O Rio de Janeiro continua lindo

Sim, continua, mas o estresse que ele anda pregando está me deixando enlouquecida. Outro dia, levei três horas de Botafogo à Barra, no meio de filas de pessoas que se xingam e roem os dentes de raiva, um tipo de ódio que vai contaminando uns aos outros, como se nós também não fôssemos os outros para os semelhantes ao lado. Por causa dessa fila parada, também percebemos o lixo entulhado e o tenebroso cheiro que sai deles rodeando os morros e boiando nas águas.

Lembrei-me dos portugueses que aqui chegaram e colocaram o nome das ilhas de “Cagadas”, o que os brasileiros transformaram em Cagarras, para que não pegasse tão mal assim, o que as ilhas jamais tomaram conhecimento.

Minha empregada tem carro, meu pedreiro tem carro, o que eu acho ótimo e dou a maior força, mas o que vai acontecer com uma população que, quando alguém telefonar para um corretor, não perguntar onde é o prédio, em que bairro, mas sim quantas vagas na garagem o apartamento tem.

Morei muito tempo na Avenida Atlântica, em um apartamento enorme, que só possuía uma vaga na garagem, o que era perfeito, pois só papai naquele tempo sabia dirigir e os nossos empregados, coitados, acho que jamais tinham entrado em um “carro de passeio”, como diziam.

A maioria dos prédios daquele tempo não tinha garagem e ninguém perguntava por elas ao dono do apartamento, porque corretor, assim como as garagens, não existia também.

Agora, é um terror precisar sempre de um deles e muitas corretoras colocam aquela musiquinha enlouquecedora para deixar o cliente esperando no aparelho, assim como todas as companhias que existem: não só as de telefone, mas de luz, gás e todas as outras que nunca nos deixam saber se vão realmente atender ou se o número da maioria absoluta de telefones é verdadeiramente 171.

As ruas também, aqui no Rio, estão lotadas. Cada uma tem cinco, seis barzinhos com músicas aos berros. Comecei a frequentar os primeiros lá pelos anos 1970, no Baixo Leblon, passando logo também para o Baixo Gávea, imagino que por estarem situados nos finais das ruas, o que os fizeram chamar de Baixo. Hoje moro em Botafogo, um bairro tranquilo (o que se pode chamar de “tranquilo” aqui no Rio), mas sempre com algum tiroteio fazendo a música de fundo.

O que tem de novidade mesmo é o Baixo Cemitério, na São João Batista, rua que sai da porta do cemitério e anima todas as almas do pedaço com milhares de barzinhos. Animados, um atrás do outro, com o Teatro Poeira, o Poeirinha, pizzarias, deliverys e chopes.

O bairro se tornou mais animado desde que estrearam a Sears Roebuck, espécie de shopping em frente à praia, onde íamos matar aula, concentrados apenas nas escadas rolantes que subíamos e descíamos até o horário de saída do Colégio Andrews.

*É atriz, atuou em mais de 50 filmes, 15 telenovelas e minisséries, além de peças de teatro. Também é cronista do Jornal do Brasil e autora do livro O Quebra-Cabeças (Imprensa Oficial, 2005), uma compilação de crônicas publicadas pelo jornal.


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