Aberta à visitação na Caixa Cultural São Paulo a exposição Preto & Branco reúne 25 fotos captadas pela suíça Marie Hippenmeyer em uma câmera Diana. Produzida há quase meio século – e um ícone da baixa fidelidade – a precária máquina fotográfica utiliza filmes de 120 mm e assemelha-se a um brinquedo. Longe de querer promover embate entre novas e velhas tecnologias, a fotógrafa tem pretensões mais amplas. Ao lidar com a imperfeição técnica e a intervenção do acaso no resultado final, Marie faz também uma viagem interior.

Formada pela renomada Escola de Fotografia de Vevey, na Suíça, Marie dedicou-se ao fotojornalismo por oito anos e foi correspondente de importantes agências de notícias, como a Reuters e a France Press. Desde 2000, produz ensaios de moda e faz trabalhos para o mercado corporativo. Em parceria com o departamento educativo da Caixa Cultural, ela contribuirá com a formação de monitores para a 29a Bienal Internacional de São Paulo. A caminho de sua terra natal, para uma viagem de três semanas, Brasileiros teve uma conversa com Marie sobre a exposição e sua carreira.

Brasileiros – Em tempos de velozes avanços tecnológicos, a escolha de utilizar uma câmera de baixíssima fidelidade pode ser interpretada como uma fuga do fotojornalismo e dessa ditadura da perfeição?
Marie Hippenmeyer –
A escolha de uma câmera de plástico não é mera oposição aos avanços tecnológicos. Não acredito que as novas tecnologias sejam antagônicas às anteriores. São diferentes e complementares. No fotojornalismo, você produz imagens que devem conter uma série de informações objetivas e, após anos nesse processo, senti que meu trabalho estava ficando engessado. Produzia imagens implacáveis, que não deixavam lugar para a dúvida. A câmera que usei não tem mecanismos de controle de luz e tempo, e até o enquadramento é impreciso. Isso distancia o resultado da reprodução do real e permite um clique mais inconsciente, uma manifestação menos intermediada pelo racional. Coletei imagens, ao longo de quatro anos, quando comecei a voltar com frequência para a Europa, e o processo resultou em um trabalho que tem a ver com esse retorno às minhas raízes e a construção de uma nova identidade interior entre o Brasil e a Europa.
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Brasileiros – Como foi possível essa unidade temática em lugares tão distintos como o Brasil e a Suíça?
M.H. –
Não procurei fazer imagens turísticas ou documentais em que a ciência do local fosse um dado importante. Esse ensaio é muito mais uma espécie de diário interior. Falo de mim, não de geografia externa. As imagens remetem ao próprio inconsciente visual do visitante e ele tem mais espaço para a interpretação do que se identificasse de forma clara os lugares. As imagens têm sentidos abertos à imaginação.

Brasileiros – Você cobriu conflitos civis no Peru por quase seis anos. Destacaria algum episódio marcante?
M.H. –
A primeira coisa que me vem são imagens de atentados e massacres, mas destaco mesmo os momentos de esperança. Camponeses que acompanhei quando retornavam aos Andes peruanos, uma região castigada pela guerra civil. Muitos tiveram que fugir para a capital porque viviam em meio ao fogo cruzado, entre as forças armadas e o grupo Sendero Luminoso. Quando a região foi pacificada, foi muito emocionante ver esse retorno à terra de seus ancestrais, onde seus familiares vitimados pela guerra estavam enterrados. Uma terra do medo e da morte que voltava a ser uma terra da vida.


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