Durante os anos 1960, os EUA e a extinta União Soviética capturaram a atenção de todo o mundo ao protagonizarem a maior disputa científica de toda a história da humanidade: a conquista da Lua. Vencida pelos americanos com o pouso do módulo lunar da Apollo 11 e os passos épicos de Neil Armstrong e Edwin Aldrin Jr. pelas areias do Mar da Tranquilidade, no dia 20 de julho de 1969, no que seria o 97o aniversário do nascimento de Alberto Santos Dumont, o projeto americano ficou imortalizado pelo termo inglês moonshot (tiro para a Lua).
Acompanhar o desenrolar desse tiro à Lua não só enamorou milhões de crianças e galvanizou a formação de toda uma nova geração de cientistas e engenheiros nos EUA, na União Soviética e pelo mundo afora, como também sedimentou a visão de que o destino das nações e de toda a raça humana estava intimamente relacionado ao desenvolvimento de novas tecnologias e processos científicos. Ao apontar para o impossível e realizá-lo, o moonshot também estabeleceu um novo paradigma científico para toda a humanidade: o limite dos nossos feitos está na fronteira da nossa própria imaginação. Ou como Dona Lygia gostava de dizer: “O impossível é apenas o possível que ninguém dedicou suficiente esforço para realizar”.
Assim, muito mais do que gerar inúmeros avanços científicos e tecnológicos, o programa espacial americano incentivou a criação de um sem número de iniciativas públicas e privadas na área de ciência e tecnologia que ainda garantem, 40 anos depois, a supremacia inconteste dos americanos na fronteira da inovação e do conhecimento de ponta.
Para as crianças americanas que acompanharam o projeto Apollo nos EUA, e que posteriormente se transformaram na nova geração de cientistas e empreendedores de tecnologia do país, claramente, o maior incentivo e fonte de inspiração não vieram dos aspectos práticos do projeto, mas do fato de que a tarefa de realizar um voo impossível, rumo às estrelas, se materializou graças ao esforço coletivo de todo um país que passou seis anos respirando o espaço, seus mistérios fascinantes, e o sonho de levar a raça humana de volta às suas verdadeiras origens: a poeira das estrelas.
Para aqueles que, como eu, acompanharam esse evento de outro país, a fascinação e o entusiasmo não foram menores, pois, apesar da clara motivação e manipulação política dada ao projeto pelo governo americano, a experiência de testemunhar ao vivo, em uma TV em branco e preto, um membro da nossa espécie caminhar, mesmo que titubeantemente, no solo de um outro corpo sideral, foi avassaladora.
No momento em que o Brasil acelera a sua tão esperada jornada rumo à construção de uma nação verdadeiramente democrática, de grande inserção na comunidade internacional, e se apresenta ao mundo como uma das poucas esperanças de estado nacional que pode contribuir decisivamente para o bem da humanidade, faz-se necessário que o governo brasileiro e seus parceiros privados elaborem projetos científicos que possam, como o moonshot americano, galvanizar não só a juventude brasileira, como a de todo o mundo. O impossível continua ao nosso alcance. Mas para tornar o impossível em factível, é preciso inovar com a liberdade e ousadia do pensamento mágico das crianças.
Para tanto, a Associação Alberto Santos Dumont para o Avanço da Pesquisa (AASDAP), organização social de interesse público (OSCIP) que responde pelo projeto e administração do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra, estará propondo ao governo brasileiro, nas próximas semanas, que este se associe a uma série de parceiros internacionais de grande reputação científica para levar a cabo o Walk Again Project (Projeto Andar de Novo). Como meta central, esse consórcio sem fins lucrativos, que inclui institutos de pesquisa americanos, europeus e sul-americanos, visa restaurar a mobilidade corpórea completa de pacientes quadriplégicos, vítimas de lesões irreversíveis da medula espinhal, por meio do uso de uma nova tecnologia conhecida como interface cérebro-máquina. Usando essa nova abordagem, criada no Centro de Neuroengenharia da Universidade Duke, no Estado da Carolina do Norte, nos EUA, esse grupo de neurocientistas, cientistas da computação, engenheiros e roboticistas propõe construir uma interface cérebro-máquina que permitirá a esses pacientes utilizarem a atividade elétrica de áreas saudáveis do seu cérebro para controlar uma veste robótica de corpo inteiro. Ao vestir esse verdadeiro exoesqueleto, esse paciente poderá então usar a própria mente e seus pensamentos motores para comandar todos os movimentos da veste que lhe restaurará a habilidade de locomoção, alimentar-se autonomamente e interagir novamente com o mundo, familiares e amigos. Caso esse verdadeiro moonshot da neurociência seja bem-sucedido, dezenas de milhões de pacientes em todo o mundo, que sofrem de graves desabilidades motoras, resultantes de trauma do sistema nervoso ou moléstias neurodegenerativas, poderão se beneficiar em um futuro que, verdadeiramente, se encontra ao alcance das nossas mãos.
Para levar a cabo esse que poderá vir a ser o nosso moonshot tropical, a AASDAP proporá ainda ao Governo Federal brasileiro e ao consórcio Walk Again que a primeira demonstração do resultado final desse esforço científico global, desenvolvido no Brasil nos próximos três anos e meio, seja realizada durante o jogo de abertura da Copa do Mundo de 2014. Dentro dessa concepção, durante o jogo de abertura, quando a seleção nacional de futebol do Brasil adentrar o campo, vestida em seu tradicional verde, amarelo e azul anil, ela será capitaneada por um adolescente quadriplégico brasileiro que, pela primeira vez na história, vestindo as cores do País tropical, caminhará pelo gramado e dará o pontapé inicial da Copa do Mundo no Brasil, comandando um novo corpo robótico, por meio de seus pensamentos, atos até então impossíveis, mas que naquele instante se transformarão em história concreta e palpável para todo o mundo testemunhar.
Nesse momento, eu espero, todo o mundo se conscientizará de que o até então país do futuro se transformou na nação do presente, exemplo para todo mundo; um país onde ciência e tecnologia de ponta estarão a serviço do bem social do seu povo e de toda humanidade. E o lugar onde os voos impossíveis, como aquele realizado por Alberto Santos Dumont, se darão, dali para sempre, não mais em céus distantes, mas sob a luz do Cruzeiro do Sul.
*Paulistano e palmeirense de nascença, é professor titular de Neurobiologia e codiretor do Centro de Neuroengenharia da Universidade Duke, na Carolina do Norte (EUA), idealizador e diretor do Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lily Safra em Natal (RN). Faz parte do Conselho Editorial da Brasileiros.
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