O que Zilda Arns pensava do Brasil

Janeiro
Uma das 11 vítimas mais sentidas para o Brasil no terremoto do Haiti foi Zilda Arns. Aos 75 anos, a irmã de Dom Paulo Evaristo Arns, médica, fundadora e coordenadora da Pastoral da Criança estava em missão social no país caribenho. Zilda foi embora fazendo o que sempre fez em toda sua vida: ajudando as pessoas.


Na 26ª edição de Brasileiros, em Setembro de 2009, ela respondeu a nossa pergunta frequente – Você acredita no Brasil?

“Eu acredito. O Brasil talvez seja o país mais importante do mundo. Nosso povo solidário, pacífico e sem preconceito. O Brasil também é privilegiado pela natureza, pelos rios, pelos minérios. Nosso País tem melhorado nos últimos vinte anos, um indicador disso é o atual índice de mortalidade infantil, que de 80 óbitos por mil nascidos vivos, baixou para 20 por mil nascidos. E na Pastoral da Criança, esse índice é de 13 por mil.

Por outro lado, há aspectos que ainda precisam melhorar muito, como a qualidade da educação infantil e educação da família. Outros verdadeiros cancros do Brasil são a corrupção e a falta de ética, que devem melhorar drasticamente, a começar pela educação na primeira infância, quando se fixam os valores culturais que serão projetados ao longo da vida. Só assim teremos políticos com mais ética e responsabilidade social. A paz é precedida pela justiça social e para que se promovam ambas, é preciso uma forte atuação dos governos, das famílias e das organizações sociais. Só por meio da reforma tributária e de políticas públicas conseguiremos diminuir a concentração de renda.”


O que os amigos pensam do trabalho de Zilda

“Conheci a Dra. Zilda, como todos a chamávamos, em 1977, quando éramos alunos da Faculdade de Saúde Pública da USP. Como, à época, apesar de muito jovem, já era auxiliar de ensino do Departamento de Nutrição, além de aluno, participava de algumas atividades docentes do curso de formação de sanitaristas que fazíamos. Isso foi razão para que, com seu sorriso e falar inconfundíveis, ela, pelo resto da vida, me chamasse, carinhosamente, de ‘professor’. Ao que eu sempre retorquia: em matéria de Saúde Pública, a mestra é a senhora! Realmente, poucas pessoas no Brasil atuaram mais em prol da saúde dos brasileiros, em particular de suas crianças. Embora nem sempre se reconheça, programas governamentais de grande sucesso, como o de agentes comunitários de saúde e o próprio festejado Programa de Saúde da Família, foram inspirados na Pastoral da Criança, tão dedicada e competentemente dirigida pela Dra. Zilda desde 1983. Esses programas foram fundamentais para começar a deslocar o foco da atenção à saúde no Brasil, tradicionalmente centrado em grandes hospitais e altas tecnologias médicas de baixa cobertura populacional, para uma rede básica de saúde de alta capilaridade, includente e voltada para a prevenção e controle dos problemas de saúde mais comuns de toda a população. Não menos importante foi a saudável ‘contaminação’ desses programas pelo espírito de solidariedade e compaixão que marcaram toda a profícua vida dessa notável figura humana que foi Zilda Arns. Com sua partida, certamente perdemos um dos ‘imprescindíveis’ de que falou Brecht.”

Carlos Augusto Monteiro, Professor Titular da Faculdade de Saúde Pública da USP

“Para a Dra. Zilda, ‘impossível’ era uma palavra que não existia no dicionário. Sua determinação em melhorar as condições de saúde e nutrição das crianças brasileiras, e mais recentemente das crianças pobres de todo o mundo, era incomparável. Conheci a Dra. Zilda no início da década de 1980, quando de cada mil brasileirinhos que nasciam, quase 90 não sobreviviam para comemorar seu primeiro aniversário. Se hoje temos uma taxa de mortalidade de 20 por mil, grande parte do mérito é devido aos esforços da Dra. Zilda e das pessoas por ela motivadas.”
Cesar G. Victora, Universidade Federal de Pelotas

Um país que já nasceu em ruínas


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