Pense num documentário com artistas do porte de Pixinguinha, João da Baiana, Donga, o maestro Moacir Santos, Baden Powell, Milton Nascimento, Sérgio Mendes, Airto Moreira, Hermeto Pascoal e Paulo Moura. Adicione estrelas internacionais como os Beatles, Joe Cocker, The Jackson Five, Carlos Santana, Chick Corea, Nina Simone, Marvin Gaye, Sarah Vaughan e o grupo Chicago. Pois este é o elenco que animaria um documentário sobre a vida artística do percussionista Laudir de Oliveira.
Tendo Ramos, zona norte do Rio, como ponto de partida, o músico rodou o mundo, freqüentou o chamado jet set internacional e voltou para o subúrbio carioca, como quem tivesse dado um pulo no centro da cidade e voltado. Além de ter acompanhado alguns dos principais nomes da música internacional, Laudir conheceu e conviveu com figuras como o senador norte-americano Ted Kennedy, os galãs Marlon Brando e Marcello Mastroianni e a diva Catherine Deneuve.
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Sexto dos 11 filhos de dona Laura e seu Lucindo, Laudir demorou para ingressar no mundo da música, apesar de sua mãe ser violonista e de ter como vizinhos alguns dos maiores nomes da música brasileira. Compositores como Donga, João da Baiana e tantos outros eram recebidos pelo pai de seu amigo Alfredinho – um senhor de pijama e chinelo charlote, que atendia pelo nome de Pixinguinha.
Mesmo não dando bola para a música, Laudir era perseguido por ela. Aos dez anos de idade, ganhou outro vizinho ilustre: o maestro Moacir Santos, da Rádio Nacional, reverenciado pelos músicos como um gênio à altura de Pixinguinha.
O destino do músico começou a ser traçado aos 14 anos, quando pediram que levasse um cabrito num terreiro de candomblé. Ao chegar ao local, Laudir deslumbrou-se com os instrumentos de percussão e começou a brincar com eles. A sonoridade o encantou. Voltou numa noite de sessão e ficou mais fascinado ainda quando ouviu o som dos atabaques, o ritmo, o colorido dos integrantes. Voltou muitas vezes ao terreiro até tocar numa noite, há 52 anos.
Se não sabia da sua habilidade com as mãos, já tinha notoriedade com os pés. Dos melhores dançarinos dos bailinhos de Ramos e adjacências, ganhava as namoradas no dois pra lá, dois pra cá. E levava até o pai das moças na conversa. Todos os filhos tinham horário para chegar em casa, menos o pé-de-valsa, que não só dançava como voava. A amizade com um piloto do Correio Aéreo Nacional o levou para vários pontos do País. “Eu chegava e perguntava para onde tinha vôo. Escolhia, subia no avião e pronto!”
A vida era tão corrida que nem prestava muita atenção num moreno magro que freqüentava sua casa, tocando violão com sua mãe. Era Baden Powell, prestes a ser reconhecido como um dos maiores virtuoses da música brasileira e mundial.
E foi no chão que o menino de Ramos ganhou seu primeiro título. Já no início da década de 1960, era considerado o rei da gafieira na zona norte. Laudir conta que trabalhava numa distribuidora de bebidas das 15 às 21 horas. Como não precisava acordar cedo, dançava nas famosas gafieiras Estudantina e Democráticos, na região da Lapa, de segunda a sexta-feira. Sábado e domingo era dia de bater tambor no candomblé.
Assim, o ritmo de Laudir já extrapolava as divisas da zona norte, onde se juntou aos amigos Bira e Birany, Aymoré, Arnô, Valter, Mendes e Dida, para formarem o Bloco Cacique de Ramos e o Grupo dos 20. Desta turma surgiam os arquitetos do hoje famoso grupo de pagode Fundo de Quintal. Já tinha história para contar e algum currículo para impressionar a bailarina Mercedes Batista, a primeira negra a dançar no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Convidado pela artista para dançar e tocar na sua companhia, fez sua primeira grande viagem internacional: foram 11 meses na França, fazendo o que mais gostava: viajar, dançar e tocar.
De volta ao Brasil, em 1966, a roda da fortuna artística continuou a girar. O teatrólogo Pascoal Carlos Magno botou os olhos e viu nele o Creonte da tragédia Antígona, de Sófocles. Era o biótipo que procurava. Mas a vida nos palcos, como ator, durou somente duas apresentações, pois foi convidado para participar do grupo de dança afro-brasileira Brasiliana, com 47 componentes. Laudir não pensou duas vezes, principalmente ao saber que a companhia viajava para o exterior apresentando sua arte.
Foram quatro anos com a perna no mundo e as mãos nos tambores, viajando pela Ásia, Europa e Américas e tendo como platéia Beatles, Marlon Brando e Elizabeth Taylor, dentre tantas outras estrelas.
Mas a rotina de avião, hotel e apresentação cansou até o nômade Laudir. Já no quarto ano de companhia, em 1969, resolveu buscar um porto seguro. A companhia passou por Los Angeles e foi por lá que jogou âncora. A cidade tornou-se seu lar por 19 anos.
Foto: Arquivo pessoal |
NAS PARADAS DE SUCESSO: O percussionista brasileiro, em cartaz promocional do grupo norte-americano Chicago: Laudir começou sua carreira internacional no final dos anos 1960 |
De início, para se enturmar, procurou seu antigo vizinho – o maestro Moacir Santos, a essa altura já bastante famoso nos Estados Unidos. Além de arrumar-lhe emprego, como integrante de sua banda, o maestro também indicou um apartamento para morar, no mesmo prédio que o seu. Tudo certo, emprego estável, casa nova? Nada disso: Laudir ficou somente duas semanas no conjunto de Moacir Santos, pois foi convidado para tocar em outro grupo: o Brasil 66, de Sérgio Mendes, o maior nome brasileiro nos Estados Unidos, substituindo o percussionista Rubens Bassini, que tinha machucado as mãos.
A estréia não podia ser mais imponente e arrepiante: uma apresentação com a Filarmônica de Nova York. E sua apresentação não poderia ter sido melhor. Foi tão boa que Sérgio Mendes resolveu manter na banda os dois percussionistas, assim que Bassini se recuperou.
Alguns meses depois, ao vir ao Brasil para renovar seu visto de entrada nos Estados Unidos, foi convidado para tocar com o grupo Vox Populi. Convite aceito, reencontrou, no México, Sérgio Mendes, que pediu para que voltasse à sua banda. Laudir prometeu que retornaria, assim que voltasse a Los Angeles.
Voltou, sim, mas não imediatamente. Desta vez, outro convite tentador segurou o músico no Brasil: participar da fundação do Som Imaginário, lendário grupo que acompanhou Milton Nascimento no surgimento deste para o estrelato. Tocando ao lado de Wagner Tiso, Zé Rodrix, Tavito, Robertinho Silva e Luiz Alves, o percussionista voltava ao seu País com a fama bem maior do que a de rei da gafieira de Ramos.
Foi uma época resplandecente na vida de Laudir, com o grupo acompanhando Milton Nascimento no Teatro Opinião, onde Nara Leão e depois Maria Bethânia, João do Vale e Zé Kéti fizeram história com um musical contestador em plena ditadura militar. Resplandecente e fugaz.
Completados seis meses, lá vai Laudir bater asas novamente, de volta a Los Angeles. Época da Copa de 70, o viajante errante não titubeou em passar antes pelo México e ver o Brasil de Pelé, Tostão, Jairzinho, Gerson e Rivelino ser campeão. De alma lavada, Laudir se apresentou a Sérgio Mendes para quatro anos de muitos discos e apresentações por todos os Estados Unidos e outros países.
Nesta fase, participou ainda do disco mais importante da carreira de Joe Cocker, o antológico With a Little Help from My Friends, cuja faixa título colocou o cantor inglês no auge durante o Festival de Woodstock. E a fama foi se propagando, levando Laudir a tocar também com Chick Corea, Herbie Hancock e Wayne Shorter e, para matar a saudade, Hermeto Pascoal, dentre outras estrelas.
Como se percebe, as viagens sempre trouxeram mudanças na vida de Laudir. E mais uma vez aconteceu. As grandes bandas americanas só se deslocavam em aviões fretados, mas numa determinada excursão, o grupo de Sérgio Mendes teve que fazer um vôo de carreira. O músico não lembra o que houve para não viajar em avião exclusivo, mas lembra muito bem de ter recebido um convite em pleno ar: participar de um disco de uma das mais famosas bandas pop mundial, o Chicago, que igualmente utilizava algo raro, um vôo comercial.
Participou do disco, com se fosse mais um freelancer na sua vida de músico requisitado. Mas não demorou muito e um manager do grupo o procurou para uma nova participação. Sem agenda, explicou que priorizava as apresentações com o Brasil 66, mas ouviu que estava sendo convidado para ser integrante do grupo. Aceitou, naturalmente. Assim, no ano de 1974, quando o Brasil perdia a Copa na Alemanha, Laudir ganhava o mundo.
Shows para platéias sempre acima de 20 mil pessoas, hotéis sete estrelas, discos anuais com milhões de vendagem que se transformavam rapidamente em ouro, platina, prêmios Grammy, avião próprio… Laudir vivia nas nuvens e tropeçava em estrelas. Lembra que, certa vez, ficou numa suíte do Hotel Plaza Athénée, em Paris, debaixo do apartamento em que Marcello Mastroianni e Catherine Deneuve curtiam sua lua-de-mel.
Quando não estava na estrada nem nos ares, morava numa casa, próximo a Los Angeles, com apenas 340 condomínios rurais, onde também viviam Marvin Gaye e Sarah Vaughan.
A fase Chicago acabou quando as baladas começaram a fazer mais sucesso e a percussão se tornou menos necessária. Com oito anos de céu e estrada, Laudir saiu do grupo no final de 1982, passou um ano de férias no Brasil e voltou para Los Angeles em 1984, onde ficou por mais cinco anos. Nesta época tocou com Airto Moreira, Flora Purim, Chick Corea, Carmen McRae e Nina Simone, excursionou pelo Japão com Sadao Watanabe e montou o seu grupo Brazilian Secrets.
Em 1989, estacionou sua Mercedes prata no Aeroporto de Los Angeles, pegou um avião e voltou para o Brasil. Veio para fazer um show com Sandra de Sá e não voltou mais. Nem viu mais a Mercedes.
Assim como o pessoal de Ramos não acreditava que os sucessos do Chicago eram tocados também por Laudir, a família não acreditou quando comunicou que seria diretor cultural da universidade Unigranrio. Durante sete anos, ficou à frente das ações culturais da casa de ensino. Hoje toca com Paulo Moura e uma moçada que faz a fusão de bossa nova com som eletrônico.
A rapaziada, dentre eles Marcelinho da Lua e Rodrigo Sha, faz os mais puritanos se arrepiarem com o balanço que tiram da bossa nova, mas têm o apoio de ícones como Roberto Menescal, Carlinhos Lira e Marcos Valle.
Em Los Angeles moram os dois filhos de Laudir, Christian, com 36 anos, e Ângela, 30 anos, do casamento que durou uma década com a artista plástica americana Catherine Newton. Também é pai de Pedro, com 18 anos, de um relacionamento com Mariana, enteada do diretor de cinema Herbert Richers. Laudir de Oliveira vive hoje ao lado de Odete, há 18 anos, e mora em Ramos, de onde saiu para ganhar o mundo. Ganhou e voltou para a casa. Take final.
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