Para que time você torce, menino?
– Eu torço para o time do Tio Dema!
– Mas que time é esse? Nunca ouvi falar! E olha que eu sou fanático por futebol.
– Claro que sim, o senhor conhece sim! Todo mundo conhece o time do Tio Dema.
– Não tenho a menor ideia do que você está falando, moleque! Dá para você dar uma pista?
– O senhor não sabe quem foi o primeiro time brasileiro Campeão do Mundo em 1951, logo depois da tragédia do Maracanã em 1950? Ou o único time que vestiu a camisa da Seleção Brasileira contra outro país e que vingou o Maracanazzo, dando uma surra bem dada no Uruguai na inauguração do Mineirão? Será que o senhor não conhece mesmo o time que teve duas Academias de Futebol? Aquele que no dia da Arrancada Heroica em pleno Pacaembu, em 1942, trocou de nome: morreu líder como Palestra Itália e nasceu campeão como Palmeiras? Tá me gozando?
– Palmeirense, você é torcedor do Palmeiras? Meu Deus, mais um carcamano na família! Pai corintiano, mãe são-paulina, que desgosto!
– Sociedade Esportiva Palmeiras, por favor, esse é o nome correto do time do Tio Dema.
– Mas que história é essa de time do Tio Dema? Desde quando o seu Tio Dema é dono do Palmeiras? Quem contou essa lorota para você, moleque?
– Lorota? O senhor é que não sabe nada de futebol. Várias pessoas contaram para mim que o Palmeiras é do Tio Dema. O time todo, incluindo o técnico, massagista. Até o Periquito, o mascote, é dele também.
– Mas quem contou?
– Para começar, o seu Manoel, o pipoqueiro mais antigo do Parque Antártica, o nosso estádio lá na Rua Turiaçu. Um dia, quando a gente foi assistir ao Palmeiras passar por cima do Juventus da Mooca, o seu Manoel virou para mim e disse: “Esse seu Tio Dema, menino, já assistiu a tanto jogo, mas tanto jogo aqui no Palestra, que já virou dono do time”. Na hora, eu olhei pro Tio Dema e ele, sem bobear, deu aquela piscadela confirmando tudo.
– O pipoqueiro te disse? Mais alguém?
– O porteiro do Parque Antártica também. Toda vez que ele pega o nosso ingresso, ele dá um tapa nas costas do Tio Dema e diz: “Patrão chegou! Pode começar o jogo porque o dono do time já deu o ar da graça!”.
– O pipoqueiro e o porteiro? Tudo bem, mas tem mais alguma outra prova de que o time é dele?
– Claro! Outro dia, lá em Sorocaba, quando um jogador do Palmeiras perdeu um gol feito contra o São Bento, o tio Dema levantou e, com aquela voz de trovão que só ele tem, gritou para todo o estádio ouvir: “Oh, Brandão, tira esse perna de pau já!”. Não demorou um minuto e o Oswaldo Brandão, nosso técnico, tirou o cara e mandou ele direto para o vestiário! Também, com o dono do time mandando, não tem técnico que desobedeça!
– Parece que o Tio Dema manda mesmo.
– Manda? O senhor não sabe de nada. No mês passado, naquele jogo que o Palmeiras goleou o Corinthians, quando estava 3 a 1, o Tio Dema levantou e soltou mais uma trovoada: “Passa pro Dudu que ele vai fazer o dele também!”. Justo o Dudu, que é um marcador implacável, mas que nunca marca gol. Mas quando o dono manda, tudo acontece. Na mesma jogada, em um rebote da defesa deles, a bola sobrou pra quem? Pro Dudu, e ele não deixou por menos, colocou rasteirinho lá no fundo do gol. Entre um pulo e outro, gritando que nem um louco. Eu olhei para o Tio Dema que sorrindo, como só o dono do time sabe sorrir na hora de um gol espírita, me disse: “Falei pro Dudu que ele tinha de arriscar de fora da área. Não deu outra!”.
– Nossa, tô começando a achar que você tem razão, moleque.
– Melhor mesmo. Só pro senhor não duvidar mais, deixa eu lhe dizer que, uns anos atrás, o Palmeiras foi jogar contra a Portuguesa. No meio do jogo, meu Tio Dema cochichou no meu ouvido: “Tá vendo aquele atacante, o Leivinha? Logo, logo ele vai jogar no nosso time!”. Não deu um mês, lá estava o Leivinha, fazendo o primeiro gol com a camisa do Palmeiras. Tio Dema comprou o passedele e o resto é história.
– Bom, chega de futebol por hoje. O que você quer ser quando crescer, menino?
– Eu vou ser médico, que nem o Tio Dema.
– Médico, muito bom, mas por que você quer ser médico?
– Nossa, o senhor tem cada pergunta boba. Quando você vira médico, você aprende a chamar gol espírita que nem o Tio Dema sabe fazer. Você sabe a hora precisa que o Luis “Chevrolet” Pereira vai desembestar para o ataque. Você sente o momento-chave para colocar o Fedato no lugar do César Maluco, para ele fazer o gol no último segundo do jogo. E, acima de tudo, só o Tio Dema consegue comandar, da arquibancada, toda a torcida alviverde num supercampeonato, quase impossível contra o Santos do Rei Pelé.
– Esse Tio Dema é mesmo um super-herói. E como! No meu último encontro com o meu querido tio, doutor Waldemar Delboni, do topo dos seus mais de 80 anos de vida e medicina, e mais de 60 de arquibancadas, ele manifestou o desejo de estar presente no jogo inaugural da futura Arena Palestra Itália. Alguns meses depois, no começo deste ano, Tio Dema nos deixou. Mas nem por isso ele não vai deixar de estar em mais esse jogo histórico. Em um dia qualquer de 2013, quando as portas da nova casa palmeirense se abrirem para os seus fanáticos torcedores, se tudo der certo, lá estarei eu, com dois ingressos na mão. Quando me perguntarem o por que dois ingressos, a resposta vai ser imediata.
– Um é para mim, mas o outro é para o Tio Dema, o dono do time!
*Nicolelis é paulistano e palmeirense de nascença, professor titular de Neurobiologia, codiretor do Centro de Neuroengenharia da Universidade Duke, na Carolina do Norte (EUA), e idealizador e diretor do Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lily Safra em Natal (RN). Faz parte do Conselho Editorial da Brasileiros.
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