O mundo é realmente pequeno. E ficou menor ainda com a internet. Elas deixaram o Brasil, mas não as raízes. Todas têm histórias parecidas e acabaram se encontrando através do computador. Michelle, Telma e Mara estavam surfando no Orkut e resolveram acessar as comunidades sobre brasileiras na Suíça. Foi aí que a amizade começou.
Era 1996 e a mineira Michelle Lagoa tinha 19 anos quando resolveu fazer um curso de inglês, durante quatro meses, na Inglaterra. Entre os colegas de classe, estava o suíço Rudolf Hegg. Logo, um pouco mais do que uma amizade surgiu, mas com o término do curso, cada um voltou para o próprio país. Um ano depois, muitas cartas e telefonemas trocados, o suíço decidiu passar férias no Brasil, incluindo uma pequena parada em Belo Horizonte. Nos anos seguintes, as viagens de lá pra cá continuaram. Finalmente, em 2001, Michelle se tornou a senhora Hegg. “Casamos no civil em Zurique e fizemos o religioso no Brasil. Foi uma festa, mais de 30 suíços, entre amigos e familiares, foram e depois viajaram com a gente na nossa lua-de-mel pelo Nordeste”, relembra Michelle.
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A história de Mara e Jörn começou na Hungria. Os dois estavam fazendo um programa de intercâmbio lá. Ela estava no último ano de engenharia de alimentos no Brasil e ele de engenharia mecânica na Suíça. Estavam morando no mesmo alojamento universtário, em Budapeste, frequentando as mesmas festas e não demorou muito para começarem a namorar. “Quando terminamos a faculdade, o Jörn foi passar dois meses no Brasil comigo. Depois foi a minha vez de ficar um tempo na Suíça. Aí decidimos que era hora de casar”, conta Mara.
Para o suíço Marcel Rhyner, foi amor à primeira vista. Quando colocou os olhos na brasileira, sorridente, de cabelos escuros, soube que havia alguma coisa no ar. Ares britânicos, por sinal, já que Telma e Marcel estavam fazendo um curso de inglês na Inglaterra. O flerte de apenas um mês, em 1997, se prolongou num namoro de dois anos e meio e em 2000 os dois já estavam casados. Telma diz que nunca houve receio perante a nova vida. “Em momento algum tive medo de mudar para a Suíça. Nas minhas viagens de férias, já tinha gostado daqui.”
Família e profissão
Quase uma década depois, as amigas brasileiras já são cidadãs suíças. Telma mora na pequena cidade de Chur, é mãe de Carolina, de 3 anos, e espera para abril uma nova menina, Rebeca. Mara tem Sophia, também de 3 anos, assim como Michelle, com Lisa e o pequeno Mateo, de nove meses. Ambas têm casa em Winterthur, a menos de 20 quilômetros de Zurique. Coincidentemente, esses relatos se encaixam exatamente no perfil abordado no livro Brasileiros na Suíça, dos sociólogos Safira e Paul Ammann (Liber Editora). Safira morou durante 15 anos em Fribourg. “Cerca de 75% dos imigrantes são mulheres, que vão ao país para constituir família, já com um engajamento afetivo com homens suíços”, afirma a socióloga. Números oficiais do governo da Suíça revelam que, em 1999, eram pouco mais de dois mil brasileiros residentes no país. Hoje são mais de 15 mil. Para o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, esse número pode chegar a 50 mil. O órgão brasileiro baseia-se no número de atendimentos consulares, sem considerar se os imigrantes são legais ou ilegais. Profissionais brasileiras com carreira em grandes empresas, que vêm trabalhar na Suíça, ainda são minoria. A maioria vem mesmo por causa dos maridos. Há uma outra parcela de mulheres que chegam como turistas e ficam ilegalmente no país, fazendo faxinas, tendo a esperança de conseguir arrumar um marido e um visto local.
Por questões ideológicas, o governo suíço estimula a mulher a deixar o emprego de lado e dedicar-se à maternidade. Os partidos de direita acreditam que esse é o lugar certo da mulher – criando os filhos, e os de esquerda, com viés socialista, pregam que o salário do homem deve ser suficiente para o sustento da casa. Como em outros países da Europa, o serviço de babás e empregadas é um verdadeiro luxo. As creches são bastante caras, principalmente se pai e mãe trabalham, já que o valor a ser pago é calculado sobre a renda dos dois. Além disso, a escola pública suíça tem um intervalo entre meio-dia e uma da tarde. A criança almoça em casa, consequentemente, a mãe tem de estar lá.
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Fluência na língua é essencial para tornar a adaptação mais fácil. As três amigas sentiram logo no começo que, sem falar o alemão, a sobrevivência no país distante seria muito difícil. “No começo eu e o Jörn só falávamos inglês, até que vimos que eu precisava falar alemão em casa também. Hoje é só alemão entre a gente”, diz Mara. Na casa dos Hegg, marido e mulher ainda continuam usando o inglês entre eles. Já com os filhos, Michelle conversa em português e Rudolf, em alemão. Essa é uma prática adotada em muitas casas de estrangeiros, assim os pequenos já crescem poliglotas e mantêm a cultura dos pais.
A colocação profissional também é muito importante para essas mulheres. Para Mara, por exemplo, arrumar um trabalho era condição imprescindível para ela ficar morando na Suíça. Para isso, a brasileira foi à luta. Fez cursos em instituições locais para ter melhores chances. A engenheira de alimentos trabalhou durante algum tempo no serviço de catering da ETH Zürich (Instituto Federal de Tecnologia da Suíça), o mais famoso do país. Desde 2001 está na Nestlé, na área de desenvolvimento de alimentos. A mineira Michelle, formada em relações públicas, trabalha na Fundação de Hemofilia de uma multinacional farmacêutica. Telma também formou-se em engenharia dos alimentos. Um ano depois de chegar em Chur, arrumou o primeiro emprego, aos 24 anos. “Foi bem difícil. Eu ainda era muito nova, inexperiente profissionalmente e não tinha total fluência no alemão.” Dois anos mais tarde, ela conseguiu colocação na área de controle de qualidade de uma fábrica de ração animal, no país vizinho de Lichenstein.
As amigas usufruem de um privilégio das leis trabalhistas européias para as mães. Muitas empresas oferecem part-time jobs, ou seja, não é necessário trabalhar todos os dias da semana. Mara tem uma carga horária de 60%, trabalha três dias por semana. Já Michelle arrumou uma vaga onde está presente somente dois dias e meio da semana, 50% da carga horária. Trabalhando parcialmente, é uma maneira de amenizar a distância entre as mães e os pequenos. Aliás, a qualidade de vida das crianças é um dos itens apontados como decisivos para permanecer na Suíça. A escola pública é reconhecida pela excelência. “Aqui eu tenho certeza que meus filhos estarão numa boa escola. No Brasil, você paga caro por um colégio e nem sempre a educação é adequada”, critica Michelle. A segurança nas ruas é tão grande que, a partir dos 5 anos, os pequenos já vão caminhando – sozinhos – para a escola. Pai que leva o filho de carro para o colégio leva bronca! Além disso, parques, clubes e áreas de lazer, quando não gratuitos, são baratos e estão disponíveis em todo lugar. “A cinco minutos da minha casa dá para andar numa floresta de verdade”, diz Mara.
As brasileiras são unânimes em citar respeito ao próximo e cidadania como diferenciais. “Aqui o cidadão é respeitado, os impostos são revertidos em prol da comunidade. Ainda me choca quando vou ao Brasil e vejo criança pedindo dinheiro na rua”, lamenta Telma.
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A ilusão da volta
Obviamente, nem tudo é um mar de rosas. A saudade sempre bate. Bate forte. Michelle sente falta do riso, da alegria e do povo comunicativo do Brasil. Mara tem saudades do apoio e do convívio familiar, da agitada vida noturna de São Paulo. “Quando chego no Brasil de férias, sempre me sinto em casa. Depois quando volto, levo umas duas semanas para me readaptar aqui novamente. Fico meio deprê.”
Algumas pensam na possibilidade de um dia, futuramente, voltar a morar no Brasil. Outras não. “Aqui é o meu lar”, diz Telma sobre a Suíça. Segundo a socióloga Safira Ammann, muitos imigrantes vêm com o sonho de retornar, mas a maioria acaba ficando. “Eu sou uma brasileira vivendo na Suíça. Bem adaptada, mas eu não quero ser suíça”, afirma Michelle Hegg.
Mas há histórias diferentes. Nem todas as brasileiras chegam ao país de casamento marcado. Foi por acaso, em 2007, que surgiu a chance da viagem ao exterior para a babá Carline Dantas, de 23 anos. Uma família brasileira que estava de mudança para Zurique precisava de uma babá por alguns meses e acabou contratando a moça. Mal sabia ela que a viagem mudaria sua vida. Apesar de ter a chance de ganhar mais e conhecer novos lugares, o começo foi difícil. “Eu sentia falta da minha família, do barulho das ruas, do movimento dos shoppings de São Paulo”, lembra. Uma outra grande barreira foi a língua. Como só falava português, o aprendizado do alemão era mais difícil.
Dois meses depois de chegar na Suíça e já de passagem de volta marcada para o Brasil, a babá conheceu Luigi. O suíço-italiano, também de 23 anos, simplesmente se encantou com a baiana, de olhos verdes e sorriso largo. Tudo foi muito rápido. Oito meses depois, os dois já estavam casados. Em agosto deste ano, nasce o primeiro filho do casal. Carline e Luigi Scaramuzzo têm uma vida confortável, com muito mais coisas do que ela sequer poderia imaginar em seu próprio país. Mas para isso, os dois trabalham duro. O suíço é gerente numa loja de comida. Em algumas semanas entra às 5 horas da manhã e sai às 4 horas da tarde. Em outras, vai das 3 horas da tarde até a meia-noite.
Carline ainda não domina o alemão, mas decidiu estudar o italiano, por causa da família do marido. Ele já está praticamente fluente no português. Nada como a paixão para dar um impulso no aprendizado. “Eu sou feliz aqui. Só não gosto do frio”, diz Carline rindo. Ela tem certeza que o filho vai ter um futuro melhor na Suíça do que teria no Brasil. “Ele vai estudar numa escola boa, poder se formar e arrumar um bom emprego.” Apesar disso, a baiana ainda mantém o sonho de voltar um dia para perto da família.
De acordo com o Departamento Federal de Estatísticas da Suíça, em 2007, 49,7% dos casamentos realizados no país foram entre pessoas de diferentes nacionalidades. Os homens suíços preferem as alemãs, em primeiro lugar, e logo em seguida, vêm as brasileiras, seguidas por tailandesas, italianas e francesas. Mas afinal, por que as brasileiras são tão especiais? “Elas são mais simpáticas, descomplicadas, femininas, mas ao mesmo tempo, fortes. E eu acho o máximo elas gostarem de beber cerveja!”, brinca Rudolf Hegg.
E para as brasileiras, não há problema nenhum com os homens nacionais. Mas foi em terras suíças que elas encontraram o amor de suas vidas.
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