“O ventre imundo que gerou o fascismo ainda é fértil. E como é fértil!”. Foi isso o que afirmou, nesta terça-feira (5), o ativista José Luis Del Roio, durante a reabertura da instalação Penetrável Genet/Experiência Araçá, localizada no Ossário geral do cemitério do Araçá, em São Paulo. Com a citação da frase de Bertold Brecht, o ex-guerrilheiro se referiu ao ocorrido na madrugada de domingo (3), quando a obra criada por Celso Sim e Anna Ferrari com referência aos desaparecidos da ditadura militar foi vandalizada – dois monolitos de mármore, de 700 quilos cada, foram derrubados e destruídos.
Mesmo que a autoria ainda seja desconhecida, poucos duvidam que haja motivação política no ataque à obra, que propõe aos visitantes uma reflexão sobre memória e morte. No ossário onde está a instalação encontram-se 1.046 ossadas descobertas em 1990, em uma vala clandestina do Cemitério Dom Bosco, em Perus, onde presos políticos mortos por agentes da ditadura eram enterrados sem identificação. “O fascismo não suporta a arte. Não suporta a memória. O fascismo vive na profunda sujeira moral, espiritual, mental. Então eles acharam que precisavam mostrar que existem. E eles existem, e fizeram o que sabem fazer: o nada, a ofensa, a destruição”, disse Del Roio.
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Fotos: Hélio Campos Mello
A reabertura da obra contou com a presença da dupla de artistas, de membros das Comissões da Verdade nacional e estadual – como o advogado José Carlos Dias, o deputado Adriano Diogo (PT) e a psicanalista Maria Rita Kehl –, do secretário municipal de Direitos Humanos e Cidadania, Rogério Sottili, além de ativistas e jornalistas. Guilherme Wisnik, curador da 10ª Bienal de Arquitetura de São Paulo, da qual Penetrável Genet é parte, afirmou que o ato de vandalismo “provou que esse trabalho toca em pontos profundos. Esse é um bom sinal sobre a capacidade crítica do trabalho”.
Após a destruição, os criadores optaram por incorporar os destroços à instalação, deixando os pedaços de mármore espalhados pelo local. A montagem feita no ossário é parte de uma obra maior, que inclui um percurso no cemitério feito com fones de ouvido, ao som de música composta por Celso Sim com texto de Hélio Oiticica – texto que, por sua vez, é inspirado em Jean Genet (saiba mais). Segundo Wisnik, a obra foi se politizando cada vez mais, num processo um tanto espontâneo: “Vale lembrar que o Jean Genet é um artista violento, e o Oiticica também. Então toda essa violência que já estava em potencial na concepção do trabalho explodiu, dramaticamente, no momento presente da sociedade brasileira”.
A Polícia Civil de São Paulo segue investigando a ocorrência e, durante a reabertura, José Carlos Dias e Rogério Sottili prometeram levar a questão também para a Polícia Federal. Descobrindo ou não quem são os culpados, o que fica claro é que os que vandalizaram a obra acabaram por dar a ela maior peso e espaço no debate atual. Nas palavras de Del Roio, sempre fortes: “Eles erraram, porque a beleza vai continuar existindo. Essas obras de arte ficaram mais fortes. Não é o que se queria, o que se imaginava, mas objetivamente elas ficaram muito mais fortes. E a ideia da memória se difundiu mais, teve maior repercussão”.
Serviço: Penetrável Genet / Experiência Araçá
Quando: De terça a domingo. Sessões às 12h, 13h, 14h, 15h e 16h.
Limite: 15 pessoas por sessão. Gratuito. Livre.
Onde: Cemitério do Araçá (entrada pela Avenida Doutor Arnaldo, 666, em frente à estação Clínicas do Metrô)
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