A quinta reportagem da série Como Vender Este Produto Chamado Brasil apresenta a trajetória e os conselhos do carioca Marcello Serpa, publicitário acostumado a protagonizar grandes feitos. Um deles entrou para a história da propaganda mundial: aos 40 anos, em 2000, Serpa foi convidado a presidir o júri do Festival de Publicidade de Cannes e tornou-se o mais jovem profissional e o primeiro de origem latina a conduzir esta que é a maior premiação anual do mercado de propaganda. À frente da AlmapBBDO, agência da qual é sócio desde 1993, ao lado de José Luiz Madeira, o publicitário é um colecionador de Leões de Ouro, Prata e Bronze – os troféus conferidos aos vencedores. Somente em 2014 foram 18. Na lista de clientes da Almap, figuram gigantes da indústria como Havaianas, Volkswagen, HP, GE, Bauducco e Audi.
Apaixonado por desenho gráfico e industrial, Serpa, aos 18 anos, decidiu partir para Munique, na Alemanha, cidade em que passou a residir, trabalhar e cursar Artes Aplicadas, com o incentivo de sua mãe, Roberta, do padrasto alemão, Gunter, e o apoio mensal de US$ 300 do pai, Paulo. No curso universitário inspirado nas lições de despojamento e limpeza de formas da Bauhaus – a escola alemã, fundada em 1919 por Walter Gropius, que deflagrou o modernismo na arquitetura e no design –, Serpa deu os primeiros passos para tornar-se um diretor de criação de traço inconfundível, que preza pela objetividade e a máxima do arquiteto Mies van der Rohe “menos é mais”.
Em 1985, formado, ele recebeu um convite para ser assistente do diretor de criação da filial de Dusseldorf da GGK, a maior agência de publicidade suíça. Dois anos depois, ele voltou ao Brasil, no momento em que Washington Olivetto associou- -se à agência e fundou a W/GGK.
A expectativa de participar do quadro de criadores da nova empresa foi frustrada no primeiro encontro. No final da conversa, Olivetto disse vagamente a ele para telefonar dias depois. Mal sabia o publicitário que foi o primeiro personagem desta série de reportagens (leia em http://old.brasileiros.com.br/jrYXI), naquele mesmo dia, a chance de contratar o rapaz seria descartada, como relembra Serpa: “A reunião com Washington foi muito divertida, mas nada conclusiva, pois não recebi proposta nenhuma dele. Acho que ele olhava para mim como um ‘alemãozinho’ extremamente formal no raciocínio gráfico de desenho e, talvez, por ser redator, não sabia o que fazer com meu trabalho dentro da agência. À tarde, fui me encontrar com Francesc Petit, na DPZ, e acho que o fato de ele ser um diretor de arte de origem catalã e, portanto, mais próximo da escola desenho de onde eu vim, fez com que ele imediatamente me chamasse para trabalhar no Rio de Janeiro como diretor de arte do Stalin Vieira, meu grande amigo até hoje.”
Em 1989, Serpa passou a trabalhar para a DM9, criada naquele ano por Nizan Guanaes e João Augusto “Guga” Valente. Na nova agência, a convite de Nizan, ele teve a primeira experiência de empreendedor, ao fundar, com o sócio Roberto Tipo- la, a Ink, empresa de design gráfico filiada à DM9. Quatro anos mais tar- de, Serpa viu-se diante de uma pro- posta irrecusável: “Por mais que eu estivesse numa posição muito confortável na DM9, queria ser dono da minha própria agência. Foi então que Alex Periscinoto me procurou para dizer que não sabia como continuar a Almap. O mercado passava por uma transformação e era rejuvenescido por concorrentes muito fortes, como a W/Brasil e a DM9. Alex foi um dos caras que criou a moderna propaganda brasileira, com o conceito de dupla de criação, mas não conseguia acompanhar as mudanças daquele momento e fomos para a Almap eu, Alexandre Gama e José Luís Madeira.”
Essa reformulação da Almap abriu caminho para Serpa e os dois amigos tornarem-se sócios da agência. Em 1996, Gama decidiu abandonar a sociedade para assumir a presidência da Young & Rubicam e, no ano seguinte, a Almap passou a ser conduzida por Serpa e Madeira, que até hoje mantém a agência criada nos anos 1960 como uma das mais importantes do País.
A seguir, Marcello Serpa conta mais detalhes dessa trajetória, suas percepções sobre as transformações do mercado publicitário no País e, na sua opinião, o que é preciso ser feito para “vender” este produto chamado Brasil.
Crise x propaganda
Vivemos períodos em que o Brasil era como uma montanha russa. A economia do País subia e descia com uma velocidade absurda e enfrentamos crises que pareciam eternas. Houve momentos de desvalorização brutal da nossa moeda em que, ao mesmo tempo, chegava um navio lotado de carros importados da Volkswagen trazidos para cá com o lucro calculado sobre o dólar de dois meses antes. Quando o navio chegava aqui, tínhamos de nos desdobrar para fazer com que as pessoas pudessem pagar o preço exorbitante desses carros. Eram desafios complexos, mas foi um período bem interessante para a propaganda do País, porque tudo tinha de ser vivido em um absurdo curto prazo. As campanhas tinham uma durabilidade muito efêmera e isso fazia com que exercitássemos muito mais a nossa criatividade. Com as sucessivas crises que vivemos, as campanhas tinham de ser feitas em dois ou três dias e essa urgência gerava uma necessidade imediata de ser criativo. As decisões tinham de ser muito rápidas e intuitivas. Ao mesmo tempo, era preciso ter objetividade e assertividade.
Revolução digital
Desde o começo do século 21 vivemos uma crescente revolução dos meios digitais. Esse processo impôs aos profissionais de criação uma curva ascendente de aprendizado. No começo, o digital foi tratado como um possível assassino das outras mídias. Claro, algo que não se confirmou, porque esse discurso era bem mais uma defesa dos interesses de quem estava começando a atuar com essas novas mídias do que um prognóstico verdadeiro. No decorrer desse processo as mídias sociais foram inventadas, grupos cada vez maiores de pessoas passaram a trocar todo tipo de conteúdo e foram justamente essas novas mídias que acabaram definindo o que é a revolução digital. Hoje, as grandes plataformas virtuais de interação social, como YouTube, Facebook, Instagram e Twitter, são os maiores difusores mundiais de conteúdo. Curioso é perceber que, de certa maneira, um ciclo foi retomado, pois, se observarmos
a maioria das publicações compartilhadas nessas mídias, concluiremos que voltamos à essência do formato clássico dos comerciais de televisão, que é comunicar por meio de histórias curtas e bem contadas.
O novo consumidor
A revolução digital mudou drasticamente o papel do consumidor. Com o poder que foi atribuído a ele com as redes sociais, o consumidor se tornou hoje um pequeno ditador. Cada um de nós, com o celular ou o computador em mãos, tem a capacidade de mobilizar outras pessoas e provocar estragos em empresas que costumavam ficar quietinhas, no seu canto, sem o incômodo de ninguém. Com isso, as marcas passaram a ter um receio enorme de provocar no consumidor avaliações negativas, que possam deflagrar reações em cadeia e isso faz com que o discurso do mercado fique um tanto pasteurizado. Tudo vem embalado em filmes bacanas, onde todos são felizes, todos ajudam uns aos outros e querem salvar o planeta.
Esse discurso é tão homogêneo que você tem a impressão de que pode trocar a campanha de uma marca pela da outra que não vai fazer a menor diferença. O mais complexo nesse novo cenário é atender as demandas que esse discurso cobra de nós, pois ele tem o dever de falar para todos os brasileiros. Se a marca não adotar a estratégia de homogeneizar seu discurso, ela correrá o risco de ser interpretada como machista, homofóbica, liberal ou conservadora demais, de esquerda ou de direita demais, evangélica ou católica demais. O mercado exige isso, mas, a meu ver, essa imposição vem tornando a propaganda asséptica demais. Dia desses, fiz uma palestra e brinquei: “Vem cá, se todas as marcas querem agora salvar o mundo, quem é o filho da puta que está destruindo tudo?!”.
O diálogo com a classe C
É um engano achar que a nova classe C é completamente diferente do que consideramos classe média tradicional. Entre elas, há muitos aspectos em comum. Há alguns anos fizemos uma pesquisa que revelou algo interessante: pegamos filmes de diversas categorias e de vários momentos da agência para testar a reação que eles causavam em consumidores dessa chamada “nova classe média”. Os mais bem recebidos foram justamente aqueles que nós classificamos como os mais sofisticados. O que nos levou a concluir que fazer filmes publicitários voltados para a classe C não significa fazer filmes vaga- bundos. Ainda existe esse preconceito em algumas agências, mas elas esquecem que a linguagem hollywoodiana de fazer filmes é disponível para qual- quer cidadão e esse novo consumidor é tão exigente quanto o antigo. As pessoas querem ver peças bem feitas, inteligentes e divertidas. É preciso também ser claro, direto e impactante, algo que vale para qualquer consumidor, seja ele da classe C, B ou A.
Como lucrar com o digital
No início da revolução digital, a maioria das pessoas achava que a distribuição de conteúdo aconteceria de forma gratuita. Ideologicamente, algo muito bonito e bacana, mas esse raciocínio criou uma lógica na cabeça das pessoas, na qual, na internet, tudo que é grátis é bom e moderno e tudo que é cobrado é antiquado, velho e negativo. O advento do Napster é um exemplo disso. Todo mundo achava fantástico baixar música de graça, mas as pessoas não fizeram o cálculo de que tem de ter um cara para criar a música, outros para tocar os instrumentos e outro para produzir e gravar. Se ninguém pagar pelos direitos desses artistas como é que essa conta fecha, como é que eles vão ganhar dinheiro? Quando a indústria da música tentou fechar o cerco, ela foi imediatamente transformada em um monstro com mentalidade de dinossauro. O romantismo inicial dessa liberdade de conteúdo acabou criando a dificuldade das grandes empresas em cobrar por ele. A monetização desse material por meio da propaganda foi demonizada, mas, hoje, isso está começando a mudar. Grandes veículos como o New York Times e a The Economist já encontraram formas bem-sucedidas de capitalizar com a internet. No Brasil, esse mercado ainda é incipiente, mas também está crescendo.
Propaganda no século 21
Depois de ela ter ficado muito tempo estagnada nos velhos nomes, a publicidade brasileira está sendo transformada por uma geração muito bacana. Tem muita gente jovem renovando o mercado. E, o que é mais legal, em várias categorias diferentes. Chegamos a um grau de maturidade muito elevado e essa nova geração de profissionais se tornou mais aberta e especializada para a quantidade de meios que nós trabalhamos. Infelizmente, talvez pela situação do mercado, per- cebo que ela é menos empreendedora do que as anteriores. Claro, esses jovens são excelentes profissionais, mas são poucos os caras que têm a coragem de colocar a cara no merca- do para fundar uma agência.
O produto Brasil
Para falar dessa marca, não tem como deixar de falar em política. Como eu disse há pouco, a propaganda tem mudado muito por pressão dos consumidores e o mesmo vale para o Brasil. O País precisa descobrir seu DNA, sua verdade, para assumir suas fraquezas e suas virtudes com a mesma sinceridade. Claro, podemos falar das nossas virtudes, mas não podemos dourar a pílula. Não adianta tentar ser algo que você não é porque as pessoas, cedo ou tarde, perceberão isso. Vou dar um exemplo que aconteceu com um cliente da agência. Durante anos, a Pepsi se portou como concorrente da Coca-Cola quando sempre teve um décimo da participação de mercado e um décimo da verba que a Coca-Cola tinha para investir em propaganda. Claro, as pessoas nunca compraram esse discurso de concorrência e de nada adiantou a Pepsi fazer filmes brasileiros com padrão internacional de produção, ou trazer campanhas de fora, com figuras como David Beckham e Beyoncé. Eles juravam que, com isso, iriam igualar as vendas da Coca-Cola. Em um trabalho conjunto entre a Almap e a Pepsi, desenvolvemos uma longa pesquisa para descobrir qual era a verdade da Pepsi. Foi então que criamos o bordão “Pode ser?”.
Fizemos com que o produto assumisse sua verdade e se colocasse como uma opção à Coca-Cola e não um concorrente direto. Transformamos a opção em algo bacana, colocamos na cabeça das pessoas que elas poderiam experimentar a Pepsi e que esse “Pode ser” também era uma opção incrível. Foi então que o consumidor se desarmou de uma série de sentimentos em relação a Pepsi. O mesmo vale para o Brasil, e esse é um comentário apartidário: a política brasileira tenta ser aquilo que não é e os políticos fingem ser o que não são. A cada quatro anos, eles tentam vender para a gente aquilo que eles nunca fizeram e não vão fazer. Na última eleição, a presidente Dilma vendeu o discurso publicitário de um Brasil bacana e todos nós sabemos que o País não está legal. Em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin disse que não ia faltar água, que não haveria racionamento, quando ele já existia. Esse discurso publicitário da política, essa mania de achar que fazer marketing e propaganda é contar balela, que basta criar um bom jingle, uma boa frase de efeito, não cola mais. Não adianta falar que não vai faltar água, que o trem vai chegar na hora exata, que a violência foi reduzida, que a inflação e o dólar estão controlados, e que tudo está mui- to bem, porque as pessoas sabem que tudo isso é mentira. Essa crença absoluta dos políticos no poder do marketing fez com que a gente acreditasse menos no Brasil. Transformou um bom produto em algo muito pior. A verdade seria a melhor ferramenta de marketing para o Brasil, mas, por enquanto, ela parece estar longe de acontecer.
Deixe um comentário