O Beto, lá pelos seus 20, andava perdido. Como muitos, viu uma luz nos livros do Carlos Castaneda, o guru new age. Abriam um mundo de caminhos mágicos, realidades alternativas, revelações, xamãs, drogas alucinógenas e tudo mais. Ele mergulhou de cabeça naquilo e, após três anos de experimentações e reflexões, julgava-se feiticeiro. Um xamã com poderes especiais.

Certa feita, num pós-chuva em Barão de Mauá, colheu cogumelos-em-bosta-de-vaca e preparou sua cabocla infusão alucinógena. Talvez tenha sido a psique da vaca geradora, o fato é que a beberagem pegou o artista no contrapé. Resultaram alucinações horrorosas e convulsões. Um pesadelo que só teve fim dois dias depois com uma moça enxaguando seu rosto no riacho.

Essa moça era a Lu que, também perdida, se abrigava na ioga, na medicina ayurvédica, na meditação e na profusão de mantras.

Aquele encontro – uma sincronicidade – entrelaçou seus destinos. Não tiveram filhos, mas sim uma paixão substituta, o futebol. Ele gostava da bola, do drible e do gol. Ela, das movimentações, dos posicionamentos e da ocupação dos espaços. Por isso, iam sempre ao campo.

O Beto se irritava um pouco com as manias dela. Só entrar por portão ímpar, nunca sair antes do juiz, contar até 11 antes de pênalti, coisa e tal. Não era só superstição, percebeu.

Anos mais tarde, no 4 de maio de 2012, Beto teve seu segundo grande pesadelo. Já tarde da noite, saía de seu estúdio com um cliente, quando ele o convidou para traçar a feijoada do judeu, na Alameda Barros. Não podia dizer não. O russo preparava a feijoada de véspera e começava a servir na sexta mesmo. A batida era ordenhada livremente de um samovar e o torresmo servido em ninhos de couve crocante. Feijoada à noite? Por que não?

A resposta veio naquela madrugada mesmo. Os feijões, os torresmos, as bistecas, a carne seca, o paio e as linguiças amalgamaram em seu estômago. Ah, a batida fácil do samovar! O organismo dele lutou desesperadamente noite adentro.

A Lu acordou assustada com as convulsões. Ele dava chutes, muitos chutes, e grunhia. Ela foi chacoalhando o Beto, usando toalha molhada até ele recobrar a consciência. Para horror dela, inesperadamente ele anunciou: O Brasil vai perder a final de 2014 para a Argentina no Maracanã, eu vi!

Gente assim se impressiona muito com essas coisas e a Lu ficou desesperada. Foi um perereco! Depois, aos poucos, se acalmaram. Interpretaram o fenômeno, confabularam e por fim integraram competências. A solução foi fundamentada na catolicidade do País, nos poderes do Beto, nos mantras da Lu e, claro, em seus traços obsessivos-compulsivos. Na posição de Lótus, madrugada adentro, recitaram 2014 vezes o mantra-oração Zelai por nós, só por nós, ó Senhor!  E foram dormir acalmados.

Desde então, andam espalhando o poderoso ritual. Insistem que, para reverter o horripilante desígnio, é preciso um grande número de seguidores. O que, à luz do incomensurável benefício, não será difícil conseguir.


*PhD pela Universidade de Cambridge, foi professor titular da USP. É autor dos livros Choro de Homem (Ateliê Editorial) e O Pai de Max Bauer (Ateliê Editorial/Editora Brasileiros).


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.