da carreira do violinista, hoje com 23 anos, falamos com ele e tivemos boas-novas. Há quatro meses, Gideoni está radicado em Belo Horizonte. Mudança motivada pela aprovação em um disputado teste para ingressar na Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, que, em fevereiro deste ano, ganhou espaço próprio, a exuberante Sala Minas Gerais.
“Em 2013, ganhei uma bolsa no Festival de Campos do Jordão e ingressei na academia da Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), que prepara alunos que pretendem fazer testes em grandes orquestras profissionais. Hoje, minha dedicação é total à filarmônica, mas ainda quero estudar no exterior. Não cheguei a meu limite. Quero ir muito além.” Claro, torcemos por ele. 

Operação resgate

Foto; Dagoberto Bordin
Foto; Dagoberto Bordin

Marinalva Cardoso Dantas tem 61 anos e é auditora fiscal do trabalho desde 1984. Primeiro, fiscalizou empresas. Depois, se engajou na luta contra o trabalho infantil. “Naquela época, o Brasil tinha oito milhões de crianças e adolescentes nessa situação. Hoje, ainda restam três milhões. É muita coisa”, ela diz. Em 1995, quando o País assumiu que havia trabalho escravo, ela passou a combater também esse abuso. Com sua ajuda, mais de duas mil pessoas foram libertadas da escravidão ou de situação análoga à escravidão. “Fazia parte do grupo móvel, gente que sai à procura de fazendas que mantêm trabalhadores em condições degradantes e sem direitos trabalhistas. E vou falar: tem escravo no País todo.” Nascida em Campina Grande, na Paraíba, ela viveu até os 3 anos em uma casa sem luz, água encanada e esgoto. Como adoeceu e seus pais eram carentes, foi levada para Natal, no Rio Grande do Norte, para morar com seus tios, por quem acabou sendo criada. Aos 10 anos, foi visitar a família em um reencontro que mudou sua vida. “Vi que era uma privilegiada e desejei que todas as crianças, especialmente meus irmãos, também tivessem a chance de brincar e de estudar”. No mês passado, Marinalva passou quatro dias em Parauapebas, cidade vizinha a Carajás, no Pará, e conseguiu tirar 81 jovens de diversos trabalhos e aplicar 53 autos de infração. “Sou totalmente devotada a esse trabalho. Em todos esses anos, ajudei a tirar mais de 15 mil crianças e adolescentes do trabalho. O governo se comprometeu a acabar com isso até 2016, mas já deveríamos ter acabado há muito tempo.”

Ela toca no rádio

Foto: Arquivo Pessoal
Foto: Arquivo Pessoal

Quando entrou pela primeira vez na Rádio Comunitária Pinheira, a 98.3 FM, na Praia da Pinheira, em Santa Catarina, Ana Cecília Bochenek Corchaki estava de mãos dadas com o pai, Jorge Eduardo. A ideia era só buscar um CD que o pai havia ganhado em um sorteio, mas Ana Cecília logo comentou que adorava música e conhecia tudo sobre trilha sonora de telenovela. Resultado: desde maio de 2014 ela apresenta o programa semanal Músicas de Novelas, que vai ao ar às 18h do sábado, com reprise às 13h do domingo. “Estou adorando”, diz Ana Cecília. “Tenho muitos comentários positivos de meus fãs.” Nos tempos em que frequentava a Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) na cidade vizinha de São José, Ana Cecília já se destacava pelo canto. Aos 28 anos, portadora de síndrome de Down, ela estava sem nenhuma atividade fora de casa quando surgiu a oportunidade no rádio. “Eu me dedico bastante. Escolho as novelas e aviso meu pai, que faz a produção”, conta, às voltas com os preparativos para um programa sobre a novela Cambalacho, de Silvio de Abreu, exibida pela Globo em 1986. Na semana anterior, ela tinha terminado de apresentar as músicas de Fera Radical, de Walther Negrão, que foi ao ar em 1988, também na Globo. Antes de tocar Vida Fácil, de Cazuza, Ana Cecília deu detalhes da trama. É sempre assim. Entre uma música e outra, Ana Cecília vai contando o enredo da novela. O pai, que é administrador de empresas, está sempre a postos. “Eu acompanho, mas, quando abre o microfone, é ela quem sai tocando”, diz Jorge Eduardo. “Com o programa, a leitura dela melhorou 1.000%. E abriu toda uma perspectiva de vida.”

Em nome dos índios

A índia Soninha, coordenadora da (Foto: Divulgação)
A índia Soninha, coordenadora executiva da Apib (Foto: Divulgação)

Sonia Guajajara, a Soninha, é do povo Guajajara Tentehar, do Maranhão. Coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), é presença constante em Brasília. “No Brasil, vivemos um genocídio velado.” Filha de pais analfabetos, Soninha fez questão de ter uma educação formal. Para cursar o ensino fundamental, teve de conciliar os estudos com os trabalhos de doméstica e babá. Aos 15 anos, recebeu um convite da Funai para fazer o ensino médio em um colégio interno na cidade de Esmeraldas, Minas Gerais. “A chance de continuar estudando era tudo o que sonhava, embora os meus pais não permitissem que eu fosse para tão longe.” Mas ela prometeu que voltaria no futuro para ajudá-los depois dos estudos. Teve então o primeiro contato com o grêmio estudantil e movimentos sociais. “Comecei a participar de atividades retratando a realidade do meu povo, sempre mostrando que ser índio não é ser como a mídia e os livros ‘europeizantes’ das escolas brasileiras dizem.” Soninha se formou em auxiliar de enfermagem. Ao mesmo tempo, viajava em caravana para reivindicar melhorias para o povo Guajajara. Depois, foi contratada pela Funai e, em 2001, participou do primeiro evento nacional indígena, a pós-conferência da Marcha Indígena, em Goiás. Conheceu a Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME) e foi eleita secretária-executiva da Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (Copaima) e participou do Fórum Permanente da ONU para questões indígenas, em 2014. 

Direito aos imigrantes

Foto: C. Maldos
Foto: C. Maldos

Tatiana Chang Waldman é a própria brasileira: paulistana, filha de mãe chinesa e neta de poloneses. Leva a sério a noção de que o Brasil se constrói com a realização de sonhos de pessoas de todo o mundo, herdado da experiência transmitida por seus pais. Ainda quando jovem estudante de Direito na Unesp começou a se interessar pelos que vinham de fora para construir a vida em São Paulo e foi trabalhar como voluntária no Centro de Apoio ao Migrante. Era o ano de 2009 e o país tinha acabado de dar uma anistia para estrangeiros. Muita gente foi acolhida legalmente, mas um grupo significativo não se enquadrava nos dispositivos legais. Tatiana passou a empregar seus conhecimentos para tentar resolver os casos que podia. Em pouco tempo tinha um retrato do grupo: “A maioria das pessoas era da América do Sul, especialmente bolivianos, peruanos e paraguaios. Mas havia também imigrantes da Europa, África e Ásia. Muitas pessoas que gostavam do Brasil vinham como turistas e iam ficando”. Havia até um promotor de Justiça europeu que não conseguiu se encaixar na legalidade brasileira, por motivos que ela explica: “A lei brasileira é seletiva para a aceitação de imigrantes. A rigor, só aqueles que conseguem ser contratados por empresas recebem autorização para residir e trabalhar, depois de um processo que exige muita paciência”. Tatiana está terminando seu doutorado em Direito da USP – na área de imigração – e trabalhando no Museu da Imigração de São Paulo. Continua a frequentar os pontos da cidade onde os migrantes se encontram para acolhê-los com seu sorriso e ajuda com seus conhecimentos para que se realizem como brasileiros.

Uma mutação brasileira

Foto: A.C Camargo Cancer Center
Foto: A.C Camargo Cancer Center

Há 16 anos, a oncogeneticista Maria Isabel Waddington Achatz, 45 anos, ficou intrigada com uma paciente examinada no ambulatório da Faculdade de Medicina do ABC, em Santo André, São Paulo. Por que aquela mulher, que não tinha 50 anos, enfrentava sucessivamente cinco tumores diferentes? Nos anos seguintes, ela passou a atender mais 30 pessoas em situação semelhante e foi buscando respostas. Até que a encontrou no DNA. Ela descobriu uma variação genética que permitiu entender o que ocorria com a mulher do ABC e se revelou semelhante a um grupo mais amplo de mutações conhecido por síndrome de Li Fraumeni. O problema se deve a falhas no gene TP53, que regula uma proteína cuja principal função é suprimir tumores. Para descrever a variante brasileira, Maria Isabel trabalhou em colaboração com a Agência Internacional para Pesquisa do Câncer (Iarc), na França, com o National Institutes of Health (NIH), nos EUA, e com oncogeneticistas como Patrícia Prolla, do Rio Grande do Sul. “Hoje sabemos que uma em cada 350 pessoas nas regiões Sul e Sudeste do País possui a mutação, que eleva em 70% as chances de ter vários tumores”, diz Maria Isabel. A constatação mudou a percepção da síndrome, até então tida como rara. Na verdade, é questão de saúde pública. O desafio é monitorar os portadores da mutação. No A.C.Camargo Cancer Center, Maria Isabel está à frente de programa que acompanha mais de cem famílias portadoras da forma brasileira de Li Fraumeni. No Paraná, bebês identificados com a mutação são acompanhados até os 15 anos. Tratados precocemente e de forma menos agressiva, eles têm maiores chances de cura.

Mensagens de paz

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Foto: Arquivo Pessoal

Prem Rawat era jovem quando decidiu viajar pelo mundo inspirando pessoas a praticar a paz. Aos 13 anos, foi para Londres pela primeira vez a convite de um grupo de interessados no que ele tinha a dizer. O encontro marcou o início de sua jornada. Passados mais de 40 anos, o alcance das mensagens de Prem Rawat dá testemunho do que pode um sonho. Cruzando as fronteiras que separam os seres humanos – geográficas, religiosas, étnicas e culturais –, ele acendeu a chama da paz interior em milhões de pessoas de mais de 50 países. “Não é o mundo que precisa de paz, são as pessoas. Quando elas estiverem em paz, o mundo também estará”, ele diz.
Seu empenho foi coroado, com o reconhecimento de instituições internacionais. Mas foi a identificação das pessoas com Prem Rawat que fez com que ele criasse, em 2001, a fundação que leva o seu nome. A Prem Rawat Foundation dedica-se a promover a mensagem de que a paz é um direito que deve estar ao alcance de todos. Sobre o tripé “dignidade, paz e prosperidade”, desenvolve ações de empoderamento. A prosperidade? Essa será decorrência natural na vida de quem descobrir seu valor, florescer na paz e compreender o valor de cada ser humano. Assim sonhava o jovem Prem, cujas conquistas hoje demonstram que não há sonho impossível quando se está acordado.

A vontade de se tornar médico

O cirurgião-geral Aziz Miguel Filho. Foto: Arquivo pessoal
O cirurgião-geral Aziz Miguel Filho. Foto: Manoel Marques

O cirurgião-geral Aziz Miguel Filho sempre quis ser médico. Primeiro a fazer curso universitário na família, precisou trabalhar enquanto se preparava para o vestibular. Sofreu, tentou várias vezes e conseguiu o diploma de Medicina. Formado, manteve árdua rotina por uns cinco anos. Dava plantão no Hospital Municipal do Tatuapé, na zona leste de São Paulo, e em seguida viajava para atender na Barra do Ribeira, no município paulista de Iguape. Por divergência com o Departamento Municipal de Saúde, foi demitido. Como não quis abandonar seus pacientes, passou a pagar para trabalhar. Ao longo de dois anos, arcou com despesas de combustível e farmácia e, por vezes, fez de seu carro uma ambulância. Gastava com seu trabalho voluntário em torno de R$ 2 mil por mês. Isso durou até 2009. Seu filho e um tio tiveram câncer, e doutor Aziz, como é conhecido, teve de ficar em São Paulo definitivamente. Mas o espírito justiceiro ainda se mantém. Há um mês, recebeu ordem de prisão dentro do hospital. Chefe do Pronto-Socorro do Hospital do Tatuapé, ele atendia a um jovem de 16 anos, baleado, que chegou acompanhado pela polícia e pela mãe. Os policiais queriam impedir a mãe de ficar junto ao filho. Aziz interveio, dizendo que pouco sabia de legislação, mas que conhecia muito bem o Estatuto da Criança e do Adolescente: “O menor tem o direito de estar acompanhado pela mãe, seja infrator ou não, branco ou negro, homossexual ou heterossexual. E a mãe ficará aqui”. Aziz então foi levado à delegacia. “Eu era o único cirurgião no pronto-socorro e tive de sair para ir à delegacia. Chegando lá, prestei um esclarecimento e fui liberado.”

Solidariedade com atitude 

Alan Flores, baterista do trio Rock Rocket. Foto: Arquivo pessoal
Alan Feres, baterista do trio Rock Rocket e sócio da Fatiado Discos. Foto: Luiza Sigulem


Quem curte rock, deve conhecer Alan Feres pela faceta de baterista do trio Rock Rocket. Quem, em São Paulo, curte discos de vinil deve também conhecer a Fatiado Discos, loja sediada em Perdizes, na zona oeste da cidade, aberta há cinco anos por ele e o amigo Mário Cappi. Na Fatiado, eles também servem cervejas e lanches especiais, fatiados (como o nome sugere) e realizam pocket shows de novos artistas. Desde setembro, organizam, às terças-feiras, evento gastronômico beneficente intitulado Jantar dos Refugiados, com receita revertida para uma instituição que acolhe famílias de refugiados sírios e palestinos. Um público rotativo de 200 a 300 pessoas tem aderido à causa. Outras campanhas, para auxiliar comunidades vitimadas por incêndios, como as favelas do Moinho e de Heliópolis, já foram realizadas pela Fatiado. As doações são entregues em uma simpática Kombi, chamada Tereza, dos amigos Pita Uchôa e Caroline Malinowski, da festa itinerante Calefação Tropicaos, que, às quintas-feiras, é realizada na loja. Alan considera que atitudes como as dele e dos amigos vêm de princípios éticos aprendidos na mais tenra idade, como os ensinamentos que teve ao ingressar no movimento punk. “Desde moleque, aprendi sobre desigualdade e a ter pensamento crítico sobre as coisas. Deixava de fazer lições de casa para ir a um curso sobre Pedagogia Libertária no Ical (Instituto de Cultura e Ação Libertária). Com ações como essas a gente também deixa nosso posicionamento bem claro e não aparecem reacionários por aqui. Nos dias de manifestações contra a corrupção, como as da avenida Paulista, a gente coloca uma placa bem grande na porta: ‘Hoje, proibida a entrada com camisetas da CBF’.”    


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