Fabiana de Souza Azevedo, 35 anos, tem um sonho: ser professora, para ensinar e trabalhar com alunos da periferia, de escola pública. Para realizar esse sonho, Fabiana foi à luta. Desde os 16 anos, ela trabalha como secretária em um consultório de urologia, em São Paulo. Mas o sonho de ser professora sempre falou mais alto.
O casamento, aos 17 anos, e o nascimento do filho, um pouco depois, obrigou Fabiana a interromper os estudos na 8ª série do Ensino Fundamental. Porém, o sonho permanecia. Em 2001, Fabiana retornou à escola, fez o 1º e o 2º anos do Ensino Médio no supletivo em uma escola estadual. Finalizou o 3º ano em escola regular, também estadual, e, depois de dois anos de tentativa, conseguiu entrar na faculdade.
Sem poder pagar cursinho, estudou por conta própria e ingressou em Letras na Universidade de São Paulo (USP). De 2004 até 2008, conciliou o trabalho no consultório, as aulas na USP e os afazeres de dona de casa. A formatura e a licenciatura em língua portuguesa, no final de 2008, tornavam o sonho mais próximo.
A ideia de retornar ao seu bairro, Itaquera, na periferia da capital paulista, para trabalhar com alunos de regiões que mais necessitam de professores permanecia na cabeça de Fabiana. “É claro que isso é pouco, talvez até fantasioso e um grãozinho de areia, porque trabalho de professor é muito extenso e depende também da vontade do outro, mas a minha ideia sempre foi essa, de trabalhar em escola pública, com esses alunos da periferia, como eu também fui”, relembra.
Para dar aula em escola pública, Fabiana teria de encarar mais um desafio no percurso: o concurso público. A primeira oportunidade seria o concurso de 2010, o primeiro aberto depois de sua formatura na USP. O concurso durou o ano passado inteiro, mas não impediu Fabiana de ter sua primeira experiência como professora.
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Ao mesmo tempo que participava do processo, trabalhava no consultório e, claro, mantinha os afazeres domésticos e de mãe, Fabiana foi aprovada para ser professora temporária na rede de ensino do Estado de São Paulo. Lecionou aula de língua portuguesa em três turmas do Ensino Médio e em mais uma, da 7ª série, em escolas diferentes.
Mas, passar no concurso público e, definitivamente, trabalhar somente como professora era o objetivo maios. “Com certeza, eu sairia do consultório e me dedicaria somente às aulas. Esse é o meu projeto, porque é difícil você dividir. Para mim, o ideal seria só ser professora, é o que queria fazer”, diz.
O concurso durou o ano inteiro de 2010. Depois de uma prova inicial, os primeiros aprovados foram chamados em julho, para a escolha da vaga. Depois, foram submetidos a um curso online de formação, com duração de quatro meses, desenvolvido e disponibilizado pela Secretaria de Educação. Com frequência mínima de 75% em cada um dos quatro meses, o candidato estaria habilitado a fazer a última prova do processo, em dezembro.
Fabiana passou na primeira prova, escolheu língua portuguesa, com a máxima carga horária (40 horas semanais), foi aprovada no curso on line e também na prova final, em dezembro. No dia 8 de janeiro de 2011, uma lista com as nomeações foi divulgada no Diário Oficial para, em seguida, serem emitidos os primeiros laudos de perícia médica.
Perícia médica? Sim, todo e qualquer candidato a funcionário público estadual, incluindo professor, é submetido a uma perícia médica. No caso do concurso de Fabiana, o edital dizia quantos exames os candidatos teriam de realizar e enviar para a Secretaria de Educação. No entanto, não está explícito que a perícia médica pode impedir a aprovação no concurso e, consequentemente, o exercício do cargo, nesse caso, o de professor. “Não há nenhuma especificação de qual a condição física exata você precisa ter para exercer a profissão”, lembra Fabiana.
“Fiz a primeira perícia em novembro. E quando o clínico me examinou, ele achou que minha pressão estava alta. Ele me encaminhou para o cardiologista e para o endocrinologista em dezembro. Precisei esperar uma nova convocação pelo diário oficial. Nesse tempo, já me tratava em um endocrinologista e fui também ao cardiologista, por causa da pressão alta. Nunca tinha tido nada disso. Ele me falou que estava com pressão alta leve, me deu medicação e eu continuei a fazer o tratamento do endocrinologista”, conta Fabiana, que perdeu cinco quilos desde que iniciou o tratamento e hoje pesa 113 kg.
Depois, ela diz que levou os diagnósticos dos dois médicos, com as especificações de medicamentos que estava tomando, para a segunda perícia médica, no dia 26 de janeiro. O cardiologista mediu a pressão de Fabiana e disse que estava tudo bem.
“O endocrinologista fez uma consulta mais demorada, me pesou, me mediu e falou: ‘Você está obesa, você sabe que você precisa emagrecer’. Falei que sabia disso e perguntei se o fato de eu estar obesa me impediria de exercer a profissão, de ser considerada apta”. Ele falou: ‘Obesidade é fator de reprovação, sim. Eu não posso te responder se você vai ser aprovada ou não, porque seu caso vai passar por uma Junta Médica e eles que vão decidir’.”
No dia 1º de fevereiro de 2011, Fabiana recebeu o resultado: “Não apta”. Ela e outras quatro candidatas acreditam terem sido reprovadas por obesidade, como foi publicado na matéria do jornal Folha de S. Paulo, que trouxe à tona o assunto, no último dia 3. Depois, o caso teve grande repercussão, com muitos textos e comentários em vários meios de comunicação. O colunista do Estado de S. Paulo, Ignácio de Loyola Brandão escreveu uma crônica sobre o assunto na última sexta-feira (11).
“Eu julgo que fui reprovada por obesidade, mas não sei o motivo real, porque está simplesmente Não apta. Para saber o motivo, a gente precisa pedir vista ao relatório médico. Eu fiz isso ontem (2) e foi agendado para o dia 21 de março para eu poder ver meu prontuário”, conta Fabiana.
No entanto, a reprovação pode custar caro à Fabiana, depois da nomeação há um prazo de 30 dias para o concursado tomar posse. No caso dela, o prazo expirou na última terça-feira (8), pois a nomeação aconteceu em 8 de janeiro. Além disso, é necessário o laudo médico, com a aprovação. Fabiana pediu prorrogação por 30 dias para tomar posse e pode pedir por mais 30.
“Existem esses prazos legais, então não podemos esperar a data que o departamento médico marca e não fazer nada, porque você perde o concurso”, explica, revelando que está pedindo assessoria jurídica ao sindicato, o Centro do Professorado Paulista (CPP), para auxiliá-la em todo o processo.
Preconceito de Estado
“O que foi publicado, que foi o nosso caso, por obesidade, é um absurdo mesmo. Hoje em dia, você não poder trabalhar porque está com uma condição física diferente! Eu não vou dizer, tanto que conversei com outros médicos, que eu não tenho um problema. Eu tenho. Obesidade é um problema. Meu Índice de Massa Corpórea é 43. Porém, isso não me impede de fazer nada!”, afirma Fabiana, frustrada por ver seu sonho, por ora, interrompido.
O caso de Fabiana é ainda mais absurdo porque ela foi funcionária do Estado em 2010, como professora temporária. Isso daria subsídios para os peritos avaliarem seu estado de saúde.
“O ano passado, quando eu dei aulas, tive duas faltas médicas. Em uma delas, eu tive um exame oftalmológico e não conseguia enxergar, porque a pupila dilata e você não tem condições de trabalhar depois. Na outra, foi um exame de rotina marcado com antecedência que chocou com o horário da aula e não pude ir. Foram dois atestados em um ano. Não tive nenhum problema para que dissessem: ‘Ela falta, o prontuário médico dela está cheio de falta, cheio de licença’. Não, eu nem tinha prontuário no Departamento Médico”, lembra Fabiana.
“A resposta (da Secretaria de Gestão Pública, responsável pelas perícias médicas no Estado de São Paulo) para a Folha foi que eles levaram em conta o histórico médico, mas eles não tinham histórico médico meu. Nesse um ano de professora temporária, eu não usei o Departamento Médico nenhuma vez. Acredito que isso deveria ter contado na avaliação”, analisa Fabiana, ressaltando que sua preocupação sempre foi o trabalho dentro da sala de aula.
Apesar de toda a frustração pela reprovação, Fabiana está lutando para virar o jogo e conseguir realizar o sonho de ser professora. Ela e outros tantos que foram considerados inaptos pelo Estado para exercerem a profissão estão se mobilizando. Antes mesmo de toda a polêmica, os candidatos já tinham uma comunidade no Orkut para conversar sobre educação e outros assuntos relevantes. Para quem quiser acompanhar mais de perto toda a absurda polêmica, a comunidade chama-se “CONCURSO PEB 2 – Estado de SP – 2010”.
Esperança
No dia 6, Fabiana e outras duas professoras reprovadas na perícia médica tiveram um alento para que a decisão seja revertida. Em reportagem do Fantástico, Fabiana, Lídia (professora temporária há três anos) e Ana Paula (há 10 anos na rede pública de ensino do Estado de São Paulo) conseguiram ter acesso ao laudo médico e confirmaram que a reprovação teve um motivo: obesidade. Veja uma cópia do laudo de Fabiana abaixo:
Além disso, outra matéria, do jornal Agora, do último dia 5, mostrou o caso de um professor, reprovado em concurso estadual de 2007 por obesidade. Ele conseguiu liminar na Justiça contra a decisão e leciona em uma escola da rede pública estadual desde 2009.
Assim, a luta de Fabiana e das outras professoras reprovadas continua. O site da Brasileiros vai ficar em cima da batalha de Fabiana por um sonho que começou há muito tempo e não pode ser interrompido por causa de um preconceito de Estado. Em pleno século XXI, isso é inadmissível. Em um País com déficit de professores, como revelou reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, coincidentemente na semana passada, não é compreensível que pessoas sejam impedidas de exercerem a profissão por causa do peso.
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